― Você acha que sobrevivemos por alguma razão? – Hector lançou a pergunta, olhando o sol que começava a aparecer.

― Não creio que eu seja tão importante assim – Elijah retrucou com uma feição pesada. Afinal, quem ele era? Apenas uma pessoa sem importância, Hector era a única família que tinha, quando ele se fosse, seria só mais um ninguém por aí.

― Eu não acredito nisso. De alguma forma, acho que nos deixaram vivos por alguma razão. Eu ainda ouço aquela voz quando eu durmo. Aquela frase invade a minha cabeça cada vez que eu prego os meus olhos... "Ainda não é o tempo de vocês..." - O general fechou os olhos, tentando agarrar-se às recordações confusas da sua mente.

Elijah bufou, frustrado. Sabia como era louco tudo aquilo que passaram. De alguma forma, Hector havia se apegado a algo bom para tentar não enlouquecer, entretanto, ele já não tinha a mesma esperança do seu amigo.

― Isso pode ser apenas uma ilusão, Hector, você nunca saberá se isso foi real ou não. Nossas lembranças foram confusas. Seja lá o que fizeram com a gente, não queriam que nos recordássemos o suficiente para contar ao nosso povo o que tinha em Ocland. Se é que realmente pisamos os nossos pés lá.

― Pode ser... - Hector deu de ombros, pensativo. ― Mas eu ainda acredito que só estamos vivos porque eles nos permitiram. Ninguém mais sobreviveu, apenas nós.... Isso deve significar alguma coisa.

Olharam para o horizonte que marcava o nascer do sol e ficaram reflexivos. Cada um com as suas tragédias internas. A quentura da manhã já começava a aparecer e precisavam unir suas forças para sobreviver às tormentas de mais um dia.

― Prefiro não pensar nisso, Hector. Na verdade, prefiro não pensar em nada que tenha a ver com aquele lugar. É o melhor que podemos fazer para a nossa sanidade! - Elijah encerrou o assunto, preferindo tentar esquecer a agonia que havia passado durante a noite.

Foi um dia difícil, sempre que isso acontecia – o que era bem frequente – era como se Elijah voltasse ao tempo, quando Ocland entrou em sua vida. Muitas vezes preferia ter morrido a viver com os pesadelos, mesmo que não fossem tão intensos como antes. Viver a morte da mulher que amava, noite entre noites, sentir como se tudo fosse tão verídico, o matava por dentro. Isso, sem contar, quando revivia as noites da morte do seu pai, ou então, o bebê que aparecia em seus sonhos sendo lançado na toca dos animais carnívoros e devorado. Não conseguia compreender, entretanto, a dor estava ali, latejando eu seu peito.

Não houve trabalho naquele dia que desviasse a sua mente. Perdeu todas as lutas do treinamento com os seus soldados. Não conseguia se concentrar. Foi um dia difícil. E, quando a noite chegou novamente, teve medo de fechar os olhos e sofrer o mesmo dano que a noite passada.

***

A noite já havia caído e, como sempre, os temores de Alyssa voltaram. Ela demorava a conseguir engatar no sono, cada pequeno ruído era o bastante para lhe fazer estremecer. Nada havia acontecido, porém, ver o intento deturpado do seu pai sobre si, conseguiu quebrá-la por dentro. Hoje não seria diferente. Era mais uma noite, mais uma luta a ser enfrentada.

Estava embrulhada em meio aos lençóis, esperando poder dormir mais cedo que as noites anteriores. Tentava ter esperança que aquilo passaria e que, algum dia, não tivesse mais medo do seu primeiro beijo e primeiro toque mais profundo fosse com o seu próprio pai.

Apenas a sua cabeça estava desembrulhada o suficiente para que pudesse respirar. Se esforçava para não pensar em nada, todavia, era impossível não se assustar até com o barulho do vento que batia na janela.

Não fazia ideia de quanto tempo estava ali ou a quantidade de esforço que havia feito para que o sono viesse, de repente, ouviu um barulho como uma batida soar pelo seu quarto, fazendo o seu coração acelerar. Pensou ser fruto da sua mente, no entanto, as batidas ficaram cada vez mais insistentes e fortes. Enrolou-se mais ainda nos lençóis, impedindo-se de sair da cama. Não tinha força para enfrentar aquilo. As lágrimas brotavam em seus olhos e a carne tremia por antecipação. Era o mesmo barulho da noite que a aterrorizou. Ela não queria deixá-lo entrar.

Trono de SangueOnde as histórias ganham vida. Descobre agora