4. A doce castanha

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Torcendo levemente e mordiscando os lábios, Newt Scamander olhava-me debruçado sobre a cerca, com um olhar preocupado e pesaroso, de vez em quando erguendo a mão direita e baixando a cabeça de lado para coçar o cabelo desarrumado, vez ou outra franzindo de leve as sobrancelhas. Coçou o pescoço, baixando os olhos por um momento antes de novamente pôr-se a olhar-me com os olhos tristes e, soltando um suspiro, falar-me baixinho:

- Ei, você está me deixando preocupado, sabia?

Olhei-o muito de relance, mas voltei a baixar a cabeça, encolhida no canto onde eu estava, com ambas as orelhas murchas para trás. Ele pegou o próprio rosto entre as mãos um momento antes de esticar o braço direito e apontar para o coxo cheio de comida logo adiante, tornando a falar, com a voz ressentida:

- Você não tocou na sua comida a tarde toda, posso saber porquê? Olhe, se você pelo menos olhasse para a sua comida você ia ver como está apetitosa, mas você nem está se dando ao trabalho de olhar - e assim falando, vi que ele erguia uma das pernas e trepava desajeitadamente por cima da cerca - Eu trouxe especialmente para você umas folhas muito fresquinhas e bem suculentas e um pouco de castanhas, que estão deliciosas, e eu sei disto porque eu provei algumas antes de trazê-las pra você, mas você não está tendo o mínimo de consideração por elas, e isto não está certo - e já tinha então passado para o lado de dentro, um tanto atrapalhado e desengonçado, e veio a passos vacilantes em minha direção, falando muito baixinho - Por que você não quer comer?

Baixei ainda mais a cabeça, encolhida no meu canto e sequer movi-me. Eu realmente gostaria de dizer-lhe porque não havia comido e porque na verdade sequer planejava fazê-lo, nem agora nem nunca mais, mas eu não tinha como falar-lhe, ao menos não agora, e na verdade eu sequer sabia se teria a chance antes do fim que eu julgava tão próximo. Ele baixou-se de cócoras ao meu lado e pôs-se a observar-me em silêncio por um longo tempo antes de falar:

- Com tanto espaço você vai ficar aí só nesse canto?

Continuei quieta e imóvel onde estava, e fechei os olhos, deprimida ao extremo, não importando-me com mais nada, mas de repente senti uma mão tímida que resvalou de mansinho sobre o pêlo castanho do meu dorso e tive um ligeiro sobressalto, tornando a abrir os olhos. Ainda acocorado ao meu lado, ele parecia em dúvida se tocava-me ou não, e eu, não sabendo o que ele pretendia, pus-me de sobreaviso para pular a qualquer momento para longe assim que sentisse-me ameaçada por qualquer movimento dele, mas ele não parecia tencionar fazer-me mal. Novamente senti seus dedos indecisos e tímidos tocarem-me de leve, como se ele esperasse minha reação seguinte para dar prosseguimento ou não ao que fazia, e subitamente lembrei-me quando pela primeira vez senti o toque de sua mão sobre o meu dorso no bosque e tive uma sensação estranha ao recordar-me, porque na verdade nunca havia sido tocada antes, por ninguém, e ao mesmo tempo em que era-me uma sensação estranha sê-lo, algo dentro de mim parecia agradar-se com aquilo, e eu não compreendia. Lentamente, notei que seus dedos compridos sentiram-se menos receosos de tocarem-me, e aos poucos senti que eles deslizavam ao longo de meu dorso até chegarem à cauda curta, e de lá se retiraram subitamente para em seguida colocarem-se à altura de minha nuca, e novamente deslizaram, agora ao longo de minha coluna, e quando dei por mim, Newt Scamander estava-me acariciando ao longo de minhas costas, lenta e ininterruptamente, a pressão de seus dedos um pouco mais firme, mas ainda assim com incrível suavidade, e de repente ouvi-o falar para mim, muito baixinho, não parando com a carícia que fazia um só momento:

- Sabe, coisa linda, desde que eu te descobri e resolvi te trazer para cá, eu sabia que você era especial, hum, como poderei dizer isso, especial para mim, porque, bem, a sua espécie sempre me despertou um fascínio estranho e irresistível... Desde meus tempos de garoto em Hogwarts... E todo o tempo que empreguei na sua caçada, todas as dificuldades que tive, como que criaram um laço entre nós; eu não sei explicar bem, mas é o que eu sinto. Talvez eu não seja muito bom com esse tipo de coisa... Eu, bem, afeiçoei-me a você, de maneira especial - sua mão continuava a deslizar de minha nuca até minha cauda, repetidamente, e era bom - E, posso dizer sem dúvida nenhuma que, se acontecesse algo a você eu ficaria de coração realmente partido; então, por favor, faça um esforço, sim? Alimente-se, coisa linda, por favor - e respirou fundo, fazendo uma pausa - Vamos ver a comida, pelo menos? Quem sabe, você se anime em comer ao ver, pelo menos, o que eu trouxe - e assim tendo dito, ele retirou subitamente de sobre mim a mão que acariciava-me e percebi que se erguia, e passou ambas as mãos por sob minhas axilas, erguendo-me do chão, e colocando-me junto ao peito caminhou comigo até onde estava a comida, depositando-me lá, de frente para o coxo, ficando de pé ao meu lado.

Presa na Mala de Newt ScamanderWhere stories live. Discover now