Truthfully, hurtfully

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Quando Wendy abriu os olhos naquele dia, pensou que estava em casa. Em casa, oito, quem sabe dez anos antes. Antes de tudo, de toda a maldição dos Darling começar a fazer efeito sobre o teto dela. Antes do caos, da tristeza. Pensou que estava no antigo quarto esticado que dividia com John e Michael; que o cansaço no corpo vinha porque tinha ficado até tarde desenhando de novo. Devia ser uma manhã de inverno e seu pai devia estar no andar de baixo, fazendo panquecas para as crianças e cappuccino para a mulher.

Devia estar nevando lá fora. E a mente grogue dela se perguntou se, por acaso e com sorte, a neve já tinha se assentado o suficiente para eles fazerem guerra no jardim de trás.

Afinal, ela estava envolta — literalmente embalada como burrito — por um cobertor grosso e macio, cor de areia. Um protetor de orelhas felpudo abafava o resto dos sons do mundo e seu corpo inteiro era puro peso. Camadas de roupas, meias e um cachecol envolviam qualquer pele. Menos no rosto. Alguém a posicionara perfeitamente na cama, de forma que o sol da janela se abria direto para cima dela, banhando. Wendy devia ter queimado as bochechas, pois eram a única coisa minimamente desprotegida naquele conjunto.

Foi o sol — não ameno ou lânguido como estava acostumada na infância, mas parecido com o que tinha visto no verão mais quente e mais ao sul que ela conhecia: no limite do Oregon — que entregou a farsa da imaginação dela. Wendy não tinha oito anos, não estava em casa. Seu pai estava morto, o irmão, perdido, e ela tinha fugido dessa exata casa às pressas de mãos dadas com o provável dono daquela pilha de cobertores e cachecóis e meias ao seu redor.

Peter. Onde estava Peter? Onde estava Nenzi? Ela tinha apagado com a memória deles, todas as vezes. Do grito confuso de Nenzi, das lágrimas silenciosas de Peter. Chorando pela morte... dela. Mas Wendy não estava morta, ou estava? A morte não devia ser menos sensorial que isso? Menos... turbulenta que todo esse peso e esse calor no rosto?

Tudo bem, talvez o sangue dela estivesse meio lento, as batidas de seu coração em um ritmo inchado esquisito e com muita ardência na garganta e no nariz, mas... viva. Não congelada. Aliás, viva o suficiente para sentir formigamento no rosto, na ponta dos dedos e para se estressar um pouco com aquelas camadas pesadas de roupas e cobertores restritivos.

Aquilo era uma tentativa elaborada de mantê-la viva? Três cobertores, mil pares de meias e sol na cama?

A grossa camada de confusão em volta dessas dúvidas só se solidificou mais quando ela ouviu, de repente, a voz animada, transbordada de alívio, de Reis.

"Wendy? Minha nossa, Wendy! Consegue me ouvir? Espere, não se mexa muito. Na verdade, não se mexa nada, fique quieta, vai ficar tudo bem. Você está bem."

Wendy quis fazer perguntas, mas não teve certeza se as cordas vocais obedeceriam. Por um segundo, ela só... o observou; o primeiro ser que via depois de pensar que estava morta. Reis estava sentado antes, mas agora se agitava para a beirada do colchão. A poltrona envelhecida em que ele estivera lendo não era do cômodo original. Quem tinha trazido e há quanto tempo Reis ficava ali? O tecido longo e linha esticada no colo, além da cesta na base das pernas da poltrona indicavam algum tempo. Os cachos de amêndoa dele estavam presos para trás por uma tiara de linho.

Wendy piscou, em silêncio, como uma tonta, olhando para ele. Aquela talvez fosse a primeira vez que via Reis sem Ever ou qualquer uma das crianças. Ele parecia leve. Aliás, ele sempre parecia leve, mais tranquilo do que qualquer outro na casa, mas agora, nesse momento, sob a luz do sol, Reis parecia... terno.

The Peter PanWhere stories live. Discover now