Revelações

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NARRAÇÃO DE LOLA

        Após eu ter me safado das inquisições e acusações de Miranda, fui para casa como de costume. Para o almoço, papai tinha deixado um bilhete em cima da mesa da cozinha com uma certa quantia em dinheiro para eu poder comprar algo para comer. Então, peguei um número de uma pizzaria que vi em um dos ímãs de geladeira de minha casa e pedi uma tamanho família metade calabresa e a outra metade portuguesa. Claro, pizza não era ''comida de verdade'' mas como meu pai não estava presente, não iria me encher de sermão sobre não ter pedido uma comida de fato em um restaurante de comida caseira. Fiz meu pedido e desliguei o telefone enquanto aguardava a chegada da pizza, liguei meu computador e dei ''play'' nas minhas músicas favoritas da banda ''The Pretty Reckless'', que por sinal é uma das minhas bandas de rock preferidas.
         Estava eu, curtindo meu momento quando a campainha da porta toca e eu vou atender e dou de cara com o entregador da pizza. Paguei-o e ainda dei gorjeta para ele e fechei a porta em seguida, louca para devorar logo a minha pizza pois eu estava morta de fome. Fui para o meu quarto, coloquei os pés na mesa do computador e comecei a devorar a pizza que por sinal, estava deliciosa. Estava no quarto pedaço, quando o telefone de casa começa a tocar.  Praguejei em voz alta e soltei um palavrão, porque confesso que odeio atender telefone, ainda mais quando estou ''ocupada''. Vejo o número no identificador de chamadas e percebo que é o meu pai, julgo que ele ligou para saber se eu tinha pedido a comida e se já tinha almoçado.
         - Alô, filha?
         - Oi... pai. - respondo de mal grado.
         - Já almoçou? - perguntou ele.
         - Sim. - respondo revirando os olhos.
         - Pediu o quê para o almoço?
        - Eu pedi... - pensei na mentira que iria contar - Comida japonesa daquele restaurante que adoro.
        - Ah sim mas este tipo de comida não alimenta muito, não é?
        Bati meu pé no chão, não suporto quando meu pai quer ser super protetor, tem limite pra tudo e eu já estava ficando ''velha'' para ser tratada como uma criança de 12 anos de idade.
        - Pai, matou a minha fome, isso que importa.
        - Verdade... - disse Lúcio sem graça - Mas eu não liguei só para isso.
        - Ligou para quê, então? - perguntei curiosa.
        - Pode fazer um favor para mim?
        - Sim, pode dizer.
        - Estou com um cliente aqui e preciso que verifique alguns dados de um protocolo do meu trabalho que estão na gaveta do escritório, por favor. Na segunda gaveta perto da impressora, querida.
         - Ok, estou indo. Espere um minuto.
         O telefone de minha casa era sem fio, então levei-o comigo até ao escritório.
       Saí da sala e me encaminhei ao escritório de meu pai, ele era advogado, então precisava de um local para trabalhar quando estivesse em casa. Abri a primeira gaveta mas lembrei em seguida que ele havia dito que o documento estaria na segunda, então a abri e me deparei com uma porção de papéis bagunçados.
       - Puxa, que bagunça, pai... Qual é o papel? É de que cor? Está escrito oquê?
        - Verdade, não sou muito organizado - riu Lúcio- É um papel azul e o nome ''Arthur Alencar '' está assinado nele.
       - Espere, deixa eu ver se... Não é esse, nem esse... Achei!
       - Confirmou o nome, querida?
        - Sim, está escrito ''Arthur Alencar''.
        - Confira se tem um número do protocolo em cima do papel.
        - Sim, tem.
       - Diga-o para mim, por favor.
       Então eu ditei todos os números e confirmei se estavam certos três vezes, meu pai agradeceu a ajuda e desligamos o telefone.
       No escritório dele, que ficava ao lado do seu quarto, havia uma grande mesa com o computador, impressora e fax com uma cadeira grande e confortável. Ao lado, havia as tais gavetas, eram cinco ao total, que por sinal estavam bastante bagunçadas e meu pai guardava diversas coisas nelas. Eu nunca havia mexido nessas coisas, pois sabia que eram do trabalho de meu pai  era algo bastante sério mas já que estava ali, resolvi fuxicar um pouco.
    De início, pensei em arrumar cada uma e organizar a papelada mas desisti e até mesmo fiquei com receio dele brigar comigo por ter arrumado tudo, algumas pessoas se encontravam em suas bagunças, então preferi evitar atritos e deixar tudo como estava. Mas é claro, eu não perderia a oportunidade de bisbilhotar. Mexi na primeira gaveta e havia diversos papéis com assuntos que eu não entendia mas relacionei que deveriam ser sobre questões jurídicas. Na segunda havia papéis de bala esquecidos, receitas antigas de médico e nota fiscal de diversos produtos. Na terceira havia duas fotos minhas quando criança, ainda com o cabelo da cor natural que era castanho claro. Na foto eu deveria ter os meus 8 anos de idade e estava segurando um ursinho Barney, vestida com o pijama da Pequena Sereia e exibia um sorriso banguela com faltas de dentes. Eu não contive meu sorriso quando mirei esta foto e a outra fotografia era do meu me segurando no colo em um parque que tinha em minha cidade. Lembro deste dia até hoje, foi bem legal e marcante pois meu pai não era muito de fazer programas infantis comigo. 
    Eu estava no auge de minha nostalgia e relembrando momentos de minha infância quando fui olhar mais alguns papéis e me deparei com o passaporte de meu pai, abri e na foto era uma versão mais nova dele. Quando fui colocá-lo de volta na gaveta, um papel caiu no chão, eu me abaixei e o abri, na hora em que li não quis acreditar naquilo e fiquei sem ação e não acreditei no que meus olhos viam. O papel revelava que a suposta viagem que meu pai tinha feito fora com Michele para um lugar paradisíaco. Meu pai havia mentido na época em que ele viajou e me deixou sozinha em casa e disse que foi em trabalho mas agora o papel da lembrança de viagem revelava que ele tinha ido aproveitar uns dias à sós com sua namorada Michele, uma perua metida e fresca de cabelos loiros que eu não suportava e até mesmo tinha entrado em conflito em uma noite que fomos à um restaurante italiano, eu tinha nada mais que nada menos derrubado um prato de macarronado com molho vermelho nela e aquela perua merecia. Guardei o tal papel no bolso do meus jeans e vasculhei a gaveta mais ao fundo e descobri uma foto da tal viagem. A fotografia revelava um Lúcio que eu não conhecia, com uma blusa sem manga, sorridente com um dos braços em volta de Michele. Os dois estavam sentados em um restaurante, sorrindo e felizes e enquanto isso eu estava em casa sendo iludida ao pensar que meu pai estava trabalhando arduamente. Virei a foto e no verso tinha uma dedicatória feita pela tal namorada e dizia o seguinte:
       '' Lembrança de nossa primeira viagem juntos de muitas que virão, te amo com todo o meu coração, você foi a melhor coisa que aconteceu em minha vida. Com amor, Michele.''
         Meu estômago se embrulhou de ânsia e minha cabeça ferveu de ódio  e para completar a descarada havia deixado uma marca de batom vermelho com um beijo.
    Meu primeiro reflexo foi rasgar a foto em mil pedacinhos mas lembrei que meu pai tinha ficado uma fera por eu ter mentido para ele quando fui naquela festa e quando me encontrou na cama com Erick, me julgou e disse que eu não deveria mentir, pois vejam só, o maior mentiroso, que deu o maior blefe no jogo havia sido ele. Logo ele, o senhor da razão o dono da verdade.
   Engoli em seco e me encaminhei para o meu quarto, bati a porta e aumentei o volume da música e me joguei na cama enquanto chorava. Não queria mais saber de pizza por mais que ainda não tivesse matado toma a minha fome. Minha revolta e tristeza era tamanha que eu só queria chorar e lamentava por não ter minha mãe ao meu lado. Na maioria das vezes penso que se ela estivesse aqui nada disso aconteceria. Só de lembrar dela a minha tristeza e revolta aumenta. Porquê meu pai mentiu para mim? Porquê dentre tantas mulheres ele havia escolhido logo essa que era uma típica mulher fútil e interesseira? Porquê?  
   De tanto chorar acabei pegando no sono e só acordei cinco horas depois, e me despertei quando ouvi o barulho da televisão ligada e uma risada estridente, era meu pai na sala vendo televisão. Ele havia chegado do trabalho. Levantei da cama, cocei meus olhos e deu um bocejo, estava perdida no tempo ainda e não tinha me dado conta que havia dormido tanto. Enfiei a mão no bolso do meu jeans e tirei o papel que comprovava a mentira de meu pai e a maldita foto. Abri a porta do meu quarto com solavanco e fui em direção à sala cheia de fúria. Meu pai ouviu o barulho da porta e olhou para o lado enquanto assistia televisão e disse:

- Estava dormindo, querida? - sorriu enquanto bebericava um suco.
        - Você não tem nada a me falar?
        - Como assim? O que houve? - perguntou ao perceber minha raiva.
       - Você não nada a me dizer sobre esconder isto de mim?
       Joguei a foto e o papel em cima dele e ele demorou alguns segundos para perceber do que eu estava falando e quando percebeu ficou sem palavras para dizer.
       - Então realmente não tem nada a dizer sobre mentir para a sua própria filha?
       Meu pai engoliu em seco e levou a mão à cabeça sem saber como agir.
       Eu continuava brava e com o punho cerrado de tanto ódio que estava sentindo. Ser enganada já era ruim mas ser enganada por alguém de sua família, que você tanto ama é pior ainda. Ainda mais quando você só tem esta pessoa para contar, bom, parecia que a minha tese estava errada. Não poderia contar com mais ninguém agora, nem com o meu próprio pai e isso doeu muito em mim.

A Cor Púrpura de Teus CabelosWhere stories live. Discover now