I - Um dia como outro qualquer - Anima

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Direita. Esquerda. Defende. Segure firme a espada. Nunca arme o inimigo com sua própria arma. Direita. Ele não vai ganhar dessa vez...

Se abaixou desviando de um golpe e teve a oportunidade de girar em seu centro passando a perna em Sirius que caiu no chão. Anima se levantou e colocou a ponta da espada de madeira no pescoço dele.

— Ganhei. — Disse com um sorriso de lado e as sobrancelhas arqueadas.

— Achei pouco criativo. — O garoto respondeu afastando o projeto de arma e estendendo a mão pedindo auxílio.

No entanto, antes que pudesse ajudá-lo, sentiu suas próprias pernas deixando o chão e o resto de seu corpo o encontrando. Em segundos, Groleo apareceu no seu campo de visão sobre sua cabeça e ouviu pela milionésima vez a voz rouca dizendo:

— Nunca considere uma batalha...

— ... realmente vencida antes de vencê-la. — Completou na frente do homem. — Eu sei. Eu sei. — Disse se levantando já irritada. — Mas eu já tinha vencido antes de você chegar.

Groleo riu baixo e se afastou carregando o balde de água para dentro da cabana que moravam enquanto ordenava:

— Já que terminaram, vão ver se encontram algo na floresta. Faz alguns dias que não caçamos, precisamos de mais carne.

Nenhum dos dois jovens respondeu. Anima ajudou Sirius, que permanecera sentado com os braços sobre os joelhos, a se levantar e ambos foram até a cabana para pegar armas de verdade e uma bolsa de couro. Deixaram a clareira onde se localizava a moradia com alguns alimentos que cultivavam ao lado e adentraram a floresta juntos até se separarem para terem mais chances.

Ela carregava um machado em mãos e uma adaga presa na cintura. Apesar de Groleo ter treinado os dois em todas as formas de luta e armas, Anima ainda preferia aquele que trazia consigo.

Viu um rastro de pegada no chão e se abaixou para tentar identificar a qual animal pertencia. Não demorou muito e a garota de pele bege escura encontrou um cadáver sendo devorado por um javali, um grande mamífero com longas presas frontais.

Seria mais fácil com um arco, mas trabalhando com o que tinha e se esforçando ao máximo para fugir das investidas do animal, Anima pôde abatê-lo. Contudo, para sua infelicidade descobriu uma parte esverdeada na carne do javali e percebeu que era um dos bichos envenenados que Groleo ficaria horas brigando com ela se o levasse para a cabana.

Continuaria caçando, mas o sol já estava quase se pondo, então resolveu voltar pensando em recuperar sua falta de resultados no dia seguinte.

Em seu retorno, pensou ter se enganado, mas viu Sirius sentado encostado em uma árvore.

— Passando o tempo ou esperando que a caça venha se entregar?

— Infelizmente nenhum dos dois. — O garoto sorriu com as sobrancelhas erguidas. — Meu joelho saiu do lugar.

Ela revirou os olhos.

— Não acredito que não colocou sua joelheira de novo.

— Eu só queria saber se conseguiria sem nada. — Ele respondeu rapidamente tentando se explicar.

— E agora o problema é meu.

— Mas veja, quase deu certo, eu consegui pegar um alce e separar a carne e seus chifres... Eu só... Não consegui voltar para casa. — Sirius sorriu novamente tentando aliviar sua culpa.

A memória de quando eles brincavam de fortaleza sobre duas árvores distantes veio rapidamente à mente de Anima. Os dois já haviam feito isso centenas de vezes, porém daquela vez, a garota mirou o galho nos pés do outro que pulou desviando, mas não conseguiu recuperar o equilíbrio. Não estavam tão alto, entretanto, a queda foi suficiente para machucar o joelho de Sirius que nunca mais se recuperou.

Sentindo-se parcialmente culpada, ela perguntou:

— Não vai voltar para o lugar tão cedo, vai?

— Na verdade, eu já o coloquei de volta. Mas está doendo absurdo... Leva para a cabana, por favor, — disse erguendo a bolsa de carne — daqui a pouco eu vou.

Anima suspirou e colocou as duas bolsas penduradas na frente de seu corpo e prendeu o cabelo longo e castanho em um coque.

— Isso vai demorar décadas. Anda, eu te levo.

Ele olhou por cima dos olhos.

— Tem certeza? Posso?

— É claro que sim. Eu acabei de matar um javali enorme. Carregar um garoto de dezenove contagens não vai ser tão desafiador.

Ele deu de ombros concordando e depois que ela conseguiu o ajeitar em suas costas, Sirius disse ao lado de seu ouvido:

— Desculpe por isso.

— É claro que não. — Respondeu alto rindo.

Não era como se estivesse correndo, porém tinha certeza de que estavam indo muito mais rápido do que se tentasse ajudá-lo a andar, já que cada passo teria que ser um minúsculo salto por não conseguir forçar a perna machucada. Além disso, o peso dele não era muito maior do que os que carregavam durante os treinos de Groleo...

Quando chegaram de volta na cabana, Groleo estava sentado na mesa de madeira do lado de fora girando a joelheira em uma das mãos.

Anima sentou Sirius no banco e o homem mais velho de cabelos, olhos e barba cinza jogou o pequeno pedaço de pano para o garoto que o pegou no ar.

— Superar nossos limites não significa eliminá-los, mas sim...

— ... Reconhecê-los e aprender a viver com eles. — Completou o garoto a fala de Groleo. — Eu sei é só que... — Suspirou sem terminar a frase.

— De qualquer forma... Conseguiram alguma coisa?

— Eu peguei um alce. — Respondeu Sirius apontando com a cabeça para a bolsa que Anima havia posto sobre a mesa.

— Eu peguei um javali, mas ele estava doente...

— Com a carne esverdeada? — O semblante do homem rapidamente se fechou.

Concordou com a cabeça ainda de pé, com os braços cruzados na frente do corpo e apoiada na parede de pedra da cabana.

— Eu vou levar essa carne para o nosso reservatório. — Disse por fim se levantando. — Anima, ajuda esse projeto de grognum a colocar a maldita joelheira e podem começar a treinar Abanhen... Quando voltar eu preparo o jantar.

Groleo se retirou rumo às árvores e nenhum dos dois questionou. Enquanto isso, a garota pegou o objeto da mão de Sirius e se abaixou para ajudá-lo.

— Deixa que eu coloco. — Falou em um tom que beirava o rude e a culpa.

— Não precisa, está tudo bem... Só dói muito quando eu forço. Eu consigo...

Ignorando o garoto, ela posicionou com habilidade a joelheira na perna do amigo e se levantou sorrindo.

— De qualquer forma, espero não doer para ler, — falou já se dirigindo para dentro do cômodo, — porque é a sua vez.

Anima passou pela porta sobre a qual havia um estranho símbolo que nunca soube ao certo o que significava. Ao mesmo tempo, Sirius continuou falando alto do lado de fora:

— De verdade, eu odeio completamente Abanhen. Olha a língua dos nimases, é muito mais fácil!

A garota bateu com o livro na mesa fazendo com que ele se virasse mantendo a perna sobre o banco.

— Sim, mas pelo menos não é a dos egüeses. Então fique feliz, kraguendonpe. — Disse ela lentamente a palavra "parceiro" na língua que os dois consideravam a mais complicada.

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