Capítulo 68

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Caminhei de volta para casa, a chuva tinha diminuído e o sol já abria um espaço no céu. Pude ouvir algumas risadas, certamente a reunião de Dona Agnes ainda estava longe do fim. Contudo minha cabeça não estava boa ao ponto de beber chá e fofocar sobre a vizinhança, queria ficar quieta, organizar mais uma vez a minha mente. Peguei uma longa colcha e rezei para que minha avó não me visse atravessar o grande corredor. Fui lentamente até a varanda e me joguei no grande banco de madeira.

A cena no banco da cidade tinha me deixado ainda mais desanimada, que homem ridículo! Mas obviamente esse era o menor dos meus problemas. Há meses sabia de Sebastian, Celena, Estélio, Zeus e do meu... meu filho. Não saber o que fazer era ainda mais agonizante, ter as mãos atadas por completo. Não sabia onde era o reduto dos deuses, Sebastian levava horas viajando de carro, nem me passava pela cabeça como ele fazia para chegar lá. Durante esses meses fui todos os dias até a velha cachoeira, sentia uma esperança no peito, aquele era nosso lugar, nosso santuário. Por que Sebastian não voltava? Será que nem Zeus poderia saber que recuperei minha memória? Se eu fosse num programa de TV e revelasse tudo, eles apareceriam para mim ou me deixariam ser internada num manicômio?

Sempre que começava a pensar nesse assunto sentia minha cabeça girar, girar e não chegar a lugar algum. Não adiantava pensar em algo, nada estava ao meu alcance. Mesmo que soubessem que eu tinha recuperado a memória, ninguém parecia interessado em voltar para me resgatar. Celena era tão minha amiga, Estélio sempre fora um irmão e Sebastian, por que ele não voltava pra mim? Senti as primeiras lágrimas brotarem incontroláveis. Nesses meses perdi as contas de quantas vezes tinha chorado naturalmente, me sentia uma tola sentimental.

– Leni! – dei um pulo do banco. Ao ver Davi tive vontade de expulsá-lo de casa.

– Precisa me gritar assim? – olhei fria e tentei parecer zangada, finalmente respirei e lhe dei um espaço no banco. – O que houve?

– Não sei ao certo, um cara foi até o antiquário agora a pouco, ele começou a perguntar sobre a casa, sobre quem morava lá. Até ficou interessado naquela escultura preta cintilante.

– Cabelo castanho e olho preto? – dei um pulo do banco, me desfiz da colcha e meu coração estava acelerado como nunca.

– Sim, o conhece?

– Não, bem, sim. O encontrei no banco, ele foi um completo imbecil, mas enfim. O que exatamente ele queria saber?

– Bem Leni, ele perguntou sobre os antigos donos, expliquei que meu pai tinha tratado mas que ele quase nunca vinha a cidade. Depois quis saber se a casa vizinha estava vazia, então expliquei que era minha. Ele até me deu um cartão, disse para eu ligar caso descobrisse algo sobre os moradores antigos.

– Cartão? Cadê? – dei um pulo exagerado e Davi me olhou de lado, por fim passou o cartão. – Euro... isso é nome de gente?

– Tem o numero dele, caso queira reencontrar o lunático.

Nem consegui terminar de ouvir Davi, dei um salto até meu quarto, precisava falar com aquele homem, algo no meu peito parecia querer sair. Davi logo me seguiu, parecia confuso, como sempre.

– Você vai mesmo ligar pra ele?

– Claro!

– Mas o que vai falar? Você conhecia o antigo dono? Sério Leni, aquele cara parece estranho. Se soubesse que agiria assim nem tinha contado – corri para perto dele, estava sentado na minha cama, então me ajoelhei casualmente diante dele.

– Você pode me achar louca, mas foi a melhor novidade da década. Tenho andado estranha, você mais do que ninguém vê meus surtos, mas por favor, confie em mim. Pode parecer loucura, mas isso é a única coisa palpável que tenho há meses.

Davi me olhou calmamente, seu semblante sério começou a se desfazer. Tocou minha bochecha com seus dedos longos e sorriu.

– Você nunca foi muito normal – sorrimos – só tome cuidado, esse cara é um desconhecido. Me promete que tomará cuidado?

– Claro! Juro que não vou fazer uma loucura, juro.

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