Alianças Desfeitas

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NARRAÇÃO DE ERICK

    Eu estava me secando com uma toalha de algodão da cor cinza e penteando meu cabelo quando ouvi meu celular tocar. Fui em busca dele em cima da cama e percebi que a chamada era de Anna. Hesitei em atender, mas após a insistência eu finalmente a atendi.
  - Erick, tudo bom?
- Oi, Anna - respondi desanimado.
- Tudo ótimo. Olha, eu estava pensando aqui e tenho ideias maravilhosas para colocarmos em nosso plano.
- Que plano? 
   Eu sabia do que elas estava falando mas me fiz de desentendido. 
- Que plano? O  de desmascarar a Lola, é óbvio. Não se faça de desentendido.
- Era disto que eu queria falar com você...
- O que houve?
- Eu não quero levar isto a diante.
  Ouvi uma gargalhada seca e aborrecida sem nenhum resquício de graça.
- Você quer desistir? É isso que está me dizendo? - perguntou incrédula.
- É isso mesmo. Quero abandonar o barco. Desisto disso tudo.
  Anna riu em desespero mais uma vez.
- Você me deu seu voto de confiança Erick. O que ela disse para você para que tenha desistido de tudo o que havíamos combinado? Ela te iludiu novamente? É isso? Você ainda é um bobo apaixonado pela amiguinha que na verdade é lésbica e está tendo um caso com a professora de português que é casada? É sério isso?
- Anna... Pensa bem... Isso não é certo.
- Não é certo você dizer que me apoia em um dia e depois desistir em outro. E a confiança que eu tinha em você? Cadê?
- E a confiança que Lola tinha em mim?
  Pude ouvi-la dar seu gritinho agudo pelo outro lado da linha do celular.
- Ela não te deseja, Erick. Ela jamais vai te namorar. Você é imbecil ou se faz? O que eu tenho que fazer para que você entenda isso de uma vez por todas? - ela esbravejou.
  Respirei fundo e me joguei em cima da cama, ainda usando apenas uma toalha na cintura, antes de respondê-la.
- Anna, eu pensei muito bem no que estava fazendo e isto não é certo. Lola era antes de qualquer coisa, a minha amiga. Não era justo fazer mal à ela. Não é certo e nem ético. Não faz parte da educação que meus pais me deram - se eu pudesse vê-la naquele instante, julgo dizer que ela revirou os olhos quando disse tais palavras - Não gosto mais dela do jeito que gostava. Já entendi que jamais poderei tê-la como desejo. Se brigamos, a culpa foi toda minha por ter sido um imbecil e não preciso que ela ou outra pessoa me diga que fui um pois estou ciente disto. Não quero prejudicá-la e se eu fosse você faria o mesmo que eu. Desistiria enquanto há tempo. Enquanto ainda lhe resta partículas de lucidez em seu corpo.
  Anna bufou pelo telefone.
- É sério, Anna. Aprendi a gostar de você com o tempo em que passamos juntos e sei que por dentro dessa garota má ainda há uma pessoa boa. Eu consigo sentir isso. Só não deixe que a maldade a corrompa pois se deixar para amanhã pode ser tarde demais.
- Eu nunca ouvi tanta baboseira em uma só vez.
- Anna... Me ouça.
- Você que vai me ouvir. Olha aqui, queridinho, se você pensa que pode ter minha confiança e depois me deixar de lado, você está extremamente enganado e não sabe com quem está lidando. Primeiro me vingarei dela e depois de você e se alguém mais cruzar o meu caminho também entrará na lista minha lista negra.
- E o que você ganha com tudo isso, posso saber?
   Ela ficou calada por instantes. 
- Eu não quero saber o que ganho ou deixo de ganhar. Só quero dar o que ela merece.
- Porquê tanto ódio nesse coração, Anna? 
- Não é ódio. É que...
- Não me diga que você também está... Apaixonada por ela?
    Foi difícil juntar palavras para dizer aquilo.
- Claro que não, Erick! Pare de falar besteira!
  Respirei em alívio mas por dentro sabia que tinha mais coisa por dentro deste vingança toda.
- Eu não tenho mais tempo para perder com você. Não volte a me procurar, ouviu?
- Mas não foi você que me ligou?
  Neste momento eu ri por dentro.
- Cala a boca, seu otário! - ela desligou na minha cara.
   Fiquei deitado olhando para o teto com o celular encostado no meu queixo.Ontem refleti sobre o que estava prestes a fazer com Lola. Estava sendo completamente insano ao pensar que poderia me vingar dela. Me vingar do que afinal? Me vingar por ela nunca ter me amado como homem? Isso não era justo com ela. Lembrei de nós na infância, correndo no parquinho. Brincávamos sempre juntos, víamos filmes, ríamos e até chorávamos juntos. Então entendi que não era justo fazer isto com ela. Eu teria que aceitar sua amizade ou então me afastar dela. Não poderia forçar algo a mais. ''Quando um não quer, dois não fazem'', não é isto que dizem? Não adiantava eu tentar prendê-la, seduzi-la e tê-la para mim. Ela me via como amigo e era assim que deveria ser. Ontem percebi que o ódio repentino que sentia por ela era um equívoco. Ódio não é o oposto de amor. A indiferença é o oposto de amor. O que eu estava sentindo por ela era efeito irracional de não poder amá-la como queria então o amor que eu sentia por ela havia se transformado em ódio. Se não poderia tê-la então a destruiria para ninguém mais poder ter. Aquilo que eu pensava era uma atrocidade. Era algo sem escrúpulos. Mas consegui reverter a situação antes mesmo de tentar fazer algo grave com Lola, pois se eu a machucasse nunca me perdoaria. 

  NARRAÇÃO DE HENRIQUE

   Os ovos mexidos estavam quase prontos na frigideira. O aroma de comida recém feita estava inebriante. O café estava quentinho juntamente com o bolo recém saído do forno. Eu iria acordar Miranda, minha esposa, na cama, mas percebi que ela já tinha acordado por vontade própria.
 - Bom dia, amor - eu disse.
  Quando olhei para ela, não vi muita animação, mas não a culpei, afinal ainda era cedo demais.
- Bom dia - ela me respondeu seca.
  Acabei de preparar a comida e desligou o forno. Peguei pães frescos e os tirei do saco da padaria colocando-os em uma cesta que tínhamos para ficar mais apresentável na mesa. Me sentei à mesa onde ela também estava sentada. Dei alguns minutos para que ela percebe-se a minha mudança. Para que percebe-se a mesa pronta e bonita que eu havia montado mas ela não o fez. Não elogiou nem nada. Então resolvi perguntar, diretamente, se ela havia gostado e percebido o que eu tinha feito para ela.
- Olha o mexido de ovos que acabei de preparar para você. Do jeito que você gosta, amor. Percebeu que preparei esta mesa para você? Então, o que me diz? Gostou? - perguntei com um sorriso no rosto.
   Ela estava com a cabeça baixa, olhando para o próprio colo, então, ao ouvir minha voz, seus olhos verdes me miraram mas estavam tristes. Estavam carregados de tristezas e apreensão. Pude perceber de cara que algo não estava bem.
- Eu vi. Obrigada. A mesa está bela.
   Coloquei a mão sob o seu ombro por cima da mesa mas ela se afastou de meu alcance.
- O que houve, Miranda? - perguntei sério.
  Antes mesmo dela abrir a boca e emitir um som eu sabia o que estava por vim. 
- Quero me separar de você.
  Mesmo esperando tais palavras ainda assim fui pego de surpresa. Como um peixe em mar aberto quando é fisgado por uma lança. Foi repentinamente por mais que eu pudesse sentir o perigo eminente.
- Você oquê? - larguei o pão que estava passando manteiga na mesma hora. De repente tudo em minha volta ficou cinza. O aroma dos ovos ficou fétido e o café ganhou gosto amargo.
- Isto mesmo que você ouviu, Henrique. Não posso mais continuar assim, Quero o divórcio.
- Mas meu amor, ainda não tentamos o suficiente. Sei que nosso casamento está em crise e por partes a culpa é minha mas sei que podemos contornar a situação. Sei que com o nosso amor tudo poderá ser acertado. Farei de tudo para ser um marido melhor - levantei da mesa e me aproximei dela. Ela levantou da cadeira e ficou de pé para mim. Seus olhos magníficos não estavam mais tristes, estavam confiantes. Então ela me mirou e disse com toda coragem e sinceridade:
- Não o amo mais e não quero ficar mais presa à este casamento falido.
    Aquilo doeu. Nunca fui baleado mas se pudesse arriscar e dizer que a sensação era a mesma eu diria. Sabia que nosso casamento estava em crise depois da revelação de que ela perdera um bebê. Dormi fora de casa, fui um estúpido, eu sei, mas pensei que as coisas haviam mudado. Me enganei, as coisas haviam mudado para pior. Ela estava distante. Desde o dia em que regressei à este apartamento, não consegui ter relação sexual com ela. Nos beijávamos e trocávamos carícias mas nada a mais. No fundo sabia o que estava prestes a acontecer. Sabia que meu casamento perfeito estava caindo aos pedaços e desmoronando como um palácio de cristal. Não queria que terminasse assim. Eu ainda a amava. Eu ainda a desejava como mulher e adorava cada pedacinho do corpo dela. Sentia falta de sentir seu cheiro, de tocá-la, de beijá-la ardentemente, de ver seu corpo nu, encostar o meu corpo nu no dela e sentir o calor de seu corpo. De tomá-la para mim e fazer sexo com ela. De ouvir seus gemidos de prazer e poder visualizar suas costas cheias de pintinhas enquanto fazíamos amor em posições diferentes. Eu ainda a achava sexy e a desejava. O que eu não sabia era que ela não me desejava mais. Não como antes. 
   Não consegui pronunciar uma palavra sequer. Ao invés disso fiquei olhando para ela e então ela me deixou sozinho na cozinha sem ao menos tocar no que eu havia preparado para ela comer. Aquilo me deixou mais triste ainda. Ela foi embora me deixando à sós com meus próprios demônios. 
  Aquilo era injusto. Era cruel, pois ainda eu a amava e ela não reconhecia isso. Ela mal tentara reconstruir nosso casamento, essa era a verdade. Ela poderia ir embora e me deixar sozinho depois de dizer tais palavras mas eu não iria deixar isso tão fácil. Não iria perdê-la e da-la de mão beijada à quem quer que fosse. Eu sabia que por trás dessa frieza e toda e desinteresse havia alguém. Um amor secreto. Naquele instante me convenci que não a deixaria partir tão fácil. Antes lutaria com garras e dentes. Um casamento de mais de 20 anos não seria desfeito por uma apaixonite que ela criara recentemente. Eu irei descobrir quem é esta pessoa que está tentando roubar Miranda de mim e estava pronto para a guerra.

A Cor Púrpura de Teus CabelosWhere stories live. Discover now