Capítulo 30

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  Alexander e Dimitri retornaram na noite de 12 de setembro, a primeira do dia em que não houve bombardeio algum. Eles voltavam de Dubrovka só por uma noite – para recrutar mais homens da guarnição e se municiar com mais armas de artilharia.Alexander apareceu, para o alívio choroso de Dasha, que não o soltava por um segundo, recusando-se até a ajudar no jantar.Dimitri pendurava-se em Tatiana da mesma forma que Dasha fazia com Alexander, mas enquanto este podia abraçar Dasha, Tatiana permanecia como uma ave esfolada, olhando impotente ao redor do quarto.– Tudo bem, agora, tudo bem – ela se disse, falhando ao tentar com árduo esforço não olhar o cabelo negro de Alexander e seu corpanzil.Já seria bem reconfortante ter diante de seus olhos as formas do corpo de Alexander. Ela teria, porém, que se conformar sem os braços dele ao seu redor.Quando Dimitri foi lavar as mãos, e Dasha correu para fazer o chá,Marina disse:– Sabe, Tania, você podia mostrar um pouco mais de interesse no homem que luta por você no front.Estou mostrando muito interesse, pensou Tatiana, mal conseguindo tirar os olhos de Alexander.– Sua prima tem razão, Tania – disse Alexander, sorrindo para ela. –Você podia pelo menos mostrar o mesmo interesse da Zhanna Sarkova,que, quando passamos por sua porta ligeiramente aberta, estava deitada na cama como se tivesse uma parede de vidro ali.– É mesmo?Alexander levantou a voz, pegou seu rifle e com ele bateu duro na parede uma vez, dizendo em voz alta: 

– Conhece esta piada? Um homem mostra o seu apartamento a uma migo. O visitante perguntou: "Para que serve essa base grande de bronze?". E o homem respondeu: "É o relógio falante", e desferiu um golpe estremecedor com o martelo.Alexander bateu duro na parede outra vez. De repente, uma voz do outro lado da parede gritou:– São duas da manhã, seu f.d.p.!Tão alto riu Tatiana que Alexander colocou o rifle no chão e a acariciou de leve nas costas.– Obrigado, Tania – ele disse sorrindo. – Estou morrendo de fome, oque tem aí pra jantar?A caminho da cozinha, Tatiana tinha que passar pelos olhos de Marina.Tatiana fritou dois presuntos de lata com um pouco do arroz que Alexander trouxera, e um pouco de caldo claro, agora sem fiapos de frangos. Enquanto ela cozinhava, Alexander foi lavar as mãos. Tatiana segurou a respiração. Ele se aproximou do fogão e levantou todas as tampas de panelas.– O que temos? Presunto – ele disse. – Arroz. O que é isso? Água?Não me dê nada disso.– Não é água, é sopa – disse Tatiana baixinho. – A cabeça inclinada de Alexander estava muito perto do braço dela. Se ela se mexesse três centímetros, poderia tocá-lo.Ela segurou a respiração e moveu-se três centímetros.– Tenho tanta fome, Tania – Alexander disse, levantando os olhospara ela, mas antes que pudesse dizer outra palavra, Marina entrou nacozinha e disse:– A Dasha me pediu que lhe desse uma toalha. Você esqueceu.– Obrigado, Marina – disse Alexander, pegando a toalha e sumindo.Tatiana olhou sua sopa clara talvez à procura de um reflexo.Marina chegou perto do fogão, olhou dentro da panela.– Alguma coisa interessante aqui? – ela perguntou.– Não, nada – Tatiana endireitou-se.– Mmm – disse Marina, afastando-se. – Porque tem muita coisa interessante fora daí.No jantar, Dasha perguntou:– A luta está terrível?Alexander, comendo vorazmente, todo feliz, respondeu:– Você sabe, estranhamente, não. Foi terrível nos dois primeiros dias,certo, Dima? Ele sabe, pois ficou nas trincheiras dois dias. Os alemães obviamente tentavam ver se nós nos dobraríamos. E quando não o fizemos, eles pararam de atacar, e o nosso pessoal de reconhecimento dizia que pelo jeito os alemães construíam trincheiras permanentes,trincheiras de concreto e bunkers.– Permanente, o que significa isso? – perguntou Dasha.– Significa que eles provavelmente não vão invadir Leningrado –Alexander respondeu devagar.A família vibrou com isso. Todos, menos Papai, parcialmente adormecido no sofá, e Tatiana, que viu no rosto de Alexander uma luminosa hesitação, certa relutância em contar a verdade.Tatiana mordeu os lábios e perguntou com todo cuidado:– Você está contente com isso?– Sim – Dimitri respondeu em cima, como se ela falasse com ele.– Não, não estou – Alexander respondeu lentamente. – Pensei que íamos combater – ele afirmou. – Combater como homens...– E morrer como homens! – interrompeu Dimitri, batendo na mesa.– E morrendo como homens, se assim fosse preciso.– Bem, fale por você. Eu preferia que os alemães ficassem sentado sem seus bunkers por dois anos e matassem Leningrado de fome, a aguentar o fogo deles.

O Cavaleiro de Bronze Livro IOnde as histórias ganham vida. Descobre agora