Redenção

2K 119 24
                                    

Na madrugada, a cabeça de Lola não parava de pensar e maquinar meios de poder ver sua tão amada Miranda. O que o seu pai havia feito era injusto, afinal ela era maior de idade e não poderia mas ser tratada como uma criança. Independente do fato de que a jovem ainda reside sob o mesmo teto que seu progenitor. Naquele dia ele pôde perceber o quanto sua filha amada aquela mulher e por mais que ele não quisesse confessar para si próprio; a professora havia mudado a vida de Dolores. O jeito de ser e de pensar da menina havia se transformado durante todo aquele ano e aquilo era visível. Ele podia listar em sua mente diversos fatos que deixam isso explícito, um deles é a forma como Lola passou a tratar sua nova esposa e meio irmão que estava prestes à vir ao mundo. A antiga jovem de cabelos cor de púrpura jamais aceitaria a chegada de um novo irmão, mas para a sua surpresa esta velha Lola se fora e agora, em seu lugar, uma Lola compreensiva e amigável tomava o posto. Por mais que Lúcio não quisesse dar o braço a torcer ele sabia que não podia permitir o romance entre as duas, mas também sabia que não podia fazer muita coisa para impedir, mas não estava disposto a ceder tão fácil.
   
  NARRAÇÃO DE LOLA

     Depois de me revirar na cama umas sete vezes, eu finalmente me levantei. Fui na cozinha e bebi um copo d’água. Não conseguia parar de pensar em Miranda e em como ela estaria. Será que ela estava realmente bem de saúde? Será que ela estava comendo direito e sendo bem tratada? Eu precisava ver com meus próprios olhos e depois de tudo o que havia acontecido, nós precisávamos conversar frente a frente. Nem que apenas fosse para eu me despedir da minha deusa de olhos verdes. Um peso enorme já havia sido tirado de meus ombros que era o fato de meu pai estar ciente do meu amor proibido, agora o resto do peso era enfrentar meu pai e convencê-lo a me fornecer o endereço do bendito hospital para que eu finalmente pudesse ver a mulher que amava. Enquanto bebia a água, tive uma ideia um tanto quanto arriscada. Sabia que ele não me forneceria o endereço de bom grado, então eu iria em seu quarto, no meio da noite e pegar o celular dele. Com toda a certeza o número do médico estaria na lista de ligações recentes, então eu ligaria para ele e pediria  o endereço. Mas como eu faria para pegar o maldito aparelho eletrônico?
   Larguei meu copo na pia e fui silenciosamente para  a porta do quarto de meu pai onde ele estava dormindo com Michele. Respirei fundo antes de colocar a mão na maçaneta e girá-la. Meu coração batia rápido. Qualquer barulho que eu fizesse poderia acordá-los então eu deveria ser bastante cuidadosa. Como uma criança que estivesse roubando doce escondido dos pais, eu abri a porta. O quarto estava completando escuro a não ser por um fresta da janela que deixava a luz do luar banhar o local com a claridade. Avistei os dois dormindo na cama. Meu pai dormia profundamente enquanto Michele trocava de posição. Prendi o ar quando ela virou para o outro lado. Avistei o celular do meu pai ao lado da cama e em cima do criado mudo. Andando nas pontinhas dos pés, fui em busca do celular e o capturei. Soltei todo o ar que estava preso em meu pulmão quando segurei o objeto em minhas mãos como se aquilo fosse a coisa mais preciosa do mundo. Dei as costas para o casal e fui em direção à porta. Encostei um pouco e não girei a maçaneta pois eu teria que voltar e colocar o celular de volta ao estado inicial para não deixar pistas de que eu havia pego. Agora do lado de fora, de costas para a porta do quarto eu liguei o aparelho telefônico e ajoelhei e agradeci aos deuses por saber a senha do meu pai – era a mesma senha desde que ele havia comprado pois ele não ligava muito para tecnologia e afins -  e destravei a tela de bloqueio. A foto do fundo era de nós três; Michele, ele e eu. Sorridentes em casa, após termos pintado e preparado o quarto do bebê. Sorri ao lembrar daquele dia mas mantive o foco de minha missão. Meu dedo clicou no ícone onde indicava onde estavam as ligações recém feitas e quando meus olhos viram a abreviação da palavra ‘’doutor’’ na frente do nome Alexandre, quase tive um taquicardia.
   Quando finalmente iria anotar o bendito número, senti uma mão fria em meu ombro e congelei na hora. Alguém havia me descoberto.
- O que está fazendo fora da cama uma hora dessas, mocinha?
  Era Michele com o cabelo loiro todo bagunçado vestindo um robe cor azul bebê. Respirei em alívio pois qualquer pessoa era melhor do que ser pega pelo meu próprio pai e dono do celular.
- Shiu! – pedi para que ela fizesse silêncio e puxei para perto – Me ajude a anotar o número do doutor do hospital onde Miranda está. Preciso vê-la.
  Michele balançou a cabeça e de início pensei que ela iria me impedir, mas então ela olhou para trás e umedeceu os lábios e se aproximou de mim me incentivando.
- Eu falo os números e você anota.
    Peguei um bloquinho de folhas que estava na sala e comecei a anotar com uma caneta.
- Tudo bem... É 9867...
   Sua mão era rápida e estávamos quase com o número inteiro quando, de repente, meu pai surge atrás de nós.
- Muito bem, posso saber o que vocês duas estão aprontando? – ele esfregou o olhou e em seguida cruzou os braços esperando uma boa resposta, mas eu já estava farta de tudo aquilo e sabia que a verdade, por pior que seja, era melhor do que tudo.
- Estou anotando o número do doutor para perguntar o endereço do hospital onde Miranda se encontra – disse firme enquanto segurava o papel e a caneta.
 Lúcio semicerrou os olhos.
- Eu já lhe disse que não irá a hospital nenhum. É difícil entender? – ele gritou.
- Amor,  deixe ela ver a professora...
  Michele tentou me ajudar mas meu pai era cabeça dura e não se deixava levar por ninguém.
- Michele, por favor... Não complique as coisas – ele ergueu uma mão fazendo com que a sua esposa se cale-se.
 - Pai, isto não é justo e você sabe disso.
  Ele arrancou o celular da mão de Michele e o papel com a caneta de mim. Com esse gesto o que me restava de lucidez e calmaria se fora por completo. Se ele queria dificultar as coisas, então assim seria.
 - Me devolva esse celular!
  Ele gargalhou e balançou a cabeça.
- Não adianta, Dolores. Você não vai a lugar algum. E como o celular é meu, não o deixarei ter em mãos. Você não vai ver a tal professora. Deu para entender ou quer que eu desenhe?
   Minha garganta começou a queimar e meus olhos ficaram marejados. Eu não queria chorar mas não consegui evitar. Quando comecei a falar percebi a minha voz embargada e decidi que naquele momento eu iria dizer tudo o que estava preso em meu ser há muito tempo.
- O que você não entende é que eu amo a Miranda e preciso vê-la. Você e o resto do mundo pode achar errada e abominar isso, mas é inevitável. Não consigo não amá-la.
  Percebi os olhos azuis e arregalados de Michele e a boca de quem chupou limão azedo de meu pai. Antes dele tentar ter o dom da palavra eu continue meu discurso.
- Quando mamãe morreu eu fiquei com tanta raiva da vida. Eu me perguntava todas as noites porquê eu merecia aquilo. Eu era apenas uma criança e não sabia de nada dessa vida. Então os anos se passaram e com ele eu fiz questão de construir um casulo em minha volta. Me abriguei em minha própria redoma de vidro onde ninguém entrava e ninguém saía. Fazia questão de tratar todo mundo mal e ser rebelde. Eu sabia quais pontos te feriam, pai. E fazia questão de te atingir neles. Neste ano, quando conheci Miranda, ela foi a primeira professora que realmente me tratou como alguém singular. Ela olhava seus alunos individualmente e não apenas um conjunto de adolescentes que formavam uma turma. Então, quando aqueles olhos verdes me olharam de uma forma diferente eu percebi que o que estava sentindo era diferente de tudo o que senti em minha vida.  Eu a amava e sabia disto desde o primeiro instante que a vi. Não pense que foi fácil reconhecer isto à mim mesma, pelo contrário, tentei achar que aquilo era coisa de minha cabeça mas quando eu me aproximava dela percebia que o sentimento só crescia. Eu sabia que o que estava fazendo não era visto como algo ‘’normal’’ ou aceitável, pois vejam só; duas mulheres se amando, uma professora e uma aluna. Uma adulta e uma adolescente. Mas como você bem sabe, o amor não existe barreiras. Aos olhos de quem ama não existe diferença de classe social, etnia, crença, gênero ou idade. O amor é o sentimento mais nobre por ser exatamente assim; algo que não tem restrição. Apenas existe e nos preenche de uma forma única.

A Cor Púrpura de Teus CabelosWhere stories live. Discover now