A viagem de volta ao castelo de Hades foi nublada e silenciosa, apenas não pude soltar as mãos de Euro quando percebi o quanto ruim era a visibilidade. Sair depois do por do sol realmente tinha sido uma coisa estúpida e ele sabia tanto quanto eu. Finalmente visualizamos as grandes pedras, a água corrente e o pouso ocorreu sem maiores transtornos. Um suspiro ao pisar em terra firme seguido de um olhar intenso, forte e negro.
– Nossa conversa não terminou, quando todos dormirem vou até o seu quarto.
Queria dizer que não, gritar, ser rude... em vão. Não consegui dizer nada, apenas fiquei encarando sua partida, perdida. Não pude aproveitar melhor o momento, rápido o suficiente para que eu não percebesse e Hades apareceu na minha frente, rosto fechado como de costume. Seus longos cabelos vermelhos estavam flamejantes, olhos brilhando num sorriso diabólico.
– O bom filho a casa torna – disse encostando delicadamente numa grande pedra.
– Não tinha muitas opções, não é mesmo?
– Não seja cruel. Soube dos dias de amor com o queridinho do Olimpo, deprimente, quase me deixou chateado. Mas repensei, será mesmo o último momento de amor, não sou tão maquiavélico assim – gargalhou alto e estridente.
– Posso ir para o meu quarto?
– Claro, garota! Amanhã será um dia longo e preciso de você.
– Para o que exatamente?
– Preparativos para o dia D. O dia de matar o seu namoradinho – gargalhou mais uma vez, além de louco contava piadas idiotas. O fim do poço...
– Posso pelo menos dormir antes de sofrer pelo amanhã?
– Tudo bem, tenha bons sonhos e juízo, garota!
Não entendi a última parte, mas antes que questionar qualquer coisa Hades sumiu nas sombras. Por um segundo pensei que não encontraria meu quarto naquela confusão de corredores, felizmente minha memória cooperou e consegui achar tranquilamente. Estava tudo como da última vez que parti, apenas arrumado e com um aroma desconhecido, um possível perfume do vale da morte. Apenas corri para o chuveiro, deixando uma água gelada e purificante cair pelo meu corpo, levar tantos conflitos mentais, apenas relaxar. Quando estava colocando um vestido longo e branco, o que era algo mais próximo a uma camisola que encontrei no armário, ouvi passos no quarto. Por um momento cogitei que fosse alguma armadilha, algum plano maligno de Hades. Mas não, era apenas a promessa que tinha sido feita alguns minutos antes, abri a porta e o vi deitado na cama, tranqüilo e sereno.
– O que você quer, Euro?
– Disse que a conversa não terminou, você sabe disso tão bem quanto eu. Além disso te trouxe algo para comer.
– Estou sem fome – disse me encostando na parede, tentando ser natural.
– Senta aqui, menina, deixa de cerimônia, não vou te agarrar ou algo do tipo. Você sabe que precisamos conversar, não sabe?
– Sim – respondi sem me mover.
– Então senta aqui, vamos ser adultos e civilizados, te prometo.
Seu rosto estava iluminado pelo luar, os longos cachos negros envolviam sua pele, dando ainda mais destaque para a pele clara. Seus olhos transmitiam uma tranqüilidade até então desconhecida por mim, era mais que pacifismo, muito mais. Sentei na cama, encostada na parede, o mais distante possível de Euro. Ele foi para o chão, pernas cruzadas e cabeça recostada na cama, parecia desconfortável mas não tinha intenção de oferecer espaço na cama.