9. O tempo passado juntos

6.2K 651 254
                                    

- Amigos e pessoas que se gostam, além de apertarem-se as mãos e conversarem também dividem refeições - dizia ele, alegre - Venha, venha, nós dois já fizemos refeições sozinhos o suficiente - e brandindo a varinha fez com que a cadeira vazia se afastasse da mesa para que eu a utilizasse. Aproximei-me muito sem jeito, e segurei as costas da cadeira com ambas as mãos por um momento, dividindo o olhar entre ele e a refeição posta - Vamos, Memê, tente sentar-se!

Um pouco desajeitadamente enrolei a cauda em torno da cadeira e meio como que sentei-me, pondo-me a olhar para tudo sobre a mesa sem reação.

- O que quer comer? - perguntou ele, seus olhos azuis muito abertos olhando-me repletos de interesse - Vamos, diga e eu te sirvo! - timidamente apontei para um assado que parecia especialmente bom e, sorrindo, Newt ergueu a varinha e os talheres partiram o assado, que em seguida flutuou já fatiado até o meu prato, onde depositou-se por si só - Se não quiser usar talheres, tudo bem. Não me importo se quiser comer com as mãos - dizia ele de boca cheia e com um garfo colocando mais comida para dentro da boca, antes de dar-me um sorriso e, pegando uma fatia da carne com os dedos levei-a à boca e pus-me a mastigar muito lentamente. Newt olhou-me triunfante, empertigando-se sobre a cadeira de tamanha alegria que sentia, e passamos alguns minutos comendo em silêncio.

- Sabe? - disse ele depois de um tempo - Ontem, quando você se tornou aquele hipogrifo gigante, eu fiquei simplesmente apaixonado, porque, ainda não te falei, mas minha mãe tinha uma criação de hipogrifos, e eu acho que foi daí que nasceu a minha paixão pelos Animais Fantásticos... Bem, eu estou há tanto tempo longe de casa, e os hipogrifos me lembram tanto a minha infância, que fiquei tão tocado de vê-la tão maravilhosamente linda daquele jeito que não me contive - e subitamente riu - E isso quase custou-me a mão direita - e olhou-me sorrindo, mas eu senti-me mal por ter feito o que fizera e baixei os olhos para o prato, ao que ele falou, de ânimo leve - Mas eu não estou zangado com você, está tudo bem - e levantou a mão direita, mexendo os dedos, antes de tornar a pegar o garfo - Não houve nada. É como eu disse, você só está desacostumada de ter companhia, mas pode melhorar isso. Olhe para você hoje: Conversando e tomando refeição à mesa - e ele estava realmente feliz ao falar essas palavras, e não fazia questão de esconder - E olhe para mim - e riu - novamente falando mais em um minuto do que durante uma semana inteira - e de repente apoiou o rosto com ambas as mãos pondo os cotovelos sobre a mesa, e olhou-me com o semblante repleto de genuína felicidade - Você me faz muito feliz.

Parando de mastigar um momento, olhei-o sem realmente compreender como eu era capaz de fazê-lo feliz se eu não estava fazendo absolutamente nada, e senti novamente aquela sensação estranha no meu ventre enquanto era observada por ele daquela forma, e resolvi que devia voltar a mastigar para disfarçar, baixando os olhos; e assim que retirei dele o meu olhar ele tornou a mexer-se, pondo-se a comer novamente, até que me perguntasse:

- Janta comigo à noite, não é?

Ergui-lhe de novo o olhar sem palavras para responder, e antes mesmo que as conseguisse encontrar, ele respondeu em meu lugar, com um sorriso:

- Claro que sim! Afinal de contas, é a chance que temos de jantarmos juntos; quem pode saber qual será a próxima oportunidade... Temos que aproveitar as 24 horas que temos - e encheu meu copo com uma bebida de cor escura e cheiro doce, que eu não conhecia, antes de erguer o seu e brindar - À nossa saúde! - e sorveu dele um lauto gole.

Terminando já de comer, sentindo-me satisfeita, pus-me a lamber os dedos enquanto olhava para Newt, pensativa. Afinal de contas, ele não parecia mau como eu julgava todos os humanos, muito pelo contrário - a bondade e a inocência eram inerentes a ele e isso era muito claro. Ele era claramente o tipo de pessoa que não era capaz de causar dano a nada ou ninguém, e o seu sincero desejo de ajudar e ser solícito tinha em si uma beleza muito grande, que era tocante. Comecei a olhá-lo com outros olhos, simplesmente porque começava a enxergar o Newt Scamander verdadeiro.

Percebendo que eu o encarava, ele ficou subitamente com as faces coradas, e baixou os imensos olhos azuis para o seu prato vazio, pondo-se a brincar com os talheres, ao que disse-me, sorrindo timidamente:

- Acho bonitinho o modo como você lambe os dedos. Parece divertido comer assim. Acho que no jantar vou experimentar imitá-la, para ficarmos mais próximos e eu mostrar-lhe que me agrada que você seja diferente, que seja única.

Parei com um dos dedos dentro da boca, observando-no, que continuava a olhar para o prato vazio e brincar com os talheres, e só então dei-me conta de um cheiro diferente que farejei em minha mão: O cheiro da dele, de quando me pegara e a apertara com a sua, segurando-a nela, e recordei-me de repente da castanha do outro dia e meu coração novamente disparou dentro do peito.

*

Dias passaram-se e tornaram-se semanas, e as semanas tornaram-se meses. Todos os dias Newt estava, pontualmente ao meio-dia, em frente ao meu cercado para acompanhar minhas metamorfoses e, embora ficasse contente de acompanhar cada uma delas, eu podia perceber o leve desapontamento que transparecia contra sua vontade no fundo de seus olhos todas as vezes, e eu sabia que era porque ele ansiava que eu novamente assumisse algum tipo de forma humana, porque ele queria conversar, queria minha companhia em suas refeições, mas esse dia jamais chegava, e eu não podia fazer nada quanto a isso, infelizmente. E quando peguei-me pensando que, se me fosse dado escolher, eu me metamorfosearia exatamente da forma como ele desejava, eu percebi que havia algo errado comigo.

No começo ele havia-se mostrado mais ansioso, mas a sua ansiedade fora gradativamente diminuindo com o passar dos dias embora o pequeno traço de tristeza jamais desaparecesse verdadeiramente do fundo de seus olhos, mas ele esforçava-se para que a espera, que na verdade sequer sabia se teria enfim sua satisfação, fosse o menos penosa possível: Sempre que possível, ele passava a maior parte do tempo possível comigo, e falava muito ainda que eu não pudesse responder, e às vezes chegava a pôr-me para comer com ele à mesa mesmo eu tendo as formas mais bizarras, e de certa maneira isso fazia-me feliz, porque mostrava-me que ele acostumava-se a gostar de mim como eu fosse, não sendo egoísta de dar-me a sua companhia somente quando a minha forma fosse a que a ele mais agradasse. E foi assim que em meu dia de hamster passei-o todo sobre seu ombro, onde ele colocara-me, acompanhando-o em seu trabalho com os cuidados dos outros animais; no meu dia de ave exótica de longas plumagens coloridas passei-o quase que totalmente pousada sobre o braço que ele oferecia-me orgulhoso; e em meu dia de píton branca, enrolada em seu pescoço. Quando tornava-me feras selvagens eu podia claramente notar que me tornava dia após dia menos feroz, e nos dias em que tornava-me verdadeiros monstros ele não me temia. O cuidado dele para comigo me agradava e minha presença fazia-no sorrir, e isso era tudo, isso era o que importava; até que chegou o dia em que ambos parecemos distrairmo-nos de nossas preocupações e de nossos desejos, e foi nesse dia que aconteceu.

*

Estava passando o meu dia como um grande celacanto e por isso estava dentro da lagoa, calmamente nadando, respirando com as largas guelras que abriam-se e tornavam-se a fechar ritmicamente, e por isso havia perdido a noção das horas. Apenas notei que já era meio-dia e dez quando percebi a luminosidade fazendo-se presente ao meu redor e senti o corpo transformar-se. Surgiram-me patas longas e muito fortes, o torso brotou-me crescendo de onde antes era a larga cabeça, os braços estiraram-se e de repente senti-me afogar. Debati-me e subi para a superfície, rompendo-a com estrondo, e assim que emergi para fora, com um suspiro que buscava por oxigênio, por entre os longos cabelos negros molhados colados ao meu rosto vi Newt que aguardava-me ao lado da lagoa e, vendo meu rosto do qual eu removia os cabelos com as mãos, de braços cruzados sobre o paletó marrom que vestia, ele sorriu para mim parecendo realmente contente, ao que exclamava-se:

- Bem-vinda, Memê. Bem-vinda a um novo dia.

*

*

Notas Finais

Nosso casal (vou chamar assim porque sim, kkk) deu durante esse tempo não um, mas vários grandes passos em direção a um entendimento. A que essa melhora na relação vai levar ainda é mistério para ser solucionado nos próximos capítulos... Acompanhe...

Por hora, demorou mas Memê está novamente "meio-humana"... O que vai acontecer nas próximas 24 horas entre esses dois? E qual forma e personalidade ela assumiu?

Nesse mesmo canal, kkk, o próximo capítulo vai te contar, isso e outras coisas.

Presa na Mala de Newt ScamanderWhere stories live. Discover now