Capitulo 5

74 6 0
                                    


  A família discutia a guerra. Não havia jantar de aniversário, mas haviamuita bebida. E muito debate em voz alta. O que aconteceria aLeningrado? Quando Tatiana chegou, seu pai e seu avô discordavamsobre as intenções de Hitler – como se os dois o conhecessempessoalmente. Mamãe só queria saber por que o Camarada Stálin nãofalara ao povo.Dasha queria saber se devia continuar trabalhando.– Existe outra opção? – fulminou papai, irritado. – Olhe a Tatiana. Elanem completou dezessete anos e não pergunta se deve continuartrabalhando.Todos olharam para Tatiana, incluindo Dasha, de um jeito triste.Tatiana pôs no chão a sua bolsa.– Dezessete, hoje, Papai.– Ah, sim! – Papai exclamou. – Claro, foi um dia tão louco. Vamosbrindar pela saúde de Pasha. – Ele fez uma pausa. – E pela de Tania.A sala, de alguma forma, diminuíra porque Pasha não estava com eles.Tatiana apoiou-se na parede, imaginando quando seria uma boa horade falar do irmão e Tolmachevo. Quase ninguém notou que ela sesegurava na parede, exceto Dasha, que, sentada no sofá, a olhou edisse:– Porque você não toma um pouco de canja? Está no fogão. 

Tatiana achou uma boa ideia. Na cozinha, ela pôs no prato duasconchas de cenouras e um pedaço de frango, sentou-se junto à janela eolhou o pátio lá fora, enquanto a sopa esfriava. Não podia comer nadaquente. Ela queimava por dentro.Quando Tatiana voltou aos quartos, ouviu a mãe consolando o pai:– Esta guerra não vai continuar até o inverno. Já deverá estarterminada até lá.Papai estava silencioso, esfregando as dobras da camisa. Ele disse:– Você sabe, Napoleão também veio à União Soviética com os seusexércitos em junho.– Napoleão! – Mamãe gritou. – O que Napoleão tem a ver com tudoisso, Georgi Vasilievich? Por favor. Pelo amor de Deus.Tatiana abriu a boca para falar, para dizer alguma coisa sobreTolmachevo, mas, além de ela não estar segura da mensagem que deviapassar à sua família madura, informada, insofrível, de repente lhe ocorreuque ela teria que explicar como obteve essa informação do futuro avançoda Alemanha sobre a Rússia.Teria? Ela pensou. Fechou a boca.Papai sentava ao lado de mamãe, olhando o copo vazio.

 – Vamos tomar outro gole – ele disse – e brindar por Pasha.– Vamos para Luga! – Mamãe exclamou.– Vamos para nossa dacha, ficar longe da cidade.Como poderia Tatiana deixar de dizer alguma coisa agora?– Talvez – ela pigarreou, munida da confiança de uma ovelha,perplexa com sua própria audácia –, talvez pudéssemos, enquanto isso,trazer Pasha de volta.Papai, Mamãe, Dasha, Deda e Babushka, todos olharam para Tatiana,confusos e arrependidos, como se, em primeiro lugar, estivessemsurpreendidos que ela podia falar e, em segundo, lamentavam por dizercoisas de adultos na presença de uma criança.Mamãe começou a chorar.– Devíamos trazê-lo de volta. Hoje é o seu aniversário e ele estásozinho.É o meu aniversário também, Tatiana pensou. Levantou-se, decidida asair dali e tomar um banho.– Aonde você vai? – Papai a chamou.– Vou lavar.– Lavar o quê? – vociferou mamãe. – Leve alguns pratos à cozinha,por favor.– Vou me lavar – respondeu Tatiana, recolhendo os pratos sujos damesa.Dasha saiu, Tatiana não perguntou para onde. Desconfiava que ia verAlexander. Tatiana não era do tipo que tinha pena de si própria, e não iacomeçar isso agora. Se alguma coisa havia a lamentar, era a série deeventos que introduzira um sentimento no seu coração, logo depoisesmagado pelas mãos maldosas do destino. Ela não iria permitir uma inútilautopiedade, aquele furioso inimigo.Tatiana se forçou a reler alguns contos de Chekhov, que sempre aacalmavam por causa de seu tom inerte. 

Com a leitura de sete de seusrelatos, ela estava pronta para dormir, o último deles era sobre umamenina sentada num banco com um homem mais velho.Ela continuou ouvindo Deda e papai discutindo sobre a guerra. A ideiade guerra era terrível, Deda disse, mas muita gente não via isso comouma tragédia pura. Podia trazer-lhes liberdade. Podia dar-lhes uma chancede uma vida normal. Tatiana ouviu a voz de papai ensopada de vodka:– Nada removerá da Rússia o fardo selvagem dos Bolcheviques. Nadanos trará uma vida normal.Tatiana achava papai um pessimista. Com a vodka ele ficava ainda maistaciturno.Alguma coisa tinha que trazer a todos uma chance para uma novavida. Mas o quê? Como se ela tivesse respostas. Dormiu.Acordou às quinze para as duas da madrugada por causa de um somque nunca ouvira antes, vindo do lado de fora. Era uma sirene berrando efurando a noite sombria. Ela gritou, e o pai aproximou-se, dizendo-lhe quenão se preocupasse, era só uma sirene de ataque aéreo. Queria saber seera preciso levantar; os alemães já estavam bombardeando?

 – Durma, Tanechka, querida, – disse Papai. Mas como ela podia dormircom a sirene diminuindo e Dasha fora de casa? A sirene parou depois depoucos minutos, mas Dasha ainda não chegara...

O Cavaleiro de Bronze Livro IOnde as histórias ganham vida. Descobre agora