Capítulo 3

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Como previa não consegui dormir, mas entre uma cochilada ou outra, a imagem que eu tinha era sempre a mesma: Júlia caminhando por um campo florido, aninhando nossa pequena florzinha no colo. Eu não sei por que, mas cismei que ela terá uma linda menininha. Marrenta como o pai e linda como a mãe. Uma sensação de leveza me toma por um instante e ao observar que Felipe ainda dorme, desço até a sala pra saber se todos já estão acordados.

Assim que apareço no ambiente, me deparo com Márcia medindo a glicemia de Melissa. Ela aprendeu direitinho todo o processo passado por Júlia e fico satisfeito com o progresso da miúda com todo o procedimento.

Milhares de pessoas hoje estão diabéticas e não sabem. Infelizmente na maioria das vezes só vão descobrir, quando as complicações provenientes da falta de tratamento começam a aparecer. Felizmente no caso de Melissa, o diagnóstico foi feito logo.

Os primeiros dias não foram fáceis e por algumas vezes Júlia precisou me chamar para acalmá-la. Lembro-me como se fosse hoje.

MESES ATRÁS

- Obrigada por vir, eu não sei mais o que fazer. - a morena exasperou na porta, abrindo passagem para que eu entrasse.

- Calma Júlia! Isso é normal. É uma rotina complicada, mas com o tempo ela vai se acostumar - sorri por um segundo e não pude ignorar o quanto ela estava ainda mais linda com a gravidez. - Onde ela está?

Júlia indicou o quarto acima e subimos os degraus num silêncio desconfortável entre nós.

Encontrei Melissa enroscada em suas cobertas, e me aproximei devagar até sua cama. Já estava familiarizado com situações como essa no Hospital.

- Hey princesa! Soube que não quer tomar sua medicação. Sabe que isso é importante para sua saúde não é? Lembra o que expliquei antes? - ela acenou, descobrindo sua cabeça das cobertas e em seguida lamuriou.

- Não gosto das picadas tio Caíque. Fica dolorido depois. - meu coração apertou e quando mirei os olhos de Júlia, encontrei o mesmo pesar que dominava meu peito. Mas não havia outro tipo de tratamento contra essa doença silenciosa. A medicina avançou muito nesse quesito, mas nesse instante só podíamos contar com a parte mais rústica de todo esse procedimento, ou seja, o modo tradicional: Insulina e seringas.

- Eu sei meu anjo, mas por hora é a única forma que temos de monitorar você. Senão você pode ficar dodói depois entende? Então, é necessário por enquanto, enfrentar essas agulhadas chatas. - sorri de lado ao acarinhar seus longos cabelos castanhos e Júlia se sentou ao seu lado em apoio, segurando suas mãozinhas miúdas nas suas. Melissa acenou com mais convicção e voltei a sorrir, satisfeito com o passo dado.

- Boa menina! Quer saber quem veio te ajudar? - seus olhinhos brilharam se tornando ainda mais verdes e um sorriso de felicidade emoldurou seu rostinho singelo ao se deparar com o Seu Pitaco. O boneco falante. - De agora em diante, ele é seu, e estará sempre presente quando for passar por esse processo ok?

- Obrigada tio Caíque! - ela se precipitou em um abraço em mim, e em seguida esticou o dedinho para que eu pudesse medir sua glicemia. Preparei a quantidade certa de insulina e embora a picada tenha sido incômoda, Melissa se manteve firme, agarrada ao surrado boneco de pano.

- Muito bem! Agora precisa comer para seu organismo trabalhar direitinho tudo bem? - ela estalou um beijo em minha bochecha de surpresa e seguiu para fora do quarto, acompanhada de Márcia. Guardei os apetrechos da pequena, enquanto a morena se ocupou em ajeitar a cama da sobrinha para que ela dormisse tão logo estivesse descansada. Não deixei de sanar minha curiosidade, no entanto.

- Como andam as coisas? Fora esses percalços, claro.

- Estamos bem. - ela sorriu extremamente feliz, pousando suas mãos na direção do seu ventre. Não consegui disfarçar meu encantamento por míseros segundos.

- Que bom. Fico mais tranqüilo - desviei meus olhos dos seus para não cair em tentação e suspirei num sorriso amarelo antes de quebrar o clima estranho que se formara no ambiente. - Está na minha hora.

Meu coração deu um solavanco quando Julia se aproximou de mim e me senti como se fosse o mesmo adolescente que se declarou para ela no alto de uma roda gigante. Eu apenas fiquei imóvel, enquanto seus lábios tocaram minha bochecha de leve e fechei meus olhos querendo mandar minha sanidade pra longe. E foi exatamente o que fiz.

Minha mão segurou sua nuca com firmeza e só o gosto quente da sua boca conseguiu aliviar meu coração doído. Eu sabia que ia me arrepender depois, mas naquele instante nada mais importava a não ser tê-la outra vez em meus braços.

Depois disso eu simplesmente fugi como um bicho acuado. Não toquei no assunto quando nos encontrávamos e agi como se nada demais tivesse acontecido. Mas aconteceu. Eu precisava ter minha morena para continuar seguindo, assim como ela precisava de mim.

ATUALMENTE

- Olha quem acordou papai? - Janete brinca com o elétrico do meu filhote nos braços e faço cosquinhas nele, antes de pegá-lo no colo. Seu sorriso maroto cheio de dentinhos é uma verdadeira dádiva e o que consegue me fazer levantar todas as manhãs. Eu o amo demais.

Janete leva Melissa para o balé e Márcia se encaminha para o restaurante, mas promete me encontrar no Hospital assim que passar o horário de maior movimento. Enquanto espero pela volta de Janete, sigo até o quarto de Julia na leviana ilusão de amenizar sua falta. O cheiro dela ainda pode ser sentido no ar e mesmo não sendo educado da minha parte; remexo em algumas de suas coisas.

Seus perfumes. Sua loção pós - banho. Todas as coisas que me fazem lembrar dela com mais força. Instintivamente abro seu closet e me agarro à sua camisola de seda, matando um pouco da saudade do seu cheiro em mim. Não sei quanto tempo passo ali, mas quando dou por mim, ouço a voz de Janete no andar debaixo me informando que acabou de chegar.

Guardo a delicada peça no lugar, mas algo escondido entre um tufo de roupas chama minha atenção. Pego a pasta já um pouco gasta nas mãos e abro para conferir seu conteúdo. Meus olhos passeiam entre recibos de altas transferências bancárias para a Suíça, recibos de pagamentos em hotéis de luxo, restaurantes e até mesmo de uma casa de praia aqui em Timbó no nome de Mauro Luis de Castro.

Algo estava muito errado e sei que não vou sossegar enquanto não descobrir o que é. Se Julia encontrou algo mais sobre a vida do irmão e sofreu um atentado por isso, preciso achar o fio de todo esse mistério e mandar pra cadeia o filho da mãe que tentou tirar ela e o meu filho de mim. E eu vou encontrá-lo.

De volta ao Passado - Livro 2 Série VoltasOnde histórias criam vida. Descubra agora