6. O mais fantástico dos Animais Fantásticos

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Minha singela homenagem, ainda que indireta, a Ray Harryhausen.

*

Rapidamente ele retornou correndo com um balde repleto de carne e virou-o sobre o comedouro mais largo e alto de todos, tornando a desaparecer correndo sem dizer palavra, e não demorou até que viesse com um segundo e em seguida um terceiro, que com dificuldade erguia para esvaziar dentro do coxo. Suado pelo esforço, ele passou as mãos às têmporas por um momento, secando-as depois nas calças de modo apressado, olhando-me com os olhos muito abertos e uma expressão de expectativa nos olhos, que foi desaparecendo aos poucos ao notar que eu não fazia ainda a mínima questão de comer.

- Sei que é muito pouco - disse ele - mas dá para começar o desjejum. Assim que comer tudo eu trarei mais, coma! Tem muito mais de onde veio esta.

Batendo os cascos de vez em vez no chão e empinando o largo bico recurvado, eu apenas olhava-o de cima e não fazia sequer movimento em direção à carne, firme ainda em minha resolução de não alimentar-me, minha anterior tristeza agora transformando-se em indignação por estar presa mas ainda assim privando-me completamente do apetite.

- Por favor, querida! Coma!

Olhei-o um momento.

Nunca antes eu fora a querida de ninguém, e orgulhosa como encontrava-me então nessa "encarnação" como hipogrifo gigante, eu agradei-me de sê-lo, pois era de certa forma como se ao chamar-me de querida ele estivesse reverenciando-me à minha grandeza e ao meu poder, tão pequeno e frágil como ele era-me agora. Poderia arrancar-lhe fora a cabeça somente com uma bicada, caso eu o quisesse, e ele certamente bem sabia disso. Mas gostava da forma como ele olhava-me, com seus grandes olhos azuis repletos de afeto e devoção, gostava do seu tom de voz ao falar comigo, pois de certa forma parecia que era eu quem o possuía, e não o contrário.

- Vamos, querida, seja boazinha - pediu ele, repleto de humildade - Vamos, coisa linda, coma; você deve estar faminta - e ergueu uma mão no ar, timidamente, passando-a para o lado de dentro da cerca. Aproximei-me alguns passos - Vamos, por favor. Eu... Eu gostaria tanto de tocá-la. Será que posso?

Logo ele estava com o quadril colado à cerca e o tórax inclinado para dentro, o braço amplamente estendido e erguido, os dedos movendo-se no ar, desejosos de tocarem-me.

- Deixe-me acariciá-la um instante. Só um instante. Por favor.

Olhei-o e tive o súbito pensamento de devorar-lhe a cabeça, como o instinto me ditava fazer, mas algo dentro de mim falou-me que não, e olhei-o confusa. Suplicante ele esticava-se em minha direção, com os olhos subitamente trêmulos e muito brilhantes, parecendo confiar que eu não o machucaria, embora não fosse de forma alguma prudente fazer isto, já que eu nesse caso eu não confiaria em mim própria, e isso fez-me baixar a cabeça lentamente. Vendo que eu a abaixava, ele sorriu um sorriso tenso, esticando ainda mais o braço que quase destacava-se-lhe do corpo, os dedos trêmulos. Cheguei com a testa a meio metro de sua mão estendida e a tensão atingiu um nível crítico; voltando os olhos, vi que ele quase tinha lágrimas nos dele, que tremiam como sua mão, mas de repente recolhi de volta a cabeça antes de descer sobre ele rapidamente com o enorme bico aberto, quase decepando-lhe a mão caso ele não houvesse sido incrivelmente rápido ao recolhê-la, afastando-se para detrás da cerca e eu desse com a cabeça na barreira mágica que me prendia.

Segurando a mão intacta junto ao peito, ele murmurou:

- Quando pedi-lhe para comer eu não estava incluindo a mim mesmo - olhou-me uns instantes em silêncio antes de voltar a falar- Vou deixá-la agora. E coma a carne que está no seu comedouro - e apontou para ela com o dedo indicador da mão que ainda segurava junto ao peito antes de tornar a recolhê-lo, virando-se e andando para longe enquanto apalpava à mão, parecendo aliviado.

Presa na Mala de Newt ScamanderTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon