Capítulo 24

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  Quando Alexander entrou em seus aposentos, Dimitri estava deitadono beliche de cima.– O que há? – disse Alexander cansado.– Me diz você – disse Dimitri.– Vejamos. Não acabei de ver você? Vou dormir. Preciso acordar àscinco da manhã.– Então, vou direto ao assunto – Dimitri disse saindo do beliche. – Euquero que você pare de brincar com a minha garota.– De que você está falando?– Não posso ter alguma coisa só para mim? Você já tem uma vidaboa, não tem? Pense sobre todas as coisas que você tem e você quer.Você é um Tenente do Exército Vermelho. Tem uma Companhia dehomens que o obedecem em tudo. Eu não estou na sua Companhia...– Não, mas você está na minha, soldado – disse Anatoly Marazovpulando do beliche do lado de Alexander. – Já é tarde e todos temosdias longos pela frente. Você não devia estar aqui levantando a voz. Estáaqui por um privilégio. – Dimitri bateu-lhe continência. Alexanderpermaneceu calado.– Em forma, Soldado – Marazov disse aproximando-se de Dimitri. –Pensei que você tinha vindo aqui só para relaxar e esperar por seu amigo.– É só um pequeno assunto entre mim e meu Tenente, senhor –disse Dimitri.– É só um assunto pequeno, Soldado, quando não sou acordado nomeio de um sono tão necessitado. Mas se me acordam, deixa de ser umpequeno assunto e vira uma coisa totalmente diferente. Agora,descansar.Marazov, que estava de ceroulas, deu a volta ao redor de Dimitri, queestava fardado, e disse-lhe:– Esse assuntinho não pode esperar até de manhã?Alexander interveio.– Tenente, pode nos dar uns minutos?Contendo o sorriso, Marazov fez um sinal com a cabeça.– Como o senhor quiser, Tenente.– Vamos discutir no hall.Eles saíram para o corredor; Alexander fechou a porta.– Dima, qual é o problema? Não se meta em confusão com o seuComandante.– Corte esse papo furado, me diga, quando será suficiente para você?– Mantendo uma distância de Alexander, Dimitri sussurrou: – Você podeter qualquer garota no mundo, por que quer a minha?Alexander precisou de toda a sua força para não fazer a mesmapergunta a Dimitri.– Não tenho ideia do que você está falando. Eles a machucavam. Eua ajudei.Dimitri continuou: 

– Eu não passo de um resmungão. Tenho que obedecer ordens detodo mundo e engolir os sapos de todo mundo. Ela é a única pessoa queme trata como ser humano.Ela não pode evitar. Trata todo mundo assim.– Mas Dima – Alexander disse –, você também tem a sua vida. Penseem todas as coisas que você não tem ou que não quer. Você não foienviado ao sul, onde homens estão caindo nas máquinas de moer carnede Hitler. A unidade de Marazov fica aqui até que o front venha paraLeningrado. Eu cuidei disso para ajudar você. – Fez uma pausa. – Porqueeu sou o seu amigo. – Ele foi na direção de Dimitri. – Eu tenho sido muitobom para você ao longo dos anos.O que aconteceu à nossa amizade?– Aconteceu o amor – disparou Dimitri. – Ela é mais importante paramim agora. Eu quero sobreviver a esta porra de guerra por ela.– Oh – disse Alexander, e depois silenciou. – Então sobreviva... porela. Quem está impedindo você?– Seja lá o que for – Dimitri sussurrou –, a tola paixonite dela não éreal. Como poderia ser? Ela não sabe quem você é. – Dimitri fez umapausa. – Ou sabe?O coração de Alexander bateu errático antes que ele respondesse. Alâmpada perto deles estava quebrada. A outra, no corredor, acendia eapagava. De alguns quartos ouviam-se risadas de soldados. A água corriae mesmo assim estavam em silêncio um na frente do outro. Alexanderimaginava a que se referia Dimitri. Seu passado indiscreto? América? Eleolhou para Dimitri.– Claro que ela não sabe – ele disse por fim. – Ela não sabeabsolutamente nada.– Porque se ela soubesse, Alexander, a situação ficaria muitoperigosa, você não acha? Para nós.Alexander deu um passo na direção de Dimitri, que abriu as palmasdas mãos e recuou até a parede.– Dimitri – disse Alexander. – Não se meta comigo. Eu disse a você,ela não sabe nada.– Eu não quero magoar ninguém – Dimitri disse baixinho, as mãos paracima. – Só quero a minha chance com a Tania.Dentes cerrados, Alexander virou-se e voltou aos seus aposentos.Deitado na cama, os braços atrás da cabeça, Marazov dissecasualmente:– Alexander, quer que eu cuide do Chernenko? Ele está lhe dandoalguma mão de obra?Alexander balançou a cabeça.– Não se preocupe, eu posso lidar com ele.– Poderíamos transferi-lo.– Ele já foi transferido quatro vezes.– Oh, ninguém o quer, e então você o manda para mim?– A você não, ao Kashnikov.– Sim, e o Kashnikov é meu.O Marazov pegou um cantil e tomou um gole de vodca, depois,passando-o para Alexander, disse:– Nós não temos homens suficientes para jogar na frente dostanques de Hitler e segurar Leningrado. Vamos ter que nos render, nãoé?– Não se eu puder evitar isso – disse Alexander. – Vamos combaternas ruas com pedras, se for preciso. – Ele sorriu.Marazov bateu-lhe continência e caiu em seu travesseiro.– Tenente Belov, eu não tenho visto muito você nas folgas. Vocênão acreditaria se visse algumas das meninas que têm vindo ao clube. –Ele sorriu.Alexander sorriu e balançou a cabeça.– Para mim chega.Surpreso, Marazov levantou a cabeça.– Não entendo as palavras que saem agora de sua boca, Tenente. Euouço você. Acho que você está falando russo, mas simplesmente nãoposso acreditar no que estou ouvindo. Que porra está acontecendo?Quando Alexander não respondeu, Marazov disse:– Espere, você não está... oh, não! – ele riu com gosto. – Agora eusei que você tem merda na cabeça. O que aconteceu com você? Vocênão está morrendo, está?– Não estou dormindo. Com toda certeza, porra! – disse Alexander.– A quem posso acordar? Não aguento guardar este segredo.Ele se inclinou e, com um cobertor, acertou o soldado que dormia nobeliche de baixo.– Grinkov, acorde.Você não vai acreditar quando eu lhe contar...– Vai se foder – Grinkov disse, jogando o travesseiro no chão e sevirando no beliche.Alexander riu.– Pare com isso, seu porra-louca – ele disse a Marazov.

 – Pare comisso, antes que eu transfira você.– Que é isso?– Não sei do que você está falando – disse Alexander, cobrindo a caracom um travesseiro.– Espere, é a garota cujo nome você fala enquanto sonha.Alexander tirou o travesseiro do rosto e, surpreso, disse:– Eu não falo dormindo.– Oh, fala sim – disse Marazov. – E como! Grinkov, o que o Belov falaquando está dormindo?– Vai se foder – Grinkov disse outra vez virando-se para a parede.– Não, não é isso. É o nome de alguma garota é... Alexander, você éum craque para esconder isso dos seus colegas oficias.– Sim, porque não confio em vocês – disse Alexander, virando-se delado.Marazov bateu palmas.– Esta eu quero conhecer – ele disse. – Preciso conhecer a garotaque roubou tudo do nosso errante Alexander.Mais tarde, com um peso no peito, sem poder dormir, Alexander sabiaque não era fácil, com um passeio no campo, reconstruir o seu coração.Se a sua vida na União Soviética lhe ensinara algo, teria sido isso. Mas eleia tentar, depois que falasse com ela, tudo seria mais fácil de levar adiantedepois que ele tivesse falado com ela.Alexander sabia que, antes de haver luz ao invés de escuridão, eletinha que merecer luz ao invés de escuridão. Obviamente ainda nãochegara a sua hora. Ele ainda tinha que ganhar as suas estrelas  

O Cavaleiro de Bronze Livro IOnde as histórias ganham vida. Descobre agora