XXVIII - Retinempur - Anima

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Anima sentia a raiva consumindo seu peito e não se esforçava o mínimo para pará-la. Só tinham se juntado aquilo tudo por causa deles... Na verdade, por terem sido atacados naquela noite na floresta. Uma coincidência, se tivessem saído alguns minutos antes ou depois, nunca teriam encontrado aqueles soldados... Não adianta pensar assim...

Atrás da guardiã, haviam outros dez magos que se seguravam fortemente como podiam ao corpo da dragão de fogo. Na mente da garota, passou a cena da primeira interação entre as duas.

— Por favor. — Dissera aos prantos. — Eu preciso da sua ajuda.

Ignisian a permitira subir em suas costas e juntas rumaram para o norte em busca de Sirius. No caminho a vermelha explicara:

Pelo que vi de suas memórias, você sabe muito sobre algumas coisas e irritantemente pouco sobre outras. Era estranho ter alguém falando em sua cabeça. Só para lhe esclarecer: Dragões de fogo são diferentes dos outros, existem apenas dois de nós e escolhemos nossos companheiros conforme perdemos nossos antigos. Entendeu?

Anima balançara a cabeça de acordo.

Garota?

Sim.

Ótimo.

Anima não sabia como procurar pelo amigo, apenas passaram horas sobrevoando a floresta sem ter nenhuma pista.

Naquele instante, enquanto rumavam para uma batalha em defesa dos egüeses, a recém guardiã tentava entender como os dragões de fogo se comportavam e porque. Aparentemente, pelo que lera na biblioteca da fortaleza tentando pensar em alguma coisa diferente, essa divisão de dragões havia sido criada por um grupo de feiticeiros e, por isso, existiam apenas três: Ignisian, Mellirian e Trandor. A primeira estava sob suas pernas naquele instante; a segunda havia morrido durante a Guerra das Sete Noites; e o último tinha seu paradeiro desconhecido pelo autor.

Dentro disso tudo, a garota de cabelos castanhos só conseguia se perguntar uma coisa: Por que eu?

Tivera vontade de perguntar isso à nova companheira, contudo, devido a carga de julgamento que a dragão colocava em qualquer resposta que lhe dava, Anima não conseguira criar coragem. Pelo menos, ela nunca negara em lhe ajudar na busca por Sirius...

Estamos chegando em Retinempur. Declarou Ignisian em sua cabeça.

Um arrepio passou pelo corpo da garota conforme encarava a paisagem ao seu redor. Por mais parecido que fosse o topo das árvores por toda a floresta que já havia sobrevoado naquele mês, tinha certeza que aquele lugar era extremamente parecido com aquele que olhara meticulosamente nos últimos três dias.

Diminuíram a altura de voo. Pela idade que estimava ter Ignisian, acreditava que ela já estivera no esconderijo egües, sendo assim, apenas confiou quando passaram por uma grande formação rochosa em formato triangular escondido no meio de altas árvores e entre duas colinas, retornando logo em seguida indo em direção ao seu interior.

Apesar de ser consideravelmente grande para uma formação rochosa acima do chão, não era suficiente para que a dragão passasse. Sentiu uma mão em seu ombro e, quando se virou, encarou um mago, cujo nome não se lembrava, desesperado. No entanto, Kalin, que estava atrás deste, o puxou para acalmá-lo. Anima também não sabia no que aquilo iria dar, porém, novamente, não se sentia à vontade de cobrar explicações para a dragão.

Sendo assim, a única coisa que pôde fazer foi fechar os olhos enquanto estavam prestes a colidir com as pedras. No entanto, conforme os segundos passavam e o encontro com as rochas não chegava, abriu vagarosamente as pálpebras para ver um campo de batalha caótico passar por baixo das asas de Ignisian.

Haviam guerreiros como aqueles que encontrara na floresta — com armaduras metálicas — e com o estandarte nakoushinider nos escudos e capas dos cavaleiros. Combatendo estes, seres antropomorfos, carecas e desenhados não pareciam mais conseguir resistir aos invasores.

A dragão pousou no centro do vale onde já quase não havia luta e ordenou:

— Empurrem eles em direção à saída e digam para virem para o fundo do vale. — A maior parte dos recém chegados já haviam escorregado pelas asas da dragão e encontravam os outros que se juntavam para auxiliar os egüeses. — Esse lugar está perdido, precisamos dar um jeito de levar todos para a fortaleza. Vão!

Anima, assim como os outros, partiu de encontro ao combate. O exército nakoushinider havia recuado provavelmente temendo a chegada dos dragões e magos, porém, ainda assim, não demorou para que a guardiã se aproximasse de um soldado e desferisse um golpe cortante de machado em seu pescoço. O invasor caiu sangrando e sem vida para o lado.

Por um instante, passou pela cabeça da garota todo horror que sentiu quando tirara a vida daquela mulher que lhe atacara na floresta. Dessa vez, não tinha a motivação de sobrevivência de antes; não havia sido diretamente ameaçada; era o primeiro segundo que tinha visto aquela pessoa e, no mesmo instante, tirara sua vida.

Mais um arrepio correu novamente pelo seu corpo quando o jovem egües lhe olhou agradecido e voltou a lutar. Tinha um ferimento no braço direito, porém continuava manejando bravamente a espada com o esquerdo. Era seu lar e seus conhecidos que estavam em risco e Anima não faria menos se estivesse no lugar dele... E não fizera...

Mirou a paisagem a sua volta: construções de forma cilíndrica se espalhavam pelo vale, todas eram iguais e brilhavam no sol do meio dia; estava sob um piso de cor clara que se estendia pelo centro do encontro das montanhas como uma passarela prateada. Retinempur não tinha significado na língua egües que Anima conhecesse, entretanto, sabia que retinandem significava lar enquanto gratempur, esconderijo. Não duvidava que era essa a origem do nome da cidade. Se retirasse as tropas em combate e os corpos no chão, seria com certeza um lugar lindo... E não conseguia tirar de sua cabeça que o havia estragado.

Uma nakoushinider, já sem a parte de cima da armadura, veio em sua direção gritando e um golpe em sua barriga, protegida apenas com uma camada de couro, fora suficiente para derrubar a oponente. Ao seu redor, já quase não haviam invasores, o reforço havia sido suficiente para empurrar os inimigos um pouco mais em direção à passagem mágica. Contudo, à sua frente, centenas de nakoushiniders persistiam lutando e destruindo as construções.

Se Groleo não tivesse sumido, nada daquilo estaria acontecendo. Se não tivessem ficado na fortaleza, nada daquilo estaria acontecendo. Se Sirius não tivesse ido naquela missão, nada daquilo estaria acontecendo...

No entanto, procurar por ele com uma dragão vermelha de metros de comprimento havia sido sua decisão. Ficar horas sobrevoando o local tão perto do esconderijo egües havia sido sua decisão. Aquelas pessoas estavam sendo atacadas e morrendo, por sua decisão...

Naquele instante, sentiu algo morrer dentro dela. Talvez um dia voltasse à vida, porém não naquele dia, não durante aquela guerra. Havia cometido vários erros desde que deixara a cabana, mas faria seu máximo para repará-los...

... Custe o que custar...

Anima segurou o machado mais firmemente em suas mãos e partiu para defender as pessoas que deixara vulnerável.

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