Lembranças e Anseios

1.5K 113 0
                                    

O tão esperado dia finalmente tinha chegado. Logo cedo, Lola foi recepcionada com uma mesa de café da manhã completa. Ela degustou a refeição com sua madrasta Michele, seu pai e seu irmãozinho que ainda estava na barriga. Todos conversavam, sorriam, comiam e se deliciavam como uma família feliz e harmônica que Lola tanto desejava em sua vida.
   Desde quando era criança e tinha presenciado a morte de sua mãe em um acidente de carro, ela ficava imaginando se teria momentos como aquele; estar rodeada de pessoas que a amavam. O que Lola mais queria era ter momentos em família como aquele e neste dia tão especial para ela, havia conseguido ter este momento, por mais que ela soubesse que aquilo não se repetiria pois seu plano era viver seus próximos dias ao lado de sua amada Miranda.
   Lola imaginou o que Mayra faria se estivesse viva e soubesse de seu relacionamento com Miranda. Será que ela a apoiaria? Aprovaria sua decisão em fugir com ela? Ou se sua mãe estivesse viva, fugir não seria preciso, pois teria coragem suficiente para abrir o coração para seus pais e contar o seu maior segredo por mais que houvesse conflitos. Ela jamais poderia responder tais perguntas, pois sua mãe estava morta e nada poderia fazer com que ela voltasse à vida. Mas ela sabia e sentia por dentro, bem no interior de seu ser que o que sua mãe almejava para ela acima de todas as coisas era a felicidade; e era isso que ela iria em busca naquele dia.

 NARRAÇÃO DE ANNA

   Meu vestido rosa bebê com um saiote bem rodado repleto de pedrinhas brilhosas, já estava esperando para que se encaixasse em meu corpo. Estava  dando os últimos retoques em minha maquiagem vestindo um roupão branco quando lembrei do meu grande plano que seria colocado em prática na formatura. Tudo estava pronto, eu chegaria cedo no local, eu tenho vantagem pois como meu pai é o diretor do colégio, ele teria que ser o primeiro a chegar. E eu chegaria junto com ele. Coloquei minha ‘’arma secreta’’ dentro da minha clutch prata e deu meu sorriso maléfico exibindo meus lábios contornados e pintados por um batom da MAC da cor rosa.
  Quando meu pai bateu na porta para avisar que já estava indo para o colégio, pedi para que esperasse pois ainda não estava com o meu vestido.
   Assim que me aprontei, desci as escadas de minha casa e encontrei meu pai com um terno lindo me esperando sentado em uma cadeira. Quando me viu se emocionou e me abraçou, mas tive que o conter para que não bagunçasse meu penteado pois eu deveria estar impecável.
  - Você está tão linda! Parecida com sua mãe! Ela teria orgulho de vê-la assim.
 Sorri para ele e contive uma lágrima. Não mancharia minha maquiagem. Não neste momento.
  - Obrigada, pai.
- Filha, quero que saiba que independente do que irá escolher para o seu futuro, eu sempre estarei do seu lado lhe apoiando. E lembre-se de fazer a escolha certa nos momentos difíceis. E o segredo do sucesso é fazer tudo menos algo que possa prejudicar alguém.
- Bobagem! O segredo do sucesso é ser forte o suficiente para derrotar seus inimigos e mostrar para todos a sua vitória.
- Não fale isso minha filha, uma consciência limpa e uma cabeça leve antes de dormir vale mais do que qualquer coisa.
  Levantei minha sobrancelha bem feita e pintada e meu queixo antes de falar.
- Devemos ser vencedores mesmo que isso nos custe caro. Em uma batalha sempre haverá feridos e para sermos os vitoriosos devemos nos defender e atacar.
 Meu pai balançou a cabeça e poupou o discurso de moralidade, que provavelmente faria, pois o celular dele estava tocando.
- Já estamos indo. Estou saindo de casa.
  Balancei os ombros de felicidade e abri minha bolsa para conferir se o pen drive estava dentro dela. Umedeci os lábios e caminhei para o carro que já estava nos esperando.

**************

    NARRAÇÃO DE LOLA

   Em frente ao espelho, minha imagem refletia uma menina feliz e sonhadora. O belo vestido branco de uma deusa romana já estava em meu corpo e no cabelo coloquei uma tiara prateada que lembrava louros de vitoriosos. Nos lábios coloquei um batom rosa queimado e no resto da maquiagem deixei minha pele bem feita.
   Meu dedo pressionava o spray do perfume de essência de  baunilha, que era o meu preferido, quando Michele adentrou o quarto vestindo um conjunto de blusa cropped, com estampa étnica  e uma saia preta. Seu cabelo estava preso como o meu mas sem enfeites. Ela estava linda.
 - Está pronta, querida?
  Ela se aproximou de mim e me rodou.
- Você está maravilhosa! Eu sabia que este vestido ficaria perfeito em você.
  Senti minhas bochechas queimarem e ficarem rosadas de vergonha.
- Obrigada.
- Olhe... Percebi que ainda não está pronta para dizer ao seu pai sobre o que conversamos no shopping aquele dia.
- Eu... Eu ainda não me sinto confortável para dizer algo à ele.
- Eu sei, meu anjo. Quando estiver pronta, saiba que pode contar com todo o meu apoio.
  Ela pegou em minha mão e me mirou com aqueles olhos azuis e profundos como o fundo do mar.
- Eu agradeço por tudo que tem feito por mim, Michele. Você é uma das pessoas mais especiais que conheci em toda a minha vida e jamais saberei agradecê-la à altura.
  A abracei forte e esta foi a forma que achei para me despedir dela. Queria guardar aquele momento para sempre em minha memória como guardaria o café da manhã em família que tive naquela manhã. Aquele dia estava sendo mágico.
- Que isso, Lola. O que fiz foi de coração e faria tudo novamente. E ainda há muito o que vir. Teremos mais momentos como este juntas e sei que você se tornará uma grande irmã, filha e mulher. Tenho orgulho de você.
  Nos abraçamos mais e meu pai batei na porta do meu quarto nos chamando.
- Interrompi o momento entre meninas? Temos que ir, não gosto de me atrasar.
- Já estamos prontas.
  Saímos do quarto mas eu voltei para pegar minha pequena bolsa peta com franjas que dentro dela havia meus documentos, uma pequena muda de roupas e fotografias que eu queria levar comigo. Uma delas era uma foto minha, ainda sem o cabelo colorido, sentada no colo de minha mãe.
  Minha mente vagou para o dia do acidente.
 Estávamos, mamãe e eu indo em direção a nossa casa. Ela havia me pegado na escola que ficava distante de nossa casa. Já passava das seis da tarde, ela havia ido ao mercado depois do colégio e estava chovendo muito deixando a pista escorregadia facilitando o acontecimento de acidentes.
  Ela estava no volante e eu no banco de trás com cinto de segurança. Ela sempre usava cinto de segurança, mas foi no exato momento em que tirou e pegou algo que havia caído do banco ao seu lado que ela perdeu o controle do carro e derrapou na pista. Bateu gravemente em uma árvore e disseram que ela morreu naquele mesmo instante. Tive ferimentos leves, apenas pequenas escoriações na testa e na cabeça. Fiquei por observação durante horas impossibilitada de dormir. Me deram medicamentos para que eu ficasse acordada e conferissem se não houve algo grave em meu cérebro. Meu pai ficou desesperado e abalado com a notícia da morte de minha mãe, mas só depois que deixei o hospital curada, foi que ele teve que me contar de que minha mãe havia falecido. Imagine uma criança de apenas 9 anos de idade receber a notícia que havia perdido a mãe para sempre. Eu não sabia o que aquilo realmente significava, achava que ela voltaria algum dia. Mas esses dias se passaram e nada de minha mãe voltar. Então eu soube o que era a morte; algo terrível que leva alguém que a gente ama para longe e para sempre.  Os anos que se seguiram foram difíceis, tanto para mim quanto para meu pai. Ele me levou para psicólogos e ele tinha que continuar a viver a trabalhar. Por noites eu conseguia ouvi-lo chorar. A falta que a minha mãe fazia era como um buraco em meu peito. E doía. Como doía.
  A partir dos meus 13 anos eu comecei a ficar rebelde, usar roupas ousadas e ouvir bandas de rock. Foi no início de minha adolescência que comecei a pintar os meus cabelos. Comecei com as pontinhas, apenas para chocar meu pai e mudar o meu estilo. Quando fui subindo a coloração até a raiz de minha cabeça, vi meu pai pirar e dizer que eu estava ficando louca. Com o tempo ele teve que aceitar o meu estilo de viver e ele entendeu de alguma forma que a maneira como eu me vestia e me portava transparecia como eu estava por dentro. Com meus cabelos cor de púrpura, chamei atenção de todos. Recebi elogios e críticas. Os professores também ficavam chocados ao me ver assim que me conheciam e o mesmo aconteceu com Miranda. Na primeira vez em que me viu pude perceber que a cor de meus cabelos havia chamado a atenção dela, mal sabia eu que aquela mulher mudaria a minha vida e a minha maneira de enxergar o mundo. Hoje sou uma pessoa diferente mas com o mesmo estilo de se vestir. Não sou tão fechada com as outras pessoas e passei a entender que a vida deve continuar para todos, por mais que seja difícil para mim. Ver meu pai arrumar outra mulher e ter outro filho, agora não me abala mais e não me deixa furiosa ou triste. Apenas entendi que se aquilo fazia-o feliz então era o certo a ser feito. E depois de ter Miranda em minha vida eu descobri o que era amor verdadeiro e entendi todos os poetas do mundo e principalmente meu pai. O amor é algo inexplicável que apenas os que sentem sabem do que digo. Agora o que mais quero é viver ao lado da pessoa que mais me faz feliz no mundo. É viver ao lado de Miranda e construir com ela sonhos que jamais tive antes. Talvez isso seja crescer e eu mal percebi que isto estava acontecendo.
 - Vamos, minha filha? – meu pai perguntou ao longe no corredor.
- Vamos sim, pai.
  Então segurei a fotografia de minha mãe, dei um beijo e a guardei de volta em minha bolsa.
 
 

A Cor Púrpura de Teus CabelosWhere stories live. Discover now