Capítulo 17

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  Um cabo enfiou a cabeça nos aposentos de Alexander e gritou-lhe que o Coronel Stepanov queria vê-lo. O Coronel escrevia em seu diário. Ele parecia mais cansado do que há três dias. Paciente, Alexander esperou. O Coronel levantou os olhos, e Alexander viu as escuras bolsas debaixo dos seus olhos azuis. E linhas tensas no rosto provocadas pelo trato difícil com subordinados rebeldes. – Tenente, desculpe-me a demora. Temo não ter boas notícias para você. – Eu entendo. O Coronel olhou de novo o seu diário.– A situação em Novgorod era desesperadora. Quando o Exército Vermelho percebeu que os alemães rodeavam os vilarejos próximos, eles recrutaram os jovens de vários acampamentos ao redor de Luga e Tolmachevo para ajudar no entrincheiramento da cidade. Um desses campos era Dohotino. Não tenho informação específica sobre um Pavel Metanova... – O Coronel pigarreou. – Como você sabe, o avanço alemão foi mais rápido do que antecipamos. Era sovietes. Era como ouvir o rádio. Eles diziam isso, mas queriam dizer aquilo. – Coronel? O quê? – Os alemães passaram Novgorod. – O que aconteceu aos meninos dos acampamentos? – Tenente, não sei mais do que já lhe disse – ele fez uma pausa. –Você conhece bem esse menino? – Eu conheço bem a família, senhor. – Um interesse pessoal nisso? Alexander piscou. – Sim, senhor. O Coronel Stepanov, muito quieto, brincava com a caneta, olhando as páginas do seu diário, evitando olhar para Alexander, mesmo quando finalmente falou: – Eu gostaria, Alexander, de ter alguma coisa melhor para lhe dizer. Os alemães passaram por cima de Novgorod com os seus tanques. Lembra-se do Coronel Yanov ? Ele pereceu. De forma indiscriminada, os alemães fuzilaram soldados e civis, saquearam o que puderam e depois incendiaram a cidade. Sem dar um passo atrás da mesa, sem deixar de olhar o Coronel Stepanov, Alexander disse com firmeza: – Permita-me entender. O Exército Vermelho enviou menores ao meio das batalhas? Stepanov estava em pé, atrás de sua mesa. – Certamente você não está nos dizendo como conduzir a nossa guerra, não é, Tenente? – Não quero ser desrespeitoso.

– Alexander bateu os calcanhares, fez continência ao Coronel, mas não se mexeu. – Contudo, usar meninos destreinados junto com oficiais experientes como forragem para os nazistas é pura loucura militar. O Coronel Stepanov não saiu de trás da mesa. Os dois homens silenciaram, um jovem, o outro já envelhecido aos 45 anos. O Coronel então falou: – Informe a família que o seu filho morreu para salvar a Mãe Rússia –ele disse com a voz quebrada. – Ele morreu a serviço do nosso grande líder, o Camarada Stálin. Mais tarde naquela manhã, Alexander foi chamado ao portão de entrada. Ele desceu temeroso de que fosse Tatiana. Ele ainda não podia encará-la. Ia encontrá-la à noite em Kirov. Ele viu Dasha ao lado de Petrenko. Ela parecia abatida e tensa.

– O que houve? – Ele perguntou levando-a de lado, esperando que ela também não lhe perguntasse sobre Tolmachevo e Pasha. Mas ela enfiou-lhe um pedaço de papel em sua mão e disse: – Olhe isto aqui. Veja o que a louca da minha irmã fez! Ele abriu o bilhete. Era a primeira vez que via a letra de Tatiana. Era redonda, pequena e caprichada. Queridos Mamãe e Papai, dizia a nota. Vou me alistar nos Voluntários do Povo para encontrar Pasha e trazê-lo de volta para vocês. Tania. Com o maior esforço para controlar sua expressão facial, Alexander devolveu o bilhete a Dasha, com cuidado, e disse:

– Quando ela foi? – Ontem de manhã. Levantamos, e ela já tinha ido embora. – Dasha, por que não me procurou então? Ela foi embora ontem? – Achamos que ela estava brincando. Que voltaria.

– Vocês esperavam – Alexander falou devagar – que ela voltaria com Pasha? – Não sabemos! Ela mete essas ideias na cabeça. Honestamente, não sei o que ela pensa. Não pode ir sozinha ao mercado, muito menos para o front. Mamãe e Papai estão perturbados. Estavam tão preocupados com Pasha, e agora isso.

– Eles estão preocupados, ou sentem raiva? – Alexander perguntou.

– Estão frenéticos. Têm um medo mortal de que algo aconteça. Ela –Dasha irrompeu em lágrimas. – Meu querido – Dasha disse, chegando mais perto dele. Ela o abraçou, mas o rosto de Alexander permaneceu trancado. – Alexander – ela disse. – Eu não sabia a quem recorrer. Por favor, nos ajude. Ajude-nos a encontrar minha irmã. Não podemos perder minha Tania...– Eu sei – ele disse. – Por favor? – Dasha disse. – Você vai fazer isso... por mim? Ele afagou-lhe as costas, afastou-se e disse :– Vou ver o que posso fazer. Alexander ignorou o seu comandante imediato, o Major Orlov, e foi direto ao Coronel Stepanov. Ele conseguiu autorização para levar vinte voluntários e dois sargentos para dirigir um caminhão blindado carregado de munições, rumo ao sul, para Luga. Alexander sabia que a linha precisava muito de um reforço. Ele disse a Stepanov que voltaria empoucos dias. Antes de dispensar Alexander, Stepanov disse:– Traga a si mesmo e os homens de volta, Tenente – fez uma pausa.– Como sempre.– Farei tudo o que estiver ao meu alcance, senhor – disse Alexander. Ele não vira muitos voluntários voltarem à guarnição. Antes de partir, ele foi ver Dimitri e lhe ofereceu um lugar no esquadrão. Dimitri recusou. – Dima – disse Alexander –, você deveria vir.– Vou onde eles me mandam – disse Dimitri, balançando a cabeça –,mas não enfio a cabeça de livre e espontânea vontade na boca do tubarão. Você ouviu falar do que aconteceu a Novgorod? O próprio Alexander dirigia o caminhão blindado. Estava carregado de homens, 35 rifles Nagant, 35 rifles Tokarev, novos em folha, duas caixas de granadas de mão, três engradados de minas de campo, sete caixas de munição, uma pilha de projéteis ovais de artilharia e um barril de pólvora para os morteiros. Alexander achava bom que o caminhão era blindado. Ele gostaria de ter um dos tanques feitos por Tatiana. As três cidades vinham em seguida depois de Leningrado: Gatchinaprimeiro, depois Tolmachevo, e então Luga. Ao chegar a Gatchina, Alexander podia ouvir o estrondo distante da artilharia. Detrás dele, seus homens tremiam enquanto ele abria caminho na estrada sem asfalto. Ele ouvia bombas explodirem como fogos de artifício, como num sonho via o rosto do seu pai surgir, querendo saber o que ele fazia tão perto da morte antes de chegar sua hora. Ele disse:– Papai, vou por ela.O sargento Oleg Kashnikov, um soldado jovem e musculoso, perguntou: – O que o senhor falou, Tenente?– Nada. Às vezes, eu faço isso. Converso com o meu pai. – Mas, Tenente, não era russo – Kashnikov disse. – Parecia inglês ,mas o que sei eu?– Inglês não, só palavrório – disse Alexander.

O Cavaleiro de Bronze Livro IOnde as histórias ganham vida. Descobre agora