Anjo da Guarda

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Anjo da Guarda

Cerca de três horas depois minha mãe chega, exatamente na hora em que o pediatra me dá o possível diagnóstico:

Intoxicação medicamentosa.

— Isso é impossível eu só dei algumas gotas de antitérmico pra ela, como a médica me explicou. Foram só três ou quatro gotas! - Me defendo enquanto sou fulminado pelo olhar da minha mãe e do médico. Que me miram como se eu tivesse colocado arsênico na mamadeira da bebê.

— Talvez tenha se confundido pois o exame indicou valium. Tem esse medicamento em casa?
— ele diz e sinto minha cara cair no chão.

— Eu tenho, eu tomei pra ansiedade quando estava fazendo as provas finais da faculdade.

— Acha que pode ter se confundido? — diz o médico levantando uma sobrancelha.

— Talvez... Eram 3h da manhã, eu estava com sono... Droga... - Digo me sentindo um lixo e me dou um tapa na testa.

— Eu sabia que cedo ou tarde ia dar nisso! Que droga Noah custava ler a embalagem? Valium pra um bebê de colo? Ela podia ter morrido!

— Ela vai ficar bem, não é? — Pergunto ao médico sentindo um nó se formar a minha garganta.

— Os rins foram seriamente intoxicados, estamos tratando, mas a situação é grave, ela pode perder o rim esquerdo. Estamos fazendo todo o possível para que se recupere, vai ficar na uti essa noite e amanhã reavaliamos o quadro. Por sorte a dose foi pequena, do contrário ela não teria acordado com vida, se quiserem entrar para ver a bebê,fiquem à vontade, com licença. — Ele diz se afastando pelo corredor.

Vou até o centro de tratamento intensivo, Emma está num bercinho com uma máscara de oxigênio, um acesso na mãozinha e muitos fios de monitoramento. Acaricio seus cabelos e beijo sua testa, ela abre os olhos por uns instantes e eu peço desculpas entre lágrimas. Talvez minha mãe tivesse razão, foi loucura tentar cuidar dela, eu não era bom o suficiente, responsável o suficiente. Como pude pensar que poderia fazer isso sem a Carolina?

O que era a minha vida antes da Carolina?

Confusão, brigas familiares, bebidas, drogas, notas péssimas e uma ficha criminal que só não me levou para prisão por ser menor e ter pais ricos. Sempre fui um fracassado antes dela e agora eu continuava sendo. Carolina sempre foi uma espécie de anjo da guarda pra mim, eu diria meio mãe, se isso não soasse meio pervertido, mas o fato é que ela sempre me manteve no rumo certo, ela me fazia ter vontade de ser alguém bacana, de ser a melhor versão de mim mesmo. E eu tenho certeza que seria um pai melhor, se ela tivesse aqui para me dizer o que fazer.

Fico com a Emma até a enfermeira pedir para que eu me retire.

Todos os dias passo algumas horas no hospital e o mês mais angustiante da minha vida passa lentamente. Emma se recuperou da intoxicação em cerca de uma semana, mas acabou contraindo uma bactéria hospitalar que baixou suas defesas e agora ela estava com uma pneumonia. Tudo aquilo parecia um ciclo que não teria fim, sempre que ela dava sinais de melhora, outra coisa aparecia. E a essa altura do campeonato, minha mãe já havia me convencido de que eu não era o melhor para Emma. Sob hipótese alguma eu a entregaria a adoção, e minha mãe também já não considerava a ideia, pois havia se apegado muito a bebê nesse meio tempo, a solução para o melhor para Emma que "encontramos", ou devo dizer praticamente imposta devido a minha falta de trato com um bebê, foi que Emma fosse viver com ela e meu pai, assim que deixasse o hospital.

E esse dia chegou e do hospital a levei diretamente para casa de meus pais. Por mais que eu me sentisse um derrotado, de alguma forma estava convencido de que era o melhor para ela, afinal, eu quase a matei. Naquele dia volto para casa, sem ela, e mesmo ela tendo ficado tanto tempo no hospital, agora oficialmente ela não era mais minha e tudo parece ainda mais vazio naquele apartamento.

Minha vida em pequenas Escalas  [COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora