Capítulo 18

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Eu estava ali, escondida num canto da casa do Guta, tentando passar despercebida, por alguns minutos. As lágrimas haviam suplantado a minha vontade de mantê-las dentro dos meus olhos, como eu em geral fazia. Sim, estava me esforçando ao máximo, mas era difícil manter a tristeza o tempo todo presa dentro de mim. Às vezes, ela era mais forte do que eu e precisava sair, como acontecia agora.

Fazia um mês que eu não via o Rafa, um mês inteiro que ele fugia de mim. Ele não ia mais ao bar, nem respondia as mensagens que eu mandava para ele. Eu via que ele as lia, pelo menos. Sempre. E nunca demorava muito para ler. As minhas mensagens eram marcadas como lidas rapidamente, e isso ao menos servia para me dar um pouco de alento. Algum interesse ele ainda mantinha por mim, afinal. Ele me ignorava de todas as outras formas possíveis, mas lia as minhas mensagens.

O Rafa na semana seguinte ao concurso e ao nosso rompimento – se é que eu posso chamar de rompimento algo que de fato não tinha nem começado... – arranjou um emprego na firma de advocacia de um amigo dele. Eu sabia que ele tinha aquele convite de trabalho há meses, mas que não era o que ele gostaria de fazer. E eu imagino que era tudo culpa minha. Ele não queria mais ir ao bar e nem me ver, então estava aceitando qualquer proposta de emprego só para não ter mais que cruzar comigo. E ele estava fazendo bem isso de me evitar, pelo menos até o dia de hoje...

Eu o encontrei no fim de tarde no hall de entrada do nosso prédio, quando ele estava prestes a entrar no elevador. Era sexta-feira, e eu chegava do trabalho. Eu vinha um pouco mais atrás, podia ter entrado com ele no elevador e subido junto, mas então ele me viu. E o modo como ele me olhou... Nem tenho como descrever como foi.

Ele nem precisou de palavras, mas o modo como ele me olhou fez com que tudo doesse dentro de mim. Fez com que eu paralisasse no lugar e assistisse imóvel a porta do elevador se fechando bem na minha frente, com ele sozinho dentro. Eu podia ter aproveitado aquele momento para tentar falar com ele, mas não fui capaz.

O modo como ele me olhou me desarmou totalmente, e fez com que mais um pedacinho do meu coração se partisse. Ele me olhou como se eu fosse uma estranha, ou como se eu fosse uma mera conhecida de quem ele não gostasse nem um pouco e não fosse capaz de disfarçar.

Eu pensei que soubesse o que era ter o coração partido... Mas o que eu senti pelo Tobias não era nada comparado com o modo como tudo doía agora. Eu não tinha só perdido o meu amor, mas o meu melhor amigo também. E acho que essa combinação de amor com melhor amigo é fatal. É o que acaba com a gente. Bem que sempre ouvi dizer que quando a gente consegue ter as duas coisas juntas na mesma pessoa é especial. Para sempre.

Por isso as lágrimas – estúpidas lágrimas! – teimavam em escapar de dentro de mim no meio de uma festa. Sim, apesar de estar com o coração partido em mil e um pedacinhos, tinha ido a uma festa. E era o que eu estava me forçando a fazer nesse último mês. Não recusar todos os compromissos, não me isolar, participar das coisas de vez em quando. O mundo não para para que a gente conserte o nosso coração. E era melhor estar entre amigas do que em casa sofrendo sozinha. Pelo menos, era o que eu achava antes de ter vindo. Agora eu simplesmente gostaria de conseguir me desmaterializar dali e reaparecer em meu próprio quarto.

Havia aquele encontro mais cedo com o Rafa que não me deixava relaxar, mas havia também o modo como a atual namorada do Guta me olhava... Se ela fosse capaz, acho que desejaria me desintegrar em pó ou fumaça, ou algo assim, apenas com o olhar.

Eu definitivamente não deveria ter vindo, por isso estava escondida durante uma festa na casa do Guta. Todos os nossos amigos se divertiam enquanto eu me escondia aqui, numa saleta escura em frente a uma prateleira com alguns livros.

Nunca pensei (completa)Where stories live. Discover now