IX

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— Bom, o jeito vai ser entrar sem nos anunciarmos — disse Elisa, após ficarmos dez minutos tocando a campainha e batendo na porta. Por alguma razão, aquilo não me parecia uma boa ideia.

— Elisa, alguém pode pensar que estamos mal intencionados e chamar a polícia... — comentei, sabendo que não seria levado em consideração. A garota riu enquanto levantava uma das  pedras de tamanho considerável, utilizadas para cercar o pequeno jardim que percorria a entrada da casa, e pegava uma chave escondida sob ela.

— Não seja idiota, Mark — disse enquanto abria a porta. — Eu sou da família, esqueceu? — Ela entrou à minha frente e me esperou passar para fechar a porta às minhas costas. O local estava escuro e abafado, raios dispersos de sol entravam pelas pequenas brechas deixadas pelas pesadas cortinas que tapavam as janelas da sala. O silêncio era total, como se não houvesse ninguém no local.
— Lizzie! — chamou Elisa enquanto subia os primeiros degraus da escada para o segundo piso.

— Lizzie! Sou eu, Elisa. — Eu comecei a subir atrás da garota e pude notar que seu jeans possuía um rasgo em um local um tanto interessante do ponto de vista em que eu me localizava...

— Talvez seja hora de comprar jeans novos — eu comentei. Elisa se virou abruptamente, seu rosto vermelho me encarando dois degraus acima na escura escadaria.

— Cala a boca, Mark! — Me deu um soco no braço e começou a subir novamente, tapando o rasgo com uma das mãos. — Lizzie, você está aí? — Chamou novamente ela quando alcançou o corredor no segundo andar. Terminei de subir e a encontrei de frente á segunda porta à direita, me olhou receosa por um momento antes de se voltar para a porta e bater levemente com os nós dos dedos. — Lizzie, só queremos conversar com você. — Me aproximei dela e pude ouvir movimentos vindos do cômodo atrás da porta, que se abriu, revelando um leão com uma espessa juba avermelhada e cara de poucos amigos.

— Queremos...? — Murmurou o leão com a voz fraca. Elisa deu um passou para o lado, deixando espaço para que Lizzie pudesse me ver.

— Sim, viemos ver como você está. — Disse ela fazendo um movimento com a cabeça em minha direção. A garota ruiva abriu a boca em um gesto de completa incredulidade, e a manteve assim, parecendo incapaz de fecha-la enquanto me encarava com olhos arregalados.

— Oi — eu disse, mostrando meu trunfo com a mão direita: — Trouxe cheeseburguer.

A garota gritou.

                                          ***

— Precisava ter gritado daquele jeito ao ver o garoto? — Perguntou Elisa à sua prima, que estava deitada no sofá acima de nós, que ficamos esparramados no carpete de frente à ela. A menina havia devorado o cheeseburguer com uma rapidez assustadora, fazendo jus à sua aparência de alguns minutos atrás, e agora limpava o ketchup remanescente em suas bochechas e nos dedos.

— Você viram o estado do meu cabelo. — Começou ela, enquanto limpava suas mãos sujas de gordura na blusa de seu pijama azul. — Era de se esperar que reagisse daquela forma, não é? — Elisa riu.

— Não, seria de se esperar que algum de nós reagisse daquela forma. —Disse a garota loira. Meu olhos se encontravam com os de Lizzie com frequência, sempre causando certo desconforto em ambos quando isso acontecia. Elisa pareceu notar também. — Bom, vocês têm muito o que conversar — começou ela enquanto se levantava, deixando o desconcertante rasgo em seu jeans novamente à vista. — E eu preciso ir, tenho mais o que fazer da vida... — disse enquanto olhava as horas em seu celular, antes de se virar em nossa direção com um olhar malicioso. — Comportem-se crianças, não façam nada que eu não faria. — Lizzie sorriu, lançando um olhar desafiador à sua prima.

— Claro, desde que você prometa comprar calças novas. — Elisa revirou os olhos por um instante antes de seguir para a porta, pegando suas chaves na mesinha ao lado do sofá. O silêncio predominou novamente no ambiente após o baque da porta se fechando. Talvez eu devesse ir também, eu pensei. Lizzie se levantou de seu lugar no sofá e se sentou bem à minha frente, com suas pernas cruzadas, me encarando com aqueles malditos e desconfortáveis olhos que podiam enxergar além do que eu queria mostrar. Pegou uma de minhas mãos e começou a esfrega-la com ambas as suas.

— Minha mãe te mandou aqui? — Perguntou ela, não parecendo irritada com o fato de eu ter conversado com sua mãe. Ainda assim pensei com cuidado antes de responder, finalmente me decidindo pela verdade.

— Mais ou menos. Ela passou no Carl's hoje, mas foi Elisa quem me disse que você não estava se sentindo bem. — "E que me fez vir aqui também" acrescentei em pensamento. A menina balançou a cabeça algumas vezes em sinal de entendimento, enquanto mantinha minhas mãos entre as suas. Eu não podia esperar mais, precisa falar sobre o homem da noite do último sábado. Precisava entender mais sobre o papel de Lizzie naquilo. Precisava saber o que ele estava fazendo aqui. — Lizzie... — Eu comecei, enquanto ela olhava para minha mão, presa entre as suas. — Sobre aquele homem, de sábado... — Ela balançou a cabeça súbita e freneticamente de um lado para o outro.

— Não, Mark. — Começou ela, me encarando com olhos sérios. — Não vou falar sobre ele, isso é assunto de vocês. — Ela continuou me encarando, talvez buscando algum sinal de compreensão. — Eu... — Começou ela novamente, quando eu não disse nada. — Eu gosto de você — disse ela, antes de parar de falar por alguns segundos, deixando suas últimas palavras vagarem livres e desconfortáveis pelo ambiente. — Assim como os meus assuntos com ele nao te dizem respeito, os seus com ele também não são da minha conta. Acho que seria legal não misturarmos certas coisas... — Infelizmente eu nao consegui prestar atenção em nada do ela dissera depois "eu gosto de você". Aquilo ficou em minha cabeça de tal maneira que eu nem soube definir o que significava pra mim. Muito por culpa do homem de sábado, que insistia em voltar à minha mente sempre que eu olhava para Lizzie. Ela pareceu notar isso. — Você não o verá mais aqui, Mark — disse ela. Era oito da noite e o dia ainda estava claro lá fora, feixes de luz perpassavam espaços da janela não cobertos pela pesada cortina na sala das Murray. — Aquilo foi um acidente, e eu acho que enquanto vocês não se resolverem, eu e minha mãe não devemos nos meter — Eu respirei fundo, apesar de mal ter conseguido entender tudo o que ela havia dito, eu ainda queria fazer algumas perguntas. Fixei meu olhos nas mãos que envolviam as minhas.

— Ele e sua mãe... Eles... — Eu comecei, sem ter necessidade de terminar. Ela balançou a cabeça em um sinal negativo, e acredito que notou a confusão que se formou em minha cabeça também.

— Se quiser detalhes terá que falar com ele. — Respondeu ela de maneira firme, em resposta aos meus pensamentos. — Prometemos que ninguém falaria de assuntos dos outros naquela mesma noite, depois que você saiu. — Lizzie ficou encarando nossas mãos unidas em seu colo, parecendo pensativa, enquanto eu desejava poder ler sua mente naquele momento. — Eu, mais do que qualquer um, não posso ser a primeira a quebrar o pacto — concluiu ela, ainda olhando nossas mãos. O barulho repentino da tranca da porta atraiu minha atenção, seguido pelo som de passos e sacolas.

— Ah, oi Mark! — A linda ruiva mais velha me olhava da entrada da sala, carregando sacolas nas duas mãos. — Elisa me disse que o encontraria aqui! — Foi até a cozinha e voltou com apenas algumas sacolas do que parecia ser comida chinesa.

— Trouxe o jantar — disse a mulher sorridente, o alívio em me ver com Lizzie explícito em seus intensos olhos azuis.

Com amor, Lizzie [Pausado]Where stories live. Discover now