VII

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— Então você sabia? — Eu perguntei, olhando a rua vazia pela janela. Estava anoitecendo quando minha mãe finalmente chegara em casa. Ela me lançou um olhar preocupado que durou alguns instantes antes de responder.

— Sim... Bom, mais ou menos... — Começou ela. — Ele me ligou pouco antes do início do verão, dizendo que voltaria para a cidade. — Ela não me olhou enquanto falava, passando uma mão pelos cabelos castanhos espessos antes de retomar: — Parece que conseguiu um emprego no hospital da universidade, como chefe de algum departamento. — Concluiu ela. Então ela também sabia, eu pensei. Tive a sensação de que havia sido completamente manipulado, como uma criança.

— E nunca passou pela sua cabeça conversar com seu filho sobre isso? — Eu perguntei, aumentando o tom de voz gradativamente enquanto falava, sem me dar conta. — Como você pôde perdoa-lo tão facilmente? — Eu provavelmente estava gritando nessa hora. Me lembro bem da expressão triste no rosto de minha mãe enquanto me ouvia; isso provavelmente não era algo fácil para ela também, ainda assim, ela lidava com isso de uma maneira muito melhor do que a minha. Algo que eu não pude entender na época, eu só conseguia enxergar uma mulher passiva, derrotada, que em nada lembrava a professora que teve de lutar e derramar sangue para nos sustentar, há um tempo atrás. — Você já esqueceu tudo o que ele fez? — Eu a olhava sem entender. — Tudo o que passamos por culpa daquele merda? — Aparentemente ela tivera um dia longo cuidando de minha tia. Mesmo isso não foi motivo para que eu sentisse pena, ao contrário, seu cansaço a fazia parecer indiferente à esse assunto; algo que era de extrema importância pra mim.

— Calma, Mark. — Pediu ela, soltando o ar que pareceu prender enquanto eu gritava pela sala. — Eu não sabia que ele estava na casa com as Murray. —  Disse, se referindo à Lizzie e Melissa. — Senão eu provavelmente não teria ido àquele almoço. — Seus olhos encontraram os meus, buscando compreensão, sem jamais encontrar.

— Ele chegou ao anoitecer — eu disse. Repentinamente uma questão passou por minha cabeça: — Quem te contou que ele estava lá? — Perguntei, já com uma suspeita em mente.

— Richard me ligou hoje pela manhã. — Ela disse, sem dar mais explicações. Apenas a menção daquele nome fazia meu sangue ferver. Saí de perto da janela e comecei a circular pela sala, sem saber para onde ir.

— Preciso sair um pouco — eu disse. Eu não queria mais pensar sobre esse assunto, eu não queria mais estar ali olhando para minha mãe, eu precisava ficar sozinho. De preferência ao ar livre. — Te vejo mais tarde — Disse enquanto me dirigia até a porta. A voz de minha mãe, às minha costas, me fez parar no batente.

— Ele ainda é seu pai, Mark. — Lembrou ela; suas palavras me atingindo como uma flecha. Por mais óbvio que fosse, era algo que eu não costumava pensar. — E depois desse seu comportamento, pode esquecer do carro esse verão. — Continuou ela. — Talvez isso o ensine a não gritar com sua mãe dessa forma. — Fechei a porta às minhas costas e caminhei em direção à noite.

Sem carro, sem Lizzie e sem pai.

***

— Então, vai me contar o que aconteceu entre você e Lizzie ou eu terei que te bater até você dizer? — Perguntou Elisa de algum canto da cozinha, enquanto eu lavava vagarosamente a pilha de pratos, talheres e xícaras sobre a bancada. Me virei para ela, sem entender.
— Você a conhece? — Perguntei, achando estranho a naturalidade com que ela falou da outra garota; que até alguns dias atrás era referida como "a garota nova". Ela revirou os olhos, num gesto de impaciência.

— Claro, ela é minha prima. — Disse ela, me lançando um olhar malicioso. Elisa era uma garota bonita, mesmo em seu horário de trabalho; quando vestia seu avental e prendia seus cabelos loiros de tom desbotado. Ela deve ter percebido minha expressão de surpresa, porque deu uma risada e, em seguida, continuou: — Eu falei pra ela sobre você —disse enquanto se aproximava e se sentava no lado da bancada que já estava livre de louças sujas. — Olhando pra você agora, parece que não foi uma boa ideia... — Fingiu uma expressão pensativa, colocando a ponta de um dedo indicador nos lábios. — Vai me falar sobre o que aconteceu, ou terei que te afogar nessa pia? — Perguntou, olhando para a água cheia de gordura.

Mais uma mentira. Mais uma vez eu havia sido manipulado, eu pensei. Parei o que estava fazendo e fiquei observando a água se esvair pelo ralo, até sobrar apenas a sujeira da louça. — Não quero falar sobre isso — respondi, enquanto tirava as luvas e as jogava para ela. — O resto é com você — Ela as pegou e ficou me observando retirar o avental, pensativa.

— Eu fui até a casa dela ontem — começou ela, enquanto calçava uma luva em sua mão direita. — E ela não quis se quer sair do quarto e conversar comigo — continuou ela, calçando a da mão esquerda.  — Logo... Imaginei que era bem provável que você tivesse algo a ver com isso, já que minha tia também não quis me contar nada. — Ela veio até mim com uma velocidade que eu jamais poderia esperar e me empurrou contra a parede, me prendendo pelo pescoço com seu antebraço direito.
— Para o seu próprio bem, Mark; eu desejo de todo coração que você não tenha nada a ver com isso. — Disse ela em um tom que poderia ser tido como normal, se não fosse pela presente situação de estar me sufocando com seu antebraço. Ela me olhava de um modo que teria me assustado em uma situação normal; sua raiva estava explícita em cada músculo de seu rosto. Talvez tivesse me assustado, eu pensei, se eu me importasse. O que definitivamente não era o caso, naquele presente momento. Não, eu não me importava em apanhar de uma garota na cozinha suja de uma lanchonete. Fiquei olhando para ela, seus olhos castanhos atentos para qualquer movimento súbito de minha parte, esperando que ela fizesse o que achasse melhor. Ficamos um tempo nessa situação, eu com uma expressão demonstrando que não me importava e ela com uma expressão demonstrando que estava falando sério; até que, finalmente, Lucy entrou, empurrando a porta com uma força completamente desnecessária, fazendo com que batesse a centímetros do local onde Elisa havia me encostado.
— Mark... — Começou ela e parou, ao não me ver na pia. Elisa já estava pegando um prato da pilha quando eu me dei conta de que ainda estava na mesma posição em que ela me prendera poucos segundos antes. — O que está fazendo aí? —Perguntou Lucy, me puxando para fora da cozinha sem esperar por uma resposta. — Tem alguém querendo falar com você, vamos! — A imagem de Lizzie veio imediatamente à minha mente. Tudo o que eu não precisava no momento era ter que lidar com ela ali. — Aqui está. — Disse ela para alguém do lado de fora do balcão.  — Não demorem muito, sim? — Levantei a cabeça e vi o rosto de Lizzie à minha frente, parecendo um pouco mais alta do que o normal.

Demorei um pouco a notar que não era ela, afinal de contas.

— Olá, Mark — disse Melissa. — Acho que temos uma conversa para terminar.

Com amor, Lizzie [Pausado]Where stories live. Discover now