Capítulo 13

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  Dois dias depois, no segundo domingo de julho, Alexander e Dimitri,vestidos com roupas civis, visitaram Tatiana e Dasha. Alexander traziacalças de linho preto e uma camisa branca de algodão, de mangas curtas.Tatiana nunca o havia visto de mangas curtas antes, nunca havia vistopele, além de seu rosto e mãos. Seus antebraços eram musculosos ebronzeados, seu rosto bem barbeado. Ela nunca o vira bem barbeado. Nocomeço da noite, Alexander sempre tinha barba por fazer. Tatianapensou, seu coração batendo por ele, que parecia quase dono de umabeleza impossível.– Onde vocês, meninas, querem ir? Vamos a algum lugar especial –disse Dimitri. – Vamos a Peterhof.Eles embrulharam um pouco de comida e foram pegar o trem naEstação Varsóvia.Peterhof ficava a uma hora de trem. Os quatro caminharam umquarteirão ao longo do Canal Obvodnoy, onde Alexander e Tatianapasseavam todos os dias.Tatiana caminhava em silêncio. A certa altura, quando Alexanderpulou fora do pavimento estreito e caminhou adiante dela com Dasha,seu braço nu roçou o braço nu de Tatiana.No trem Dasha disse:– Tania, diga ao Dima e ao Alex como você chama Peterhof. Digalhes.Tatiana interrompeu seus pensamentos.– O quê? Oh, eu chamo de Versalhes da União Soviética.Dasha disse:– Quando Tania era ainda menininha, ela queria ser uma rainha emorar no grande palácio, não é, Tanechka?– Hmm.– Como os meninos em Luga chamavam você?– Não me lembro, Dasha.– Não, eles te chamavam de uma maneira tão engraçada. A rainhado... a rainha do...Tatiana olhou para Alexander, que olhou para Tatiana.– Tania – Dimitri perguntou. – Qual teria sido o seu primeiro ato comorainha?– Restaurar a paz na monarquia – ela disse. – E depois decapitartodos os transgressores.Todos riram. Dimitri disse:– Senti saudades suas, Tania.Alexander parou de rir e olhou pela janela. Tatiana também olhou pelajanela. Eles sentavam em diagonal, um de frente para o outro.Dimitri tocou o rabo de cavalo bem arrumado de Tatiana e disse:– Tania, por que você não solta os cabelos? Eu vi uma vez assim. Tãobonito. 

Dasha disfarçou e disse:– Dima, esqueça, ela é tão teimosa. Nós dissemos a ela, uma e outravez: "Por que você mantém o cabelo tão longo se não faz nada comele?" Mas não. Ela nunca solta os cabelos, não é, Tania?– Não, Dasha – disse Tatiana, querendo ter por perto a sua parede,qualquer coisa, de forma que o seu rosto vermelho não fosse visto pelosolhos cheios de Alexander.– Desmancha agora o seu rabo de cavalo, Tanechka – disse Dimitri. –Vai!– Vai, Tania – disse Dasha.Devagar, Tania tirou o elástico de seu cabelo e virou-se para a janela,não mais falando até a parada onde iam descer.Em Peterhof, ao invés de fazer um trajeto organizado, eles passearamao redor do palácio e seus terrenos bem cuidados, finalmenteencontrando um lugar isolado no jardim, sob as árvores, perto da GrandeFonte de Cascata, para fazer o seu piquenique.Cheios de apetite, eles comeram o lanche de ovos cozidos e pão equeijo. Dasha até trouxera vodca. Ela, Alexander e Dimitri beberam dagarrafa, mas Tatiana não quis.Todos fumaram, menos Tatiana.– Tania – Dimitri disse –, você não fuma, não bebe. O que você faz?– Cambalhotas! – exclamou Dasha. – Não é, Tania? Lá em Luga, Taniaensinou todos os meninos a dar cambalhotas.– Todos os meninos? – disse Alexander.– Sim, sim – ecoou Dimitri. – Havia meninos em Luga.– Como moscas em cima de Tania.– Do que você está falando, Dasha? – Tatiana disse, de repente,embaraçada. Com esforço evitou os olhos de Alexander.Dasha beliscou Tatiana na coxa.– Tania, diga ao Dima e ao Alex como aqueles animais nunca deixavamvocê em paz. – Ela riu. – Você era como mel para ursos.– Sim, conta pra gente! – disse Dimitri.Alexander nada disse.Tatiana ficou vermelha como uma beterraba.– Dasha, eu tinha talvez sete anos. Havia um grupo. Meninos emeninas.– Sim, e eles todos se agitavam ao seu redor – Dasha completouolhando com carinho para Tatiana. – Nossa Tania era a criança maisgraciosa. Tinha olhos redondos como botões, sim, e aquelas pequenassardas, e não somente cabelos loiros, mas brancos-loiros! Ela era comouma bola de luz do sol, branca, ao redor de Luga. Todas as senhoras maisvelhas queriam segurá-la.– Só as senhoras mais velhas? – Alexander perguntou em cima.– Faça uma cambalhota, Tania – disse Dimitri com a mão nas costasde Tatiana. – Mostre o que você pode fazer.– Sim, Tania! – Dasha disse. – Vai. Este é o lugar perfeito para isso,você não acha? Aqui, diante de um palácio majestoso, fontes, jardim,gardênias em flor.– Alemães em Minski – disse Tatiana, tentando evitar olhar paraAlexander, deitado no cobertor ao seu lado, apoiado no cotovelo. Eleparecia tão descontraído, tão familiar, tão...E ainda assim, ao mesmo tempo, profundamente intocável einatingível.– Esqueça os alemães – disse Dimitri. – Este é o lugar para o amor.É o que Tatiana temia.– Vamos, Tania. – Alexander disse, bem suave, sentando e cruzandoas pernas. – Vamos ver essas famosas cambalhotas. – Ele acendeu umcigarro.Dasha cutucou a irmã.– Nunca se diz não a uma cambalhota.Tatiana hoje queria dizer não.Ela suspirou e levantou-se do velho cobertor.– Bom. Francamente, eu não sei que espécie de rainha eu seria,dando cambalhotas para os meus súditos.Tatiana usava um vestido, não o vestido, mas um vestido de verãorosa e casual. Ela se afastou alguns metros do grupo e disse:– Estão prontos?E, à distância, viu como os olhos de Alexander a devoravam.– Observem – ela disse, pondo o pé direito para a frente.Ela se lançou para baixo apoiada no braço direito, balançando o corponum perfeito arco ao redor do braço esquerdo e depois o pé esquerdo, eentão, sem inspirar e com os cabelos voando, girou, uma e outra veznum círculo empírico, numa trajetória para baixo sob a grama, na direçãodo Grande Palácio, na direção da infância e inocência, distante de Dimitrie Dasha e Alexander.

O Cavaleiro de Bronze Livro IOnde as histórias ganham vida. Descobre agora