Capítulo 6

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Acordo com a quentura do sol em minha pele, que entra pela fresta da janela e uma leve brisa me refresca a alma. Um cheiro conhecido paira no ar e entusiasmadas risadas me convidam a olhar pela janela.

Uma alegria se expande em meu peito e não contenho um sorriso de emoção, ao observar minha sardentinha brincando com nossas crianças. Ela está ainda mais linda, num vestido branco de seda, enquanto ostenta uma imensa barriga, ao lado de Felipe e Mel na grama do quintal.

Sua felicidade é um bálsamo para o meu coração e a certeza do seu amor, está expresso; nos seus lindos olhos verdes pra mim. Ela me chama para me juntar a eles e me apresso a pôr as calças e uma camisa. Desço as escadas correndo e abro a porta com o coração na boca. Parece uma cena de cinema de tão perfeita e sorrio feliz ao me aproximar dos meus maiores amores.

De repente, a expressão de Júlia muda drasticamente e o pavor ameaça tomar conta do meu autocontrole. Apresso meus passos na sua direção e minhas veias parecem congelar devido à tensão, enquanto seu semblante empalidece em questão de segundos.

Seu corpo colide com a grama e me ajoelho ao seu lado, ajeitando seu tronco em meu colo. Já estou em desespero e a dor estampada no rosto de quem tanto amo me dilacera lentamente. Ela ergue suas mãos numa fisionomia sofrida e a dor me consome ao constatar sangue nelas. Tudo parecia estar perdido.

— Júlia! — ofego com o suor escorrendo pelo meu rosto e levo alguns segundos para me acalmar do vívido pesadelo com minha garota.

Olho para o relógio e vejo que dormi mais do que devia. Sigo para o banheiro e lavo meu rosto, ainda perturbado com as imagens do meu sonho e resolvo ligar para o hospital. Não sou supersticioso, mas prefiro ter certeza de que Júlia está bem.

A enfermeira informa que não há nenhuma alteração em seu quadro geral e desço para tomar café. A essa altura, meu garoto já está assistindo seu desenho favorito, enquanto Mel já está no balé.

— Bom dia, Janete! — sorrio de lado e faço um chamego no meu gorducho antes de me sentar à mesa.

— Bom dia, Seu Caíque. — ela diz com entusiasmo, enquanto me serve uma xícara de café.

Um silêncio agradável rodeia o ambiente e meus pensamentos sobre os últimos acontecimentos correm desenfreados pela minha mente. Analiso a babá por um momento e procuro uma abordagem cautelosa sobre o que penso em descobrir.

— Por que está me olhando desse jeito Seu Caíque? Minha roupa está suja? Tem algum problema comigo e não estou vendo? — nego com a cabeça num sorriso encabulado e desisto de ficar dando voltas.

Vou direto ao ponto.

— Desculpe Janete, é que fiquei pensando em algo. Talvez possa me ajudar — ela assente num olhar atento e coloco o café de lado por um pouco. — Trabalhava há algum tempo para o irmão de Júlia não é? — ela volta a confirmar e prossigo no meu raciocínio. — Notou algo de diferente no comportamento dele, dias antes do acidente, ou quem sabe; no mesmo dia?

— Seu Mauro já era um homem muito nervoso, mas algumas semanas antes dele falecer, as coisas só pioraram. Até com a dona Eliza, ele passou a perder a paciência. Mas no dia do acidente, ele estava extremamente mal humorado. — franzo o cenho por um segundo e tento ordenar os pensamentos.

— Por que ele andava nervoso? Era o trabalho? — estou curioso e ao mesmo tempo intrigado com essas informações. Mauro sempre pareceu bastante cheio de si e avesso a qualquer tipo de confusão.

— Não sei dizer ao certo isso. Mas às vezes o via de cochichos pelo escritório e um dia antes do acidente, ele discutiu com uma mulher ao telefone.

— Que mulher?

— Ele a chamou de senhora Gomes, é só o que sei dela seu Caíque. — quero perguntar mais coisas, mas antes que eu pareça um policial, meu telefone toca e uma agonia me toma ao verificar que é o número pessoal de Rubem.

— O que houve? — meu coração acelera e mal respiro.

"Sua garota piorou...Caíque? Caíque, espera..."

Desligo o telefone na cara do meu amigo, sem me importar se ele vai ficar chateado e pego as chaves em cima da bancada da cozinha, meus pensamentos totalmente desordenados por esse novo baque. Não posso perdê-la.

— Janete, estarei no hospital caso precise de mim. — digo às pressas ao sair e não vejo mais nada em minha frente a não ser a poeira comendo através do espelho retrovisor, enquanto piso no acelerador pra encontrar minha mulher.

Não preciso correr muito pelos corredores, pois logo encontro Rubem conversando com outros médicos e imediatamente meu sangue gela. Não sei se estou preparado para o que ele possa dizer sobre minha sardenta. Mas não consigo ficar nessa espera angustiante, por isso, exalo o ar com força, segurando minhas emoções no lugar.

— Vem comigo, meu amigo. — sinto o apoio da sua mão em meu ombro e meu coração ameaça falhar; com a iminência de um quadro muito ruim. Estou por um fio aqui.

— Acaba logo com essa tortura Rubem. Como minha mulher está?

— Respirando com a ajuda de aparelhos, o quadro dela já esteve pior, mas ainda não é nada bom Caíque. — levo as mãos à cabeça e soco a parede atrás de mim com força. Não estou mais conseguindo suportar toda essa tensão.

— Assim você vai se machucar meu amigo. Acalme-se! — ele me senta em uma das cadeiras e me esforço a respirar devagar; numa tentativa de me acalmar.

— Eu liguei há menos de uma hora Rubem, a enfermeira me disse que ela estava bem, como isso acontece assim, tão rapidamente?

— Que enfermeira lhe disse isso? A que horas? — o espanto acompanha suas palavras e fico confuso.

— Há poucos minutos antes de vir pra cá. Não sei o nome dela. Por quê?

— Caíque o quadro da Júlia se agravou de madrugada e até agora não houve melhoras. Ela precisou passar por nova cirurgia e há meia hora que foi levada de volta pra UTI. — estamos ambos incrédulos.

— O que Júlia teve? Por que não me avisou antes Rubem?

— Uma interrupção no cateter da pleura. — levanto rapidamente, enquanto sou seguido por ele até o quarto onde Júlia se encontrava. Rubem continua falando, mas apenas anseio por dar fim às minhas dúvidas e observo o ambiente com cautela. — Não avisei antes por que não dava tempo Caíque, precisava estabilizá-la primeiro antes de te chamar. Não ia adiantar você ficar aqui, nessa agonia.

Aproximo-me da sua cama e examino toda a aparelhagem que estava ligada a ela. Meus olhos pousam sobre os tubos de acesso e uma mistura de raiva e ódio começa a circular pelas minhas veias. Minhas suspeitas para Amaro estavam corretas.

— Não foi uma interrupção Rubem. Foi uma tentativa de assassinato. — afirmo ao apontar para o tubo de um dos acessos dobrados, o que impedia que Júlia tivesse o fluxo normal da quantidade de água necessária, sendo retirada de seus pulmões.

Olho-a pelo vidro e mesmo com vários fios ligados ao seu franzino corpo, minha sardentinha continua linda pra mim. Continua sendo a mesma menina que desde cedo, ganhou meu coração. Vendo-a assim tão frágil agora, sinto uma pressão em meu peito e o medo de não vê-la mais esmaga meu coração.

Por que no meio de tantas brigas, mágoas e palavras amargas, meu amor por ela continua vivo dentro de mim. Mesmo que eu ainda não me sinta preparado pra dizer isso a ela, é uma certeza; e pra mim, isso é o suficiente.

No entanto, Júlia continua correndo perigo e mais do que nunca agora, eu tenho que descobrir quem está por trás disso tudo. Saber quem quer minha mulher morta e fazer o filho da mãe pagar. Nem que eu precise ir ao inferno pra isso.

De volta ao Passado - Livro 2 Série VoltasWhere stories live. Discover now