IV

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— Josh, tudo o que eu estou querendo dizer é que talvez exista alguma outra maneira...

Haviam dois homens numa sala abarrotada de papeis e com pouca circulação de ar. Um deles estava sentado de frente para um computador, suas mãos estavam sobre seu rosto em aparente desespero; o outro andava de um lado para o outro no pouco espaço que encontrava no local.

— Não há, Rick... — respondeu o homem sentado, sem retirar as mãos do rosto. Seus cabelos cor de rato começavam a ralear no topo de sua cabeça, fazendo com que fosse possível enxergar seu couro cabeludo em alguns pontos. — Não se eu quiser fazer o que é certo. — Concluiu ele, decidido.

O homem de pé parou de caminhar e se recostou junto ao vidro que separava a pequena sala do corredor externo.

— Nesse caso, você sabe que não há muito o que eu possa fazer por você, não é? — Disse ele, encarando os próprios pés calçados em couro italiano. O homem sentado se levantou bruscamente, com lágrimas nos olhos, fitando o outro com raiva.

— Se veio aqui para me ameaçar, não precisava ter perdido o seu tempo. — Começou ele. — Sei muito bem no que estou me metendo, Rick. E como você bem deve saber, não tenho medo de morrer a essa altura. — O homem encostado levantou os olhos e encarou o outro de maneira incrédula.

— Como você pode ser tão estúpido? — Perguntou ele. — Como pode ser tão egoísta e não pensar, nem por um segundo, em Melissa? — Ele se aproximou do outro, apontando um dedo para seu peito e gradualmente empurrando-o de volta à sua cadeira enquanto falava. — Como se atreve a não levar, nem por um mísero instante sequer, Lizzie em consideração? — Não sendo mais capaz de conter sua raiva, o homem chamado Josh empurrou Rick com força, derrubando-o sobre uma pilha de papeis desarrumada sobre uma escrivaninha.

— Eu as levei em consideração, sim, Richard... — Falou ele aumentando gradualmente o tom de voz. — É justamente por elas que estou fazendo isso — ele parou por alguns instantes, ofegante. — Eu não viverei muito nesse inferno de mundo, mas Lizzie irá. Farei tudo o que puder para deixar esse mundo um pouco melhor para ela. — Richard se levantou com certa dificuldade, enquanto o outro continuava. — Isso é algo que você jamais será capaz de entender, Rick. Não você, o homem que abandonou a familia à própria sorte. Como se atreve a sugerir que eu seria capaz de algo assim? — Josh se aproximou de seu antigo amigo, a fim de se fazer escutar o mais claramente possível.
— Não permitirei que alguém tão baixo e covarde como você me chame de egoísta. — Concluiu Josh, que nunca viu de onde o punho de Richard veio antes de acerta-lo, o impacto o lançando-o ao chão no outro lado da pequena sala.

Richard o encarava de onde estava, com lágrimas nos olhos.

Sua mão doía e seu corpo tremia descontroladamente.

— Isso tudo é culpa sua, seu filho de uma puta... — falou ele, pausadamente, com certa dificuldade. — TUDO ISSO! — Gritou ele, pegando pilhas de papel e jogando em cima do homem ao chão. — TODA ESSA MERDA QUE A MINHA VIDA SE TORNOU... — continuou, virando uma estande de livros no chão. — TUDO CULPA SUA, SEU DESGRAÇADO! — Outros homens chegaram à sala ao ouvir os gritos e barulhos de coisas sendo derrubadas e contiveram o homem descontrolado, levando-o para fora da sala.

— Eu espero que você morra, Josh... — falou ele enquanto era arrastado para fora do local.

— Eu espero que você morra, seu desgraçado...

              ***

Às vezes acontecem certas coisas na vida que te pegam completamente de surpresa; coisas que te deixam completamente sem reação, sem saber o que fazer ou pensar.

Obviamente, encontrar Melissa e meu pai em minha casa naquele dia foi uma dessas coisas.

Um dia de muitos arrependimentos, aquele...

         ***

— Sente-se, Mark. — Ordenou Melissa. — Não pense em fazer nada estúpido. — Acrescentou ela, colocando a mão em meu ombro e forçando-o levemente para baixo em direção ao sofá.

— Não estamos aqui para te machucar, garoto. —Falou meu pai, de pé do outro lado da sala, olhando para mim. Eu me mantive em silêncio, sem conseguir pensar em nada que fizesse muito sentido naquele momento.

— Sabemos que você foi ver seu avô... — continuou ele, enquanto Melissa se sentava próxima à mim no sofá, atenta a qualquer movimento de minha parte.
— E percebemos que era hora de te dar algumas respostas, desculpe pela forma brusca como decidimos fazer isso. — Ele suspirou e passou a mão pelos cabelos desarrumados, seu olho inchado mal conseguindo olhar em minha direção.

— Então é isso? — Perguntei. — Você some durante todos esses anos e invade minha casa com uma mulher estranha querendo me dar respostas? — Eu não sabia o que sentir nos primeiros instantes de choque com a surpresa, mas aos pouco a raiva começava a tomar conta de mim, tomando o lugar do medo. — Eu realmente não entendo o que te faz pensar que tem esse direito. — Senti o corpo de Melissa se enrijecer ao meu lado ao me ouvir.

Ninguém disse nada nos segundos que se seguiram, meu pai balançou a cabeça lentamente como se estivesse atordoado. O cheiro de cigarros que se desprendia de seu corpo havia se impregnado no ambiente, tornando toda aquele cenário ainda mais decadente.

— Seu avô não é confiável, Mark... — Falou ele em voz baixa. — Não vim aqui te pedir para esquecer tudo o que eu fiz você e sua mãe passarem, só vim lhe pedir que se afaste daquele homem.

Eu abaixei a cabeça, apoiando-a em minhas mãos, meu corpo curvado encarando o carpete velho da sala de estar começou a balançar ligeiramente quando comecei a rir. Ao levantar a cabeça, percebi a surpresa no modo como me olhavam. Me virei para Melissa, tirando o pedaço de papel que eu havia cuidadosamente guardado em meu bolso.

— Você sabe qual o motivo de eu ter ido até lá? — Eu perguntei à mulher ruiva que sustentava meu olhar. — Foi por isso... — eu disse enquanto amassava o papel com uma das mãos e o atirava nela.

Melissa pegou o papel que havia rolado até o chão e o desamassou, engolindo em seco ao ver do que se tratava.

— Foi por Lizzie, eu me vendi àquele homem nojento por causa de sua filha. — Eu falei. Ela levantou os olhos cheios de lágrimas em minha direção, enquanto meu pai dava a volta na sala e se posicionava atrás dela, olhando para o pedaço de papel que valia cem mil dólares. Eu não compreendi o sentimento que tomou conta de seu rosto imediatamente, mas pude ver que se tratava de medo pela forma como ele me olhou em seguida.

— O que você quer dizer com ter se vendido à seu avô, Mark? — Perguntou ele, se aproximando de mim e segurando meu braços com força. — O que ele lhe pediu em troca? — Eu baixei os olhos, fitando meus pés sobre o carpete da sala. Lágrimas começaram a rolar sem controle por meu rosto, quando percebi já estava chorando e soluçando como uma criança indefesa. Eu não tinha coragem de dizer o que aquilo havia me custado, era algo no qual eu havia evitado pensar desde que tinha saído do escritório daquele homem. Tinha a impressão de que aquilo se tornaria real se fosse dito em voz alta.

Meu pai ainda segurava meu braço com força e subitamente me puxou para si em um abraço.
Pela forma como seu corpo tremia contra o meu, pude dizer que ele também chorava desesperadamente.

— Meu Deus, Mark... — a voz de Melissa me alcançou vinda de algum ponto da sala.

"O que foi que você fez...?"

Com amor, Lizzie [Pausado]Where stories live. Discover now