Capítulo 10

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  Alexander e Dimitri chegaram pouco depois das onze da noite. Aindahavia luz do lado de fora. Dasha não chegara. Seu patrão, o dentista,exigia que ela fizesse horas extras, extraindo o ouro dos dentes dosclientes. Em épocas de crise, as pessoas preferiam ter ouro em lugar demoeda viva para negociar. O ouro mantinha o seu valor. Dasha trabalhavacada vez até mais tarde, coisa que odiava, queria que todo mundo secomportasse como se a vida pudesse continuar no verão de Leningradocomo sempre fora: lenta, cálida, poeirenta e cheia de gente jovem eapaixonada.Tatiana, Dimitri e Alexander estavam na cozinha, meio sem jeito,enquanto a água pingava na pia de ferro fundido.– Então, o que há com vocês dois, garotos tristes? – disse Dimitri,olhando Tatiana e Alexander.– Bem, estou cansada – disse Tatiana. Era só meia mentira.– E eu estou com fome – disse Alexander, olhando para ela.– Tania, vamos dar uma volta?– Não, Dima.– Sim, deixamos o Alexander aqui esperando a Dasha. – Dimitri sorriu.– Eles não precisam da gente. Adorariam ficar sozinhos. Estou certo,Alexander?– Eles não terão muita sorte aqui – Tatiana murmurou. – Graças aDeus.Alexander foi à janela e olhou o pátio.– Eu não posso mesmo – Tatiana protestou. – Eu...Dimitri pegou Tatiana pelo braço.– Vamos, Tanechka. Você já comeu? Não é mesmo? Vamos.Voltamos logo, eu prometo.Tatiana viu os ombros rijos de Alexander.Ela queria chamá-lo de Shura.– Alexander – ela disse –, você quer que a gente traga alguma coisa?– Não, Tania – ele respondeu, olhando-a.Seus olhos infelizes brilharam por um momento e logo se retraíram porsua própria vontade.– Por que você não entra? Babushka fez carne pirozhki. Experimenteum pouco. Tem vorscht também.Dimitri já puxava Tatiana pela mão ao longo do hall. 

Eles passaram porcima de Slavin no corredor, ele descansava quietamente no chão eparecia que não haveria nenhum incidente, mas tão logo Tatiana chegouperto, ele se mexeu, levantou a cabeça e agarrou o tornozelo dela.Dimitri, num movimento brusco, pisou no punho de Slavin, e elegritou, soltando Tatiana, enquanto olhava para ela e dizia:– Fique em casa, querida Tanechka, é tarde da noite para você sair!Fique em casa!Ele não olhou para Dimitri, que o amaldiçoou e de novo pisou em seupunho.Na rua, Dimitri perguntou se ela queria um sorvete. Ela não queriaque ele comprasse sorvete, mas disse:– Tudo bem. Um cone de baunilha.Enquanto caminhavam, ela, com um jeito infeliz, comeu o sorvete. Anoite estava quente. Ela só pensava numa coisa.– Em que você está pensando?– Na guerra – ela mentiu. – E você?– Em você. Nunca conheci alguém como você, Tania. Você é bemdiferente das meninas que eu usualmente conheço.Tatiana murmurou um pálido obrigada, concentrada em seu sorvete.– Espero que o Alexander entre e coma – ela disse. – Dasha devedemorar ainda mais uma hora.

 – Tania – disse Dimitri –, é sobre Alexander que você quer falar?Até mesmo Tatiana, ainda inexperiente, captou um tom gelado navoz de Dimitri.– Não, claro que não – ela disse rápido. – Só estou tentandoconversar. Ela mudou de assunto. – O que você fez hoje?– Cavei mais trincheiras, a linha do front ao norte está quasecompleta. Estaremos prontos para aqueles finlandeses na próximasemana. – Ele riu com malícia. – Então, Tania, sei que você deve estarpensando por que não sou um oficial como Alexander.Tania nada disse.– Por que você não me perguntou?– Não sei. – Seu coração bateu mais rápido.– É como se você já soubesse.– Soubesse? Não. – Ela queria jogar fora o que sobrava do sorvete ecorrer para casa.– Você tem conversado com Alexander a meu respeito?– Não – ela disse com firmeza.– E como não perguntou por que sou apenas um frontovik e ele éum oficial?Tatiana não tinha resposta para isso. Era tudo muito bobo. Ela odiavamentir. Não dizer nada, manter uma expressão impassível, desviar osolhos, isso tudo já era bastante difícil. Mas mentir direto? Sua língua egarganta não estavam acostumadas a isso.– Alex e eu tínhamos a intenção de sermos oficiais juntos. Era essenosso plano original.– Que plano?Dimitri não respondeu, e a pergunta de Tatiana ficou no ar e depoisalojou-se em sua cabeça.Tremiam levemente as mãos de Tatiana.Ela não queria sair à noite sozinha com Dimitri.Ela não se sentia segura.Eles chegaram à esquina de Suvorosky e Parque Tauride. Embora osol ainda estivesse a trinta graus no céu, as árvores do parque davamsombra.– Você quer andar um pouco ao redor dos jardins? – Dimitriperguntou.– Que horas são?  

O Cavaleiro de Bronze Livro IOnde as histórias ganham vida. Descobre agora