XXXVI - Acordos - Silena

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Os dois estavam parados na frente da floresta encarando as árvores.

O que acha que vai acontecer? Silena virou o rosto para olhar para o dragão ao seu lado.

Não faço a menor ideia.

Só dizer "eu reconheço a sua vida, me dê sua proteção", certo?

Sim... Borotraz andou até ficar na frente da guardiã, entre ela e a mata, e a encarou. Mas antes... Acho que precisamos conversar.

Sobre por que você ainda está bravo comigo? Questionou ela de forma ríspida.

Você sabe porque.

Na verdade não, pode me explicar melhor o motivo?

Que tal o motivo: você arriscou demais a sua vida e agora está determinada a ser a pacificadora de uma guerra que ainda nem vimos?

Que ainda nem vimos? Tem certeza?

Silena, por mais legais que aquelas pessoas tenham sido com você, não precisa se meter no meio de tudo isso!

Os dois haviam passado o último trecho da viagem, desde a vila até ali, em silêncio. Um evitando o julgamento e a visão do outro. Postura que a guardiã resolveu tomar novamente após a repreensão do companheiro.

Olha, Silena... Eu sei que para os seres mágicos que tem domínio da cura, querer ajudar as pessoas se torna ainda mais instintivo. Mas existem limites! E te conhecendo, sei que você não tem.

Será que você me conhece mesmo?

Borotraz a encarou com os olhos tristes antes de responder: Boa pergunta, considerando que você nem deixa eu ver a sua memória de quando nasci.

Silena ficou em silêncio novamente e deixou uma lágrima escorrer por seu rosto antes de finalmente aliviar a concentração que mantivera por meses.

***

Ela tinha acabado de chegar em seu quarto decepcionada com a postura do pai e do tio que insistiam em levá-la para longe. A única coisa que podia fazer diante do destino que haviam escolhido para ela era deitar em sua cama e liberar as lágrimas.

Não havia ficado cinco minutos daquela forma e sentiu um estalo em sua mente. Imediatamente, temeu que seu maior medo se tornasse realidade e olhou para o quadro na parede que escondia o estopim dos seus problemas. Se levantou, secou o rosto e caminhou hesitante para o esconderijo. Quando tocou o quadro, suas mãos tremiam e as lágrimas tinham voltado a escorrer. Sabia que aquilo estava prestes a acontecer, podia sentir, mas não conseguia não torcer para que não fosse verdade.

Colocou o quadro no chão e encarou o ovo bege, quase dourado, que parecia a encarar de volta. Mais uma vez, desejou que ele não se quebrasse, pois sabia o que aquilo significaria e adiaria ao máximo que conseguisse. Havia dedicado muito tempo estudando sobre guardiões e dragões e fazia tudo ao contrário do que os livros recomendavam: nunca falava diretamente com o ovo, pois podia atingir a consciência do dragão; sempre que estava desesperada ou triste, evitava chegar perto do quarto, pois se ele iria nascer quando mais precisasse, então não nasceria se não soubesse que ela precisava...

Essa não...

Percebeu seu erro e correu para consertá-lo. Rapidamente pegou o quadro de volta e pendurou na parede, estava pronta para deixar o cômodo quando ouviu um segundo estalo, acompanhado de mais lágrimas. Não... Sentiu a outra consciência dentro de si e imediatamente fechou sua mente usando as técnicas que lera nos livros. Por favor, ainda não... Seu rosto estava encharcado e ela soluçava, enquanto tirava o quadro novamente da parede, sabendo que seria pela última vez.

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