24 - Ligações

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Tal uma escola, não existe outro lugar no mundo que concentre tantos tipos de emoções conflitantes como uma prisão, onde as angustias de seus ocupantes, por serem privados de sua liberdade, são mescladas num grau muito inferior com as pequenas e raras sensações positivas que o local podia gerar.

E na HM Prison Bronzefield isto não era exceção, visto que definitivamente não se tratava de uma prisão qualquer, por ser considerado o maior presídio feminino da Europa, com mais de 500 detentos sob sua responsabilidade, entre mulheres e jovens infratores, todos, mais o efetivo da segurança, respirando o mesmo oxigênio, 24 horas por dia.

Apesar de jovem, tendo sido fundada em 2004, assim como a MES, a PB possuía suas próprias lendas e a mais recente, que a Srta. King conheceu nos primeiros dias de reclusão, era de uma detenta que estaria presa na solitária desde 2008, portanto, há mais de quatro anos.

Algumas detentas diziam ser mesmo uma lenda, outras, porém, com mais anos de casa, contavam já ter ouvido os gritos desta mulher na calada da noite, quando o peso das angustias ficava quase que insuportável...

Nos seus primeiros dias na PB, Agatha rapidamente identificou os grupos de prisioneiras existentes e escolheu o seu, formado por mulheres que juravam de pé junto serem inocentes, portanto, eram detentas cujo sofrimento ali dentro era psicologicamente redobrado, uma vez que insistiam a todo momento que não deveriam estar ali, no meio de outras selvagens.

Sua família, que a visitava quinzenalmente, brigava por uma apelação do seu caso na justiça, mas perdia força contra a burocracia existente, então a Srta. King decidiu agir por conta própria.

Ela preenchia os dias passados na prisão com um trabalho voluntário implantado recentemente pela Women's Institute. Com o tempo começou a ficar cansada daquela rotina e resolveu ingressar em cursos oferecidos pela instituição, escolhendo um relacionado a tecnologia da informação, onde conseguia ter algum acesso a uma restrita quantidade de notícias do mundo exterior.

Numa dessas aulas, conseguiu facilmente burlar a segurança do seu equipamento, através de uma dica de outra detenta, do grupo daquelas que juravam ser inocentes. Com essa manobra fez uma rápida pesquisa na rede e pegou o telefone de um conhecido advogado seu.

Nos dias liberados para contato telefônico monitorado, ligou para esse advogado, mas ele se recusou a atendê-la, onde sua secretária deu uma desculpa qualquer.

A Srta. King não desistiu e em todas as oportunidades ela repetia a ligação, até que ele cedeu.

— Pensei que havia percebido que não quero falar com a senhorita...

— Percebi, mas isso não me interessa...

— Então o que posso fazer para ajudá-la?

— Me tirar daqui! — afirmou ela secamente — Me compensar pela sua incompetência...

— Se manter essa linha de conversa, vou ter que desligar...

— Dr. Griffiths, eu preciso que ajude minha família com a apelação...

— Eles não contrataram uma firma que possui os melhores advogados do Reino Unido?

— Todos incompetentes, conseguem ser piores que o senhor...

O telefone emudeceu por algum tempo e Agatha imaginou que o doutor tivesse desligado, mas não ficou surpresa ao ouvir novamente sua voz.

— Não posso voltar a representá-la agora, estou cuidando de outro caso e o seu, desculpe a franqueza, manchou muito a minha reputação...

— O senhor conseguiu isso sozinho, doutor. Sei que possui excelentes assistentes, coloque-os para cuidar dos meus interesses, preciso de uma nova audiência...

— Eu vou pensar com carinho nisso senhorita...

— Eu não quero que pense com carinho algum, quero que se lembre da raiva que estou sentido por estar presa aqui enquanto o verdadeiro culpado toma chá em Londres, sentado na varanda de sua tia gorda...

— Outra coisa Dr. Griffiths — disse ela retomando o controle de sua voz — preciso de mais uma gentileza, quero falar com os investigadores que cuidaram do meu caso...

— Eles são muito ocupados, a onda de crimes na Inglaterra anda muito elevada — disse o doutor tentando ser sarcástico, mas soando cômico para Agatha, que o interrompeu rindo.

— Pare com isso doutor, eu sei que eles vão abrir uma brecha em suas agendas para me fazer uma visita.

— O seu caso para eles já está encerrado Srta. King, não sei como os convenceria a fazer o que me pede...

— Minta doutor, todo advogado é ótimo em fazer isso...

— Não posso fazer isso!

— Não precisa ficar com receio só porque a nossa ligação está sendo gravada Dr. Griffiths, a prisioneira aqui sou eu...

Como ele se calou, Agatha continuou rapidamente.

— Fale para os investigadores que eu tenho mais informações que podem mudar o rumo do meu caso...

— Então me conte, para que eu possa repassar essas informações...

— Não doutor, não posso fazer isso!

— Por que não?

— Porque o senhor não disse ainda que vai voltar a me representar. Nisso o doutor pode pensar com carinho...

Ela desligou sem se despedir e o Dr. Griffiths ficou olhando para o seu aparelho que emitia um zumbido irritante. Sem colocá-lo no gancho, fez uma nova ligação.

— Falei com a Srta. King e ela pede a visita dos investigadores...

— Eu sabia que ela faria isso — disse a voz do outro lado — Demorou até mais do que pensei.

— E o que devo lhe responder quando ela voltar a me ligar? Porque ela vai ligar! - enfatizou o doutor.

— Continue fazendo jogo duro, doutor. No momento certo deixe se convencer...

— Como saberei quando devo ceder?

— Quando ela contar qualquer coisa que ainda não sabemos, mas que já suspeitamos.

— Ela não vai fazer isso, as ligações são monitoradas...

— Acredite Dr. Griffiths, o senhor não deve subestimá-la. Quando menos esperar vai receber uma ligação no meio da noite e aí teremos algo concreto com que trabalhar.

— Até lá, faça exatamente o que eu digo, é a única forma que temos de poder ajudá-la, mesmo que ela ainda não saiba disso...

Encenação MortalOnde as histórias ganham vida. Descobre agora