XXV - Uma partida - Silena

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Silena se levantou para poder abraçá-lo. O mais velho retribuiu o gesto e ficaram sem falar nada até os soluços passarem.

— Eles vão vir... — Tenebrisen separou os dois para mirar a menina nos olhos. — Eu sei que vão, eles sempre me encontram... Há muito tempo eles colocaram uma coisa em mim que permite que me achem, não importa aonde eu vou... E quando isso acontecer... Eu preciso que vá embora, entendeu? Não hesite.

— Eu não estou entendendo... — O das sombras estava claramente tentando lhe dizer algo importante em meio de uma confusão de sentimentos.

— Os nakoushiniders... Em algum momento eles vão aparecer aqui, vão me achar. É por isso que não fomos para o Continente... E quando isso acontecer, preciso que vocês voem para o sudeste, até a floresta, entendeu?

— Mas...

— Chegando lá, você precisa dizer: "Eu reconheço a sua vida, me dê sua proteção". Está bem?

Não estava. O que tudo aquilo significava? Do que ele estava falando? Falar o que para quem?

Tinha muitas dúvidas e passou dias sem falar sobre isso com o tio para que ele não tivesse que remoer tudo e ficar tão triste de novo. O máximo que pôde fazer fora repetir mentalmente a frase esperando que aquilo nunca acontecesse, mas depois que se separou de seu pai, nenhuma partida lhe abalaria mais.

Era final de tarde e os dois preparavam a janta enquanto Borotraz esperava com a cabeça para dentro da porta dos fundos. Poderia ter sido só mais uma noite, mas um barulho no lado de fora chamou a atenção deles.

O homem mais velho colocou o indicador sobre a boca pedindo silêncio e caminhou alguns passos para olhar pela janela ao lado da porta da frente. Imediatamente seu semblante mudou tomando uma expressão de horror.

— Eles estão aqui. — Anunciou em tom baixo. — Não esqueça a frase. — Disse para a garota. — Ele vai te explicar o resto. Se eu te mandar fugir, não hesite, entendeu?

Silena fez que sim com a cabeça e os dois começaram a caminhar para a porta de trás.

— Não adianta fugir! — Disse uma voz vinda de fora. — Sabemos que está aí!

Tenebrisen fez um sinal com a cabeça indicando que continuasse seu percurso de fuga e a guardiã estava prestes a voltar a andar quando o vidro da janela se estilhaçou e um dardo bateu na parede de pedra e caiu aos pés deles, os errando por pouco.

Os olhos do tio se arregalaram e Silena soube o quanto aquilo não estava nos planos dele. Ela havia precisado de uma permissão mágica para poder entrar naquela casa e aqueles atacantes tinham acabado de facilmente penetrar a proteção.

Tenebrisen respirou fundo, se virou para a porta da frente e fez um sinal com a mão para que Silena e Borotraz fossem no caminho contrário falando silenciosamente "vão". Então ele caminhou e abriu a porta. Do lado de dentro, pôde ouvir a mesma voz de antes dizer:

— Olha só o que temos aqui.

— Olha só quem não morreu. — O tio havia recuperado sua voz imponente. — Não querem entrar para tomar alguma coisa? — Nunca tinha visto o homem tão debochado.

— Você tem o direito de ser preso sem violência. — A voz falou. — Se demonstrar resistência, temos ordem para o levar vivo, apenas.

— É mesmo? Então por que não vem me pegar?

Outro vidro estilhaçado e mais um dardo quase atingindo Silena.

— Você pode ter seus truques, mas nós temos os nossos.

Vamos. Disse Borotraz em sua mente, enquanto o tio saía da casa, provavelmente tentando chamar a atenção para si enquanto eles fugiam. Mas ela não ia só sair correndo, não daquela vez.

Silena se abaixou e, conforme o das sombras andava em passos lentos para fora, ela ia em direção de uma das janelas quebradas com cuidado para não ser vista ou se cortar com o vidro. Olhando pelo canto da janela, viu cerca de trinta soldados armados com bestas e duas hastes levantadas com o mesmo estandarte: uma estrela de seis pontas arredondadas.

— Estou lhe dizendo, não humano, — falou o homem à frente do grupo, — o melhor que pode fazer é se entregar.

O seu tio começou a se abaixar para deixar a adaga que trazia consigo no chão quando, repentinamente, uma das bestas disparou e Silena, mais rápido do que havia processado a situação ou pudesse se controlar, bateu com o dedo indicador e do meio direitos no peito enquanto passava a mão esquerda pelo rosto. Quando o dardo atingiu o guardião, ele apenas caiu para o lado, sem causar nenhum ferimento.

Os soldados nakoushiniders se entreolharam confusos, enquanto ela se levantava para lançar, através da janela quebrada, uma magia que não sabia o motivo de ser usada pelos guardiões da cura. Bateu nos próprios olhos e estendeu os braços para frente. Sua visão rapidamente escureceu enquanto ouvia os invasores gritando em agonia procurando a razão de não estarem enxergando.

Sentiu seu braço ser pego, provavelmente por Tenebrisen, para que fosse conduzida para fora da casa. Chamou por Borotraz pedindo que a acompanhasse enquanto ele lhe dava uma bronca mental e a guardiã ouvia o barulho de folhas e galhos se partindo, o que a fez concluir que estavam entrando no meio da mata da parte de trás. Torcia para que estivesse certa.

— Não vai durar muito! — Ela declarou. — Temos que fugir rápido!

— Não foi isso que eu lhe mandei fazer! Eu já me livrei deles dezenas de vezes, tinha um plano, qual é o seu?

— Tanto faz! Vamos logo!

Sem enxergar, não conseguiam ir tão rápido, sendo assim, quando sua visão voltou sabendo que a deles também tinha, não estavam tão longe quanto gostariam. Continuaram correndo até chegar na clareira em que ficaria mais fácil para Borotraz sair voando carregando os dois. Porém, o dragão não era tão grande e, quando Silena conseguiu se ajeitar para que o tio pudesse subir também, os soldados entraram em seu campo de visão.

— Vão. — Disse Tenebrisen. — Eles não podem acertar vocês. — Seus olhos estavam marejados. — Por favor, apenas vão.

A guardiã queria discutir, mas o homem saiu correndo dizendo que se entregaria se não atirassem nos outros. A garota ouviu eles dizerem algo sobre eles não serem o alvo da missão e então partiu para os céus.

Havia perdido seus pais, sua casa e seu tio. Tinham um objetivo de rota, mas não sabia o motivo. Era finalmente o que sabia que seria a vida toda, mas não do jeito que imaginava.

Eu podia te dizer que vai ficar tudo bem... Disse Borotraz enquanto ela se agarrava ao seu pescoço. Mas não quero lhe dar falsas esperanças.

A companheira riu com um suspiro fraco e não respondeu enquanto pensava que iam precisar arrumar comida, água, roupas mais quentes e pontos seguros para descansarem até chegarem na floresta e encontrar "ele".

O vento soprou mais forte quando entraram na camada de nuvens e Silena protegeu o rosto para não piorar a situação do frio, que congelava as lágrimas na sua face.

Os GuardiõesWhere stories live. Discover now