Capítulo Seis - Parte 2

Começar do início
                                    

Nada de anormal... A não ser o fato de que o casarão estava num lugar que, na época em que foi construído, era literalmente o meio do nada.

Soltei um suspiro resignado enquanto abria a porta do carro e saía, fazendo uma careta quando coloquei minha mochila nas costas. Estava pesada. Rodrigo já estava dando a volta no carro e gesticulou na direção da porta do casarão quando me virei para o porta-malas.

— Vamos levar as malas para o seu quarto, não precisa se preocupar com elas.

Abri a boca para insistir em subir com elas, mas ele levantou uma sobrancelha e indicou a porta do casarão com a cabeça. Suspirando de novo, me virei para lá. A porta estava aberta e outro homem estava parado na porta. Acho que eu estava esperando Alexandre, mas era óbvio que o chefão da coisa toda não ia estar me esperando.

Mesmo que o tal chefão tivesse elogiado minhas ilustrações e me acompanhado até em casa para Rick não fazer nada. Soltei o ar pela boca, de forma audível. Ele provavelmente tinha me acompanhado só para ter certeza de que teria sua refém. Eu não podia confiar em nada nem ninguém ali. Não fazia ideia do que estavam fazendo, do que meu pai tinha visto, do que poderia piorar minha situação...

E Rick. Eu não tinha nem lembrado dele. Não que precisasse, mas... Também não tinha lembrado das meninas. Bruna, Gisele, Samara, Cris... Não tinha nem pensado em falar alguma coisa com elas. Pelo menos tinham me deixado ficar com meu celular, ia poder dar sinal de vida.

— Laura?

Balancei a cabeça, só para Rodrigo saber que eu tinha ouvido, e apertei as alças da minha mochila. Não queria dar nem um passo na direção da porta. Depois que eu entrasse ali, ia ter acabado. Não ia ter mais volta. Eu ia ser uma prisioneira de um bando de traficantes.

Com o canto dos olhos, vi quando Rodrigo cruzou os braços e se apoiou no carro. Eu quase queria agradecer por ele não estar falando nada, nem me mandando entrar logo. Não que aquilo merecesse um agradecimento.

A tal cerca estilo Parque dos Dinossauros com certeza não manteve os monstros aqui dentro, mas eu sabia que ia me manter aqui. Não adiantava me iludir achando que fazia alguma diferença estar dentro do casarão ou não. Não tinha mais volta, desde que entramos na propriedade de Alexandre.

Eu tinha aceitado isso. Tinha concordado em ser uma refém aqui para que não matassem toda a família. Não adiantava mais tentar fugir. Pelo menos, não agora, sem saber exatamente com o que eu estava mexendo. Ia sair dali. Mas primeiro precisava ter certeza de que ninguém ia ser morto por causa do que meu pai viu.

Respirei fundo e subi os cinco degraus, ainda apertando as alças da minha mochila. O homem que estava na porta se afastou para me deixar passar, antes de gesticular para Rodrigo. Dei mais alguns passos para dentro do casarão, sentindo como se algo estivesse me sufocando lentamente. Precisei parar e fechar os olhos para a sensação desaparecer, e só então consegui olhar ao redor.

Estava em um saguão comprido e iluminado. Era estranho que não tivesse conseguido ver nada quando estava do lado de fora, porque as janelas estavam abertas e a luz do sol batia no chão claro e polido. O saguão estava vazio, sem nenhuma mobília, e bem na minha frente estava uma escadaria de madeira, alguns tons mais escura que tabaco. Ela se abria para os dois lados, subindo para o andar de cima. De cada lado da escadaria saía um corredor, e eu podia ver várias portas, a maioria fechadas.

— Alexandre está esperando por você.

Dei um pulo quando ouvi a voz do homem. Tinha me esquecido completamente que ele estava ali. Foco, Laura. Eu não podia ficar distraída assim se quisesse achar um jeito de resolver isso. Assenti, me virando para ele e apertando as alças da mochila com mais força ainda.

O homem me levou pelo corredor à nossa direita, passando por três portas fechadas e uma aberta, mas andando tão depressa que não consegui ver o que estava ali. Encarei suas costas, tentando não pensar no que ia acontecer comigo. Ele era muito alto e largo, mas eu não conseguia dizer se era gordo, musculoso, ou uma combinação dos dois. Ele estava usando calça jeans e uma blusa marrom-claro com linhas horizontais finas verde escuro. De relance, ele tinha parecido ser pouco mais velho que eu, mas pela blusa eu jogaria sua idade um tanto para cima – era o tipo de blusa que meu pai costumava comprar, apesar de eu nunca ter visto uma daquelas cores antes.

Ele parou na frente da porta seguinte, também fechada, e bateu. Esperei algum tipo de resposta, enquanto mexia em um buraquinho no tecido da alça da minha mochila, mas não ouvi nada antes do homem abrir a porta e gesticular para que eu entrasse.

A sala era um escritório, obviamente, mas mal consegui olhar ao redor. Alexandre estava sentado atrás de uma mesa antiga, feita da mesma madeira escura das portas. Dei dois passos para dentro e parei, olhando para a parede atrás dele, sem conseguir sustentar o seu olhar. Era o mesmo olhar da noite passada, de quando ele me deixou em casa. Eu podia ter pensado que tinha começado a relaxar na sua presença, mas aquela expressão e a forma como eu não queria dar nem mais um passo deixavam claro que não tinha. Ou, se tivesse, tinha aprendido que aquilo era uma má ideia.

Dei um pulo quando a porta se fechou com um ruído seco. Estava trancada ali com Alexandre, o chefão dos traficantes – ou fosse lá o que fossem. Ele podia fazer literalmente qualquer coisa comigo e ninguém ia me ajudar, não ali. Engoli em seco, querendo olhar ao redor mas sem conseguir desviar minha atenção. Alexandre podia me matar ali – eu tinha me colocado nas mãos dele por vontade própria – e ninguém ia fazer nada. Eu não ia conseguir fazer nada. E eu preferia ver a morte vindo, se era isso que ia acontecer.

— Se eu quisesse alguém para torturar, matar, ou qualquer outra coisa que você esteja pensando, teria usado seu pai mesmo — Alexandre falou e precisei fazer um esforço para não dar um passo atrás. Nunca sua voz tinha parecido tanto uma ameaça.

Engoli em seco de novo quando senti o seu olhar em mim. E o estranho era que eu realmente podia sentir aquilo. Uma parte de mim, algum instinto, entendia que um predador estava me encarando, eu era a presa, e não tinha boas opções. Se fugisse, ele me caçaria. Se ficasse...

Soltei uma respiração trêmula, tentando me acalmar. A música do Ney Matogrosso que tinha grudado na minha cabeça também não ajudava, especialmente porque só ficava repetindo aqueles dois versos. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Respirei fundo mais uma vez, ainda olhando para algum lugar atrás de Alexandre para não precisar sustentar seu olhar.

— Então o que quer comigo? — Minha voz saiu fraca.

Alexandre se inclinou para trás na cadeira, fazendo meu olhar parar no seu rosto. Desviei os olhos depressa, encarando um ponto um pouco para o lado na parede.

— Você vai ser a primeira a morrer se seu pai contar sobre o que viu de alguma forma. E se você revelar qualquer coisa sobre onde está e por quê, você e toda a sua família vão morrer, também. Fora isso... — Ele deu de ombros, e o movimento casual me fez lembrar do dia que ele viu minhas ilustrações. Ele tinha parecido casual... Ou pelo menos uma pessoa normal. — Você está livre aqui dentro. Não vamos fiscalizar seu celular ou seu notebook, só se lembre do que vai acontecer se nos entregar. E, quando tivermos algum assunto a tratar que você não possa saber, alguém vai avisar para que fique no seu quarto.

Eu balancei a cabeça, sem ter certeza de que estava entendendo o que estava ouvindo. Ele não ia fazer nada comigo? Eu só precisava ficar ali? Soltei um suspiro aliviado ao mesmo tempo em que sentia minhas pernas bambearem. Alexandre estreitou os olhos e de alguma forma eu consegui continuar de pé. Ele começou a se levantar, mas me virei para sair, com a visão embaçada, tateando a porta até conseguir achar a maçaneta.

Refém da Noite - DegustaçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora