Fumaça e Trovão

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  O mundo de Tatiana mudara depois que Alexander deixou de vê-la.Ela era agora uma das últimas pessoas a sair do trabalho. Enquanto,devagar, passava pelas portas duplas da fábrica, ela ainda virava a cabeçana esperança de que talvez o veria, sua farda, seu rifle, o quepe em suasmãos.Tatiana andava ao longo do muro de Kirov, esperando que os ônibusrecolhessem passageiros. Ela sentava no banco e esperava por ele. Edepois caminhava os oito quilômetros de volta à Quinta Soviet,procurando por ele, vendo-o, na verdade, em todo lado.Quando chegava em casa às onze ou mais tarde, o jantar preparadopela família às sete da noite estava passado e frio. Todos ali, tensos,ouviam o rádio, não falando sobre a única coisa que tinham em mente,Pasha.Certa noite Dasha chegou em casa chorando e disse a Tatiana queAlexander queria dar um tempo. Ela chorou durante cinco minutos,enquanto Tatiana acariciava as suas costas.– Bom, não vou desistir, Tania – disse Dasha. – Não vou desistir. Elesignifica muito para mim. Alguma coisa acontece com ele. Acho que temmedo de compromissos, como a maioria dos soldados. Mas eu não voudesistir. Ele disse que precisa de um pouco de tempo para pensar. Issonão significa para sempre; é só até ele mesmo resolver as suas dúvidas,certo?– Não sei, Dashenka. – Que tipo de pessoa disse que ia fazer algumacoisa e assim fez? Ninguém que Tatiana conhecesse.Dimitri veio visitá-la uma vez, e eles passaram uma hora juntosrodeados pela família. Ela se surpreendeu um pouco por ele não teraparecido mais vezes, mas ele deu uma desculpa, que a ela soou fraca.Ele parecia distraído. Não tinha informação sobre a posição dos alemãesna União Soviética. O toque de sua boca no rosto de Tatiana, no final danoite, resultava tão distante quanto a Finlândia.Lá em cima, no telhado, os garotos do prédio procuravam se divertirdesativando bombas incendiárias. Não havia bomba alguma. Era uma noitesilenciosa, exceto pela risada de Anton e seus amigos perto dela e pelasbatidas de seu coração.Lá em cima, no telhado, Tatiana pensava sobre o minuto noturno, ominuto em que ela costumava passar pelas portas da fábrica, virar acabeça para a esquerda, antes mesmo que o seu corpo virasse, eprocurar o rosto de Alexander. O minuto noturno enquanto ela descia asruas apressada, sua felicidade ondulando sua boca para cima, ao brancocéu, as asas vermelhas levando-a para ele, para vê-lo e sorrir.À noite ela ainda estava virada para a parede, de costas para aausente Dasha, que nunca estava em casa. Tatiana teria continuado atrilhar tão infeliz caminho, mas certa manhã os Metanovs ouviram no rádioque os alemães abriam caminho ferozmente através do interior do país e,apesar das medidas tomadas pelos heroicos soldados soviéticos, estavamquase perto de Luga.Não era a situação de Luga que chocava a família e a deixava incapazde comer ou conversar um com o outro. O que os angustiava era saberque Luga estava a poucos quilômetros de Tolmachevo, onde Pasha seencontrava seguro, eles pensavam – não, eles tinham certeza –,escondido no acampamento.Caso os alemães estivessem a ponto de penetrar em Luga, o queaconteceria a Tolmachevo? Onde estava o seu filho, o seu neto, o seuirmão?Tatiana tentava consolar a família com palavras vazias.– Ele está bem, estará bem. – Mas como isso não funcionou, elatentou: – Entraremos em contato com ele. Vamos, Mamãe, não chore –E quando isso tampouco funcionou, ela tentou mais uma vez: – Mamãe,eu sinto que ele ainda está lá. Ele é meu irmão gêmeo. Ele está bem,estou lhe dizendo. – Nada funcionou.Não havia nenhum sinal de Pasha, e Tatiana, apesar de suas palavrasencorajadoras, começou a temer pelo seu irmão.O Soviete local não tinha respostas. O Soviete regional também nãotinha respostas. Tatiana e sua mãe foram lá juntas.– O que eu posso lhe dizer? – disse à Mamãe a mulher bigoduda, comjeito severo. – A informação que eu tenho é que os alemães estão pertode Luga. Nada diz sobre Tolmachevo.– Então por que ninguém atende ao telefone no acampamento? –Mamãe exigiu saber. – Por que os telefones não funcionam?– E eu lá tenho cara de Camarada Stálin? Tenho todas as respostas?– Podemos ir para Tolmachevo? – Mamãe perguntou.– Do que a senhora está falando? Ir para o front? Pegar um ônibus,Camarada, para o front? Sim, claro. Boa sorte.O bigode cinza da mulher mexia quando ela ria. 

O Cavaleiro de Bronze Livro IOnde as histórias ganham vida. Descobre agora