33 - O pedido do garoto

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Um casal apareceu no beco durante a noite. A temperatura estava baixa e um vento soprava forte, anunciando neve ainda para aquele dia.

Eles foram direto até o garoto e o convidaram para tomar um chocolate quente em sua casa, num bairro afastado dali.

O garoto silenciosamente agradeceu pelo presente, nem que fosse somente por uma noite, e entrou com eles num carro aquecido.

A casa para onde foram era grande, tinha dois andares, e depois de um bom banho de banheira, uma refeição completa e o prometido chocolate quente, o garoto foi conduzido até um quarto, que parecia ter sido preparado para ele.

Ficou encantado com o lugar e pediu aos céus para que aquilo não fosse um sonho e que ele, de repente, acordasse desolado no beco onde morava.

Dormiu com esse pensamento e na manhã seguinte acordou na mesma cama macia daquele quarto quente.

Desceu de pijama até a cozinha e encontrou o casal na mesa, o aguardando para um café.

Que achou do quarto? Estava do seu gosto? — perguntou a mulher alegremente.

Maravilhoso! — respondeu ele com a boca cheia de biscoitos, arrancando um sorriso dela.

Então vá se acostumando com ele, pois se quiser, poderá morar aqui conosco — disse o homem sério — Mas existem regras que devem ser cumpridas, para que possa permanecer aqui...

Se conhecendo o suficiente para saber o quanto adorava a sua liberdade, o garoto devia ter raciocinado melhor e pedido explicações detalhadas daquelas regras, mas a alegria de ser parte de uma família novamente falou mais alto e ele concordou com um aceno e selou o seu futuro com este gesto.

Nos próximos dias ele foi conhecendo aos poucos as citadas regras que o seu pai adotivo comentara. E eram muitas para um garoto acostumado a viver nas ruas.

Descobriu depois que o homem tinha um cargo importante no exército de Sua Majestade e ele trazia as mesmas regras militares para dentro de casa e quando havia um erro ou desobediência, o castigo era similar.

O garoto passou a ser um tipo de empregado da casa. Limpava os banheiros, arrumava os quartos, cuidava do jardim e da manutenção da moradia.

Foi matriculado numa escola muito boa e mesmo após vários anos longe das salas de aula, sua notas não eram ruins. O problema estava no seu comportamento agressivo, que em casa era controlado, mas na escola, frente a provocação de outros garotos, ele não pensava duas vezes antes de lhes aplicar um corretivo.

Nestas ocasiões, assim que seu pai ficava sabendo do ocorrido, ele também era castigado, mas não com violência declarada. Ficava preso no seu quarto, sem nenhum tipo de diversão, sem escola, tendo que continuar realizando as tarefas domésticas.

Nesses dias em que o garoto era punido pelos seus erros, ele se arrependia de ter ido morar ali e amaldiçoava o Papai Noel ou o ser brincalhão que o conduzira para aquela armadilha.

Com o tempo foi aprendendo a se controlar e uma frieza se abateu sobre o seu coração. Parou de ser castigado, mas ainda era tratado como um empregado na sua casa. Inexistiam momentos de carinho e amor.

Houve somente um dia em que seu pai adotivo lhe falou palavras com uma profundidade maior e que fizeram a diferença em sua vida. O garoto ainda não tinha completado 16 anos, mas já era mais alto que ele.

Filho, a solidão nos torna insensíveis e convivi muito com ela durante toda a minha vida, pois essa é uma das regras deste meu trabalho. Só adotei você para trazer uma companhia para sua mãe, mas percebo que você é muito mais forte do que eu imaginei.

Encenação MortalWhere stories live. Discover now