Capítulo 1

550 61 14
                                    

Sabe aquela sensação de literalmente parar no tempo? É assim que me vejo agora. Nesse exato momento, enquanto espero aflito, meu colega de profissão abrir a boca para me passar o quadro real de Júlia. Tudo parece congelar ao meu redor e a memória de quando ela entrou no Hospital me perfura lentamente; como se mil agulhas espetassem meu corpo inteiro.

6 HORAS ANTES

Eu saia do meu plantão após atender um garoto que perfurou o pé em um vergalhão, jogando bola. Eu estava extremamente cansado, mas satisfeito por tê-lo acalmado e o tratado a tempo. Imaginei por um segundo como seria quando Felipe fosse maior, e apenas esfreguei meus olhos, desejando que ele fosse mais amante dos livros do que ser apaixonado por futebol. Mal sorri com meu pequeno delírio e senti minhas forças se esgotarem em questão de segundos.

Uma maca adentrou pelo corredor do Hospital e ao me aproximar, não foi difícil reconhecer a morena que tinha algumas escoriações pelo corpo, além de uma saliente barriga de pouco mais de 4 meses.

- Júlia! Júlia! - gritei ao acompanhar a maca, e um desespero me abateu ao perceber que sua nuca sangrava em demasia. Nem percebi quem ou o que estava ao meu redor.

- Caíque? - uma mão tentou deter meu caminho ao lado dela, mas instintivamente puxei meu braço com força, enquanto permanecia no mesmo passo que a equipe médica. A agonia me consumia rapidamente e só percebi as lágrimas caindo, quando Rubem puxou meu braço mais uma vez, antes da maca entrar na sala de cirurgia.

- Caíque! - praticamente gritou e nesse momento meu amigo pôde ver refletido nos meus olhos, toda a dor que estava maltratando meu peito.

- Salva ela Rubem. Salva minha mulher e meu filho, é só o que te peço.

Nada mais me importava agora. Júlia sempre seria a mulher da minha vida.

- Faremos novos exames, mas apesar do acidente ter sido muito feio, aparentemente o bebê está bem. Ela estava usando o cinto. - um leve alívio percorreu minha pele e suspirei fundo, tentando achar esperanças no meio dessa tempestade que estava dentro de mim.

- Eu vi o sangramento na cabeça dela. Quão grave é? - engoli a seco na iminência da sua resposta e o medo outra vez meu corroeu sem dar trégua.

- Um estilhaço do vidro traseiro ficou preso em sua nuca e depois que a estabilizarmos na cirurgia é que poderemos avaliar melhor. - trinquei meus dentes por longos segundos e ainda não conseguia acreditar no que estava acontecendo. - Eu trago noticias logo ok? - assenti num semblante transtornado, enquanto o acompanhei entrar na ala cirúrgica. A mesma por onde ele acabava de sair numa expressão abatida, enquanto meu coração só fazia gritar.

HORA ATUAL

- Ela está em coma induzido e as próximas 48 horas serão cruciais. Embora o bebê esteja fora de perigo, o ferimento na nuca causou um coágulo com algumas ramificações, além dela ter uma perfuração no pulmão. - Márcia leva suas mãos à boca num lamento, enquanto minha mente começa ficar entorpecida. - Não sei o que ocasionou esse acidente Caíque, mas é um milagre ela ainda estar viva.

- Então só podemos esperar? - Márcia se adianta em questionar o óbvio e o médico assente ao tocar meu ombro de leve.

- Fizemos tudo o que foi possível meu amigo. Agora ela precisa reunir forças pra continuar lutando. - meu coração fica tão pequeno que tenho certeza que ele caberia em minhas mãos se pudesse pegá-lo.

- Quero vê-la! - suplico diante do seu olhar de dúvida. - Por favor, Rubem.

- Ela estará na UTI em meia hora, mas não pode demorar. - me adverte e volto a respirar com mais tranqüilidade.

- Obrigado! - ele acena para nós antes de sumir pelo corredor e observo Márcia se sentar no banco de espera, totalmente desolada. Sento-me ao seu lado e a abraço com carinho, enquanto esperamos os minutos passarem.

Depois de algum tempo, lembro dos pequenos e torno a ligar para Janete, que me informa que ambos estão tirando um cochilo. Agradeço sua prestatividade e informo por alto sobre a situação de Júlia. Encerro a ligação tão logo vejo os enfermeiros acomodarem minha sardentinha no quarto da UTI e me encaminho em passos lentos até lá.

A angústia se tornou uma companheira incômoda desde que tudo aconteceu e me sinto fraco. Aparelhos auxiliam a mantê-la viva e um flash dos últimos quatro meses cruza minha mente, ao observá-la pelo vidro.

4 MESES ATRÁS

Ser pai novamente era algo que não estava mais nos meus planos, no entanto, apenas uma mulher me faria mudar de opinião. Quando Júlia contou que não podia mais ter filhos, um buraco se abriu em meu peito, pois eu adoraria saber o resultado do gênio aventureiro dela, com o meu jeito mandão e ciumento. Por isso, uma enorme alegria se alastrou em meu coração quando soube desse abençoado milagre. E também é por isso que fiquei embasbacado ao acompanhar sua ultrasson.

- Caíque você está bem? - ouvi seu tom de preocupação e tentei inutilmente disfarçar uma lágrima que teimava em cair.

- Estou ótimo, pode ficar tranqüila Júlia. - sorri, aumentando o som do aparelho para que ela pudesse ouvir o coraçãozinho do fruto do nosso amor.

- É mágico! - a linda morena sorriu incrivelmente emocionada e segurou minha mão por alguns segundos até eu me afastar.

Mesmo sua gravidez ter sido uma alegria pra mim, não queria me machucar de novo. Eu não conseguia mais confiar nela.

- Vocês dois estão ótimos, mas as recomendações ainda são as mesmas: Nada de esforço, hidrate-se bastante e tente aproveitar ao máximo esse período que tudo continuará bem ok? - alertei ao limpar o gel da sua pele e o clima ficou tenso rapidamente. Ajudei-a levantar e ainda sem jeito, abri a porta da saída pra ela, que me fitava igualmente sem jeito.

- Obrigada Caíque. Por tudo. - concordei num aceno e meus músculos estremeceram quando seus lábios tocaram minha bochecha de leve. Em seguida, ela sorriu antes de se afastar das minhas vistas e agora o único desejo que tenho, é poder ver esse sorriso outra vez.

AGORA

Entro no quarto frio e melancólico, enquanto me esforço para não desabar. Seguro sua mão na minha; e seu pulso está tão fraco que, encosto meus lábios em sua pele na tentativa inútil de passar calor, energia, qualquer coisa que possa ser de algum incentivo para fazê-la reagir. Embora saiba que nada disso irá adiantar.

- Você vai ficar boa sardentinha. Só precisa agüentar um pouco mais ouviu? - não observar nenhuma reação dela torna tudo muito mais difícil e sussurro com a voz já embargada, as lágrimas me visitando outra vez sem que eu queira. - Aguente por nós.

A porta se abre e sei que meu tempo acabou; ao mirar os olhos de Rubem apontando para o seu relógio.

- Precisa sair Caíque! - assinto em concordância e inclino meu rosto até o ouvido dela, afirmando o que nunca deixou de ser verdade em meu coração.

- Eu te amo - beijo sua testa e suspiro mais umavez na esperança que as horas passem depressa, e que minha morena continuesegurando as pontas por nós

De volta ao Passado - Livro 2 Série VoltasWhere stories live. Discover now