Capítulo 29 - Tenho medo do escuro.

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Depois de ter conhecido meu quarto, nós fomos para cozinha. Eu ficava do seu lado o tempo todo ainda pensando sobre fantasmas e assombrações. Estava sentada em um banco do balcão observando ele remexer uma panela no fogão ainda funcionando. O cheiro estava me deixando com fome e eu tentava não pedi um pratinho com um pouco daquele caldo só pra enganar meu estômago.
-porque está com essa cara? Já vai aprontar
Ele riu olhando pra mim me deixando envergonhada. Então eu abaixei minha cabeça no balcão e fiquei esperando olhando para a entrada da cozinha escura e assustadora. Eu sentia um arrepio toda vez que via alguma parte escura dessa casa. Era tudo tão antigo, isso me deixava inconfortável.
-pronto...
Ele me assustou com o barulho do prato quando o colocou sobre o balcão perto de mim. Eu sorri pra ele ainda envergonhada e olhei para o prato ficando com água na boca, eu não sabia se era uma sopa ou só um monte de coisinhas mergulhadas em um caldo pálido. Tinha uns pedacinhos brancos de alguma coisa e foi a primeira coisa que eu peguei com aquela coisa que se chamava colher perto do prato. Era macio e quando eu mordi, eu pensei que fosse peixe, ou carne de alguma ave.
-você gostou?
Balancei a cabeça colocando mais daquelas coisinhas dentro da minha boca. Eu era acostumada só com carne de animais pequenos, vivia de camundongos e doninhas. Nem sabia que existia comida assim.
-lá em cima tá escuro
Comentei ainda mastigando pensando um pouco. Eu não vi mais nenhuma iluminação nessa casa, só temos as luzes das velas nos suspensórios presos nas paredes ao nosso redor. Mas não é o bastante pra mim.
-tem medo do escuro?
Ele perguntou rindo baixinho enquanto se sentava do meu lado e se apoiava nos cotovelos sobre o balcão. Eu fiquei tensa de novo e mais uma vez ele parecia ser aquele que me beijou noite passada.
-tenho
Confessei colocando mais uma colherada na minha boca. Eu já estava encolhida ali ficando nervosa com ele me olhando.
-não precisa ter medo do escuro, até porque ninguém vai sair dele e vir te machucar... Prometo te proteger
Deixei a colher dentro do prato e coloquei minhas mãos em cima do meu colo quando percebi que elas estavam começando a tremer. Fiquei ali encarando o balcão torcendo para que ele parasse se me olhar dessa forma me deixando ainda mais nervosa.
-bom... Vou te dar uma roupa seca e deixar você no seu quarto
Me levantei rápido quando ele começou a se afastar segurando uma vela indo em direção as escadas. Eu agarrei sua blusa por trás quando vi o enorme espaço vazio e escuro da casa dos meus dois lados. Ele riu e me puxou com um braço me abraçando enquanto subiamos as escadas horrivelmente assustadoras agora. Eu ainda apertava sua blusa e quando chegamos no segundo andar, eu o puxei para o outro lado o levando para seu quarto. Eu não queria ficar sozinha no meu!
-que foi...? Seu quarto é pra lá
Ele apontou com a vela confuso para outro lado mas eu balancei a cabeça e puxei sua blusa ainda mais tentando arrasta-lo para o seu quarto que era muito menor e menos assustador.
-não, você vai dormir no seu quarto e eu no meu
-não vou não, eu quero dormir com você
O puxei de novo e ele me puxou também pelo braço e ficamos por um tempo brincando de cabo de guerra humano.
-ai tá... Vamos pro meu
Sorri me colocando embaixo do seu braço de novo me sentindo segura até o caminho para seu quarto.

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Ele me deixou segurando o pires com a vela enquanto mexia no enorme guarda roupas marrom tirando lençóis e por último um vestido branco curto com alças de renda. Ele me entregou e eu fui para um cantinho me trocar e ele ficou de costas pra mim arrumando a cama.
Eu coloquei o vestido que ele fez pra mim em cima de um gaveteiro e sem querer, derrubei um retrato.
-desculpa...
Pedi quando ele me olhou, tive que ajuntar o retrato com o vidro quebrado e acabei me cortando também deixando-o cair de novo.
-ai...
Reclamei apertando meu dedo indicador deixando o sangue sair. Eu nunca gostei de me machucar, eu sempre achei sangue nojento.
-ei deixa isso, vai se machucar ainda mais
Ele se colocou na minha frente pegando o retrato e colocando em cima do gaveteiro de novo e depois pegando minha mão com cuidado analisando meu corte que não era tão grave assim. Por um segundo eu sentir ele ficar tenso de novo, e sem querer acabei o encarando me prendendo nos seus olhos. Eu sorri tentando mostrar que dessa vez eu não estava assustada, mas também foi uma tentativa de fazer ele voltar ao normal.
-tem certeza que se incomoda tanto em dormir sozinha?
Ele perguntou parecendo um zumbi ficando ainda mais nervoso. Eu tive que sair dali e me sentar no chão perto da sua cama puxando um dos lençóis de lá e arrumando tentando fazer parecer um cama.
-não... Dessa vez pode ficar com a cama...
Ele se apresou em dizer estendendo uma mão pra mim me ajudar a levantar. Eu aceitei desconfiando do seu comportamento mas não liguei e nem fiz questão de discutir sobre isso. Então me sentei na cama e fiquei vendo ele se arrumar ali sentindo aquela curiosidade de novo de fazer aquela pergunta nesse momento.
-então...
Comecei chamando sua atenção fazendo ele parar sentado com as pernas entrelaçadas me olhando. Respirei fundo criando coragem e pegando a mesma irritação de mais cedo na praia.
-não acha que mereço umas explicações?
-acho que não... Porque? Eu não te devo nada... Acho muito melhor você ir dormir no outro quarto se insistir tocar nesse assunto
Eu fiquei confusa mais uma vez tentando entender porque ele estava tão nervoso e porque estava falando isso de forma tão rápida ficando bravo também.
-ei... Sou quem deve ficar irritada no meio disso tudo! Você me beijo e agora eu só quero a resposta pra você ter feito aquilo do nada
Ele abaixou as orelhas de novo e olhou pro lado entortando o canto da boca prendendo algo dentro de si que não queria me contar. Então comecei a brincar com minhas unhas esperando ele resolver dizer alguma coisa.
-eu acho que você não precisa saber...
-oque?
Perguntei achando isso um absurdo. Mas depois vi que ele estava triste agora, e eu não conseguia mais acompanhar o ritmo da conversa. Eu não o conhecia mais, eu não sabia oque ele estava sentindo, não sabia oque se passava na sua cabeça, eu não sabia de nada.
-eu não quero me render a isso, você é uma loba...
Abri minha boca pra rebater pensando que era mais uma coisa absurda mas eu pensei um pouco e conseguir entender só depois de alguns segundos. Isso me fez sentir uma dor pontiaguda no peito me deixando muda pra tentar responder qualquer coisa.
-vem aqui
Chamei ele batendo do meu lado na cama, eu estava triste agora, eu não conseguia me entender também.
-você gosta de mim então?
Usei um tom alegre e sabia que essa pergunta tinha soado meio retórica. Então não achei estranho quando ele ficou sentado em silêncio olhando pro chão com as orelhas abaixadas de novo. Eu não queria que ele ficasse assim. E para fazer ele se sentir melhor eu aproximei minha mão da sua cabeça e toquei meus dedos no seu cabelo. Era uma coisa que eu sempre quis fazer, era tão macio. Mas eu me assustei quando ele me olhou sério daquele jeito de novo fazendo meu coração pular.
-oque foi...?
Perguntei baixo recolhendo minha mão, mas ele a pegou com força que até deu pra sentir os ossinhos dela estalarem e eu gemi baixo com a dor tentando tirar ela do seu aperto.
-gatin?
Chamei ficando desesperada quando ele me puxou pela minha mão já toda roxa e a jogou por cima do seu ombro me obrigando a abraça-lo enquanto ele me segurava pela cintura.
-eu odeio você por não ter me escutado antes
Disse abafando sua voz no meu cabelo e passando sua mão nele ainda me apertando naquele abraço que estava me sufocando. Eu queria sair mais também queria ficar, claro que tentei aproveitar o máximo que conseguia, então o abracei também e sentir um alívio quando ele afrouxou um pouco mais seu aperto.
-eu não ligo se você ainda me odeia
Brinquei afundando meus dedos no seu cabelo de novo fazendo carinho nele. Senti seu nariz roçando meu pescoço e só aí eu percebi oque ele estava fazendo. Seus braços apertaram ainda mais minha cintura e ele me colocou no seu colo me deixando mais alta do que ele. Eu conseguir me afastar do abraço e coloquei minhas duas mãos nos seus ombros tentando fazer ele parar.
-acho que quero ir pro outro quarto agora
Pedi sentindo meu rosto esquentar quando ele sorriu e se deitou na cama me levando junto. Eu já estava desesperada e isso me deixou em pânico, mas aproveitei que suas mãos me soltaram por um segundo e nesse segundo, eu conseguir rolar para o outro lado e me por de pé no outro segundo. Minha cabeça rodou e eu precisei de um tempo pra pensar no que fazer ficando mais desesperada quando percebi que ele estava se aproximando de mim de novo.
-é sério... Eu quero sair daqui
Fiquei em posição pronta pra correr dele se for preciso. Mas ele apenas se sentou ali e me olhou sorrindo me deixando ainda mais confusa.
-tá bom... Pode ir
Não me dei o trabalho de pensar no porquê dele ter me deixado ir. E fui em direção a porta mas entendi quando não conseguir abri-la. Ele é esperto mas isso as vezes me assusta, como agora.

Pequena Loba curiosa.Where stories live. Discover now