1. Meio-dia e dez

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Eu estou sendo perseguida. Bem, na verdade acho que "caçada" seria a palavra mais adequada para o que está acontecendo. Eu estou sendo caçada; sim. Esse homem, esse bruxo, não sei de que maneira, simplesmente descobriu o meu esconderijo, onde eu estava vivendo em paz pelos últimos 500 anos, e está me caçando implacavelmente, embora eu não tenha nunca feito nada errado, e muito menos para ele. Eu juro que jamais fiz nada errado, estava apenas lá, cuidando de minha própria vida, escondida, sem mostrar ao mundo a minha existência. Minha solitária existência. Sim, porque eu sou a última de minha espécie. Porque todos os outros de minha raça foram já mortos, pois éramos temidos como uma raça perigosa, imprevisível, que não era digna de confiança. Restei ao final apenas eu e fugi, recolhendo-me ao meu esconderijo...até que este homem me encontrasse. E, bem, eu não sou humana, como já pode ter ficado óbvio; eu sou um metamorphosusvelticcus, ou seja, pode-se dizer, que um tipo raríssimo de Animal Fantástico. E o bruxo que está me caçando... é um tal de Newt Scamander.

Eu não faço ideia de como ele descobriu onde eu estava nem para que propósitos ele me deseja, mas não posso crer que seja para algo que venha a ser bom para mim, levando em consideração a experiência que tenho com humanos - eles temem e atacam tudo aquilo o que não são capazes de compreender, e digamos que a minha raça é uma das mais incompreendidas, se não a maior delas, dentre todos os Animais Fantásticos que já existiram sobre a face da Terra... Embora eu ache que, se ele quisesse me matar, ele já o teria feito - não; ele me quer viva. Mas para que alguém iria desejar um metamorphosusvelticcus vivo? Um ser inteiramente imprevisível, que muda de forma e temperamento a cada 24 horas, assumindo quaisquer formas, de maneira incontrolável, de outros animais mitológicos e seres vivos de todos os tipos, passando de um manso gato ou unicórnio a um feroz dragão ou hipogrifo sem aviso? Isso sem citar as "mesclagens", quando a metamorfose se dá em direções diferentes a um mesmo tempo e torno-me o último monstro ainda não visto e não catalogado, simplesmente porque não existe, simplesmente porque dalí a 24 horas já serei outra coisa? O mais normal teria sido ele ter-me matado assim que me encontrou e descobriu, como aconteceu com todos os outros. Mas ele me quer viva.

Outra coisa que não faz sentido algum é eu também não tê-lo matado ainda - posto que seria o meu total direito fazê-lo, porque estou sendo "atacada" e é o meu pleno direito defender-me. Mas não. Não o fiz ainda e não quero fazê-lo, na verdade. Só não sei bem porque. Apenas queria que ele me esquecesse, desistisse de mim e voltasse para casa, deixando-me voltar para a minha, mas ele não parece disposto a isso, de jeito nenhum. E parece também não temer a morte, porque, nada que eu faça o assusta, nem o faz desistir. Sem mencionar o fato de que ele é completamente maluco. Porque, alguém para caçar um metamorphosusvelticcus sozinho é assinar um atestado de loucura permanente. Mas ele continua lançando feitiços sobre mim, que os anulo; armando armadilhas para mim, que as desfaço; lançando mão de todo o tipo de artifícios e tocaias há quatro meses. Quatro longos meses e ele simplesmente não desiste de sua caçada diária; eu estou cansada, já, disso tudo, mas ele parece não conhecer o cansaço. Ele continua, e continua, e continua...

Maldito Newt Scamander... Por que simplesmente não pega aquela sua mala velha e ridícula que sempre carrega e simplesmente não volta com ela para de onde veio, me deixando em paz? Eu nunca, em toda a minha existência, fiz nada para merecer isso, então por que ele simplesmente não me deixa em paz?

*

*

Estou agachada escondida atrás de uma larga moita tentando espreitar por entre suas folhas escuras e espinhos para conseguir ver onde ele se meteu depois do último feitiço que lançou-me. Um dom que aqueles de minha raça têm é serem imunes a feitiços. Bem, não verdadeiramente imunes, mas nós conseguimos anulá-los. Claro que isso consome uma grande energia, e esse é apenas mais um agravante do meu cansaço, mas embora ele veja que nada que me lança tem efeito, ele continua tentando, como se fosse justamente pelo cansaço que ele estivesse tentando me vencer. Da última metamorfose, à qual eu havia vivido 24 horas como uma espécie de fada, eu tinha asas, e isso ajudou-me bastante a fugir dele, mas assim que o horário de minha transformação chegou, tornei-me uma mescla de lobo com gato e tigre-de-bengala que não era bonita de se ver, além de ferocíssima. Meu desejo era pular sobre ele e rasgar-lhe a garganta, mas ainda assim sem explicação, eu simplesmente continuava atrás da moita, onde tudo estava silencioso e eu não via sinal dele depois que o fizera rolar uma ribanceira abaixo, pensando que assim me livraria dele, que devia ter morrido ou se ferido na queda. O sol estava quase a pino e isso era um problema, porque o horário de minha metamorfose era exatamente ao meio-dia e dez e, além de o resultado ser imprevisível, eu não queria que ele o descobrisse, porque era-me uma vulnerabilidade.

Presa na Mala de Newt ScamanderOnde as histórias ganham vida. Descobre agora