Capítulo 23

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<Atualizado>

Para minha própria surpresa, eu estava outra vez naquele estacionamento.

Completamente perdida, e sem a menor noção de para onde seguir dali em diante.

Decidi pensar nisso mais tarde, naquele momento eu precisava de um meio de locomoção, e aquele lugar, me oferecia as melhoras opções possíveis.

Dei alguns passos à procura de algum automóvel que eu pudesse usar, mas uma sensação me fazia crer que eu seria capaz de dirigir qualquer veículo que desejasse, e por todas as coisas desconhecidas que eu consegui realizar tão bem, resolvi acreditar que eu era capaz de mais essa.

Logo eu avistei uma Ferrari vermelha. A porta do motorista estava aberta, revelando um homem de cabeça baixa. Ao me aproximar, notei que o mesmo soluçava em meio ao pranto, com uma garrafa de Royal Salute Whisky em uma mão, e um cigarro na outra.

-Com licença...-Disse eu em um quase sussurro, tentando não alarmá-lo.

Não adiantou. Ele me olhou com uma expressão assustada, e se apressou para enxugar as incontáveis lágrimas espalhadas por seu rosto.

-O-Olá... Posso ajudar?

-Bem,-Recomecei tentando parecer simpática.-Eu que pergunto se posso te ajudar em algo. Precisa que alguém o leve para casa?

Dito isso, o homem voltou ao pranto. Soluçando ainda mais pesadamente, e cada vez mais alto.

-Senhor? Precisa de ajuda? Quer que eu chame a polícia?

-Escuta moça,-Ele disse ao se controlar, depois de longos minutos constrangedores.-Isso aqui foi só um descontrole da pouca humanidade que me resta. Sempre que eu bebo e me chapo ela revive como uma fênix, talvez eu deva parar de beber, mas essa ocasiões pedem por isso, não acha?

Algo naquele homem me intrigava mais que o normal. Enquanto ele me falava sorrindo com o semblante tristonho, algo na escuridão de seu olhar, me dizia que de alguma maneira, nós dois não estávamos sozinhos.

-Senhor me diga seu endereço, e eu o levo pra casa.-Tentei outra vez.

-Eu não tenho mais uma casa.

Sem entender nada olhei para o fundo de seus olhos, e pela primeira vez, ele olhou para o fundo dos meus também.

Vi cenas horripilantes do mesmo espancando a mulher e os filhos, assassinando os animais domésticos, e em seguida incendiando a casa.

Assim que as imagens desapareceram ele voltou a chorar.

-Merda, merda, merda, merda!-Ele gritava.

E aconteceu de novo. Meu corpo consumido pelo ódio, e minha alma clamando por sangue e destruição. Era como se eu fosse escrava daquelas emoções tão vivas e malignas.

Segurei-o fortemente pelo colarinho, olhando outras vez em seus olhos e revendo as cenas por vezes e mais vezes, me enchendo ainda mais de ódio, eu o atirei ao chão com uma força incrível.

Pude ouvir cada parte de seu corpo se contrair, e algumas costelas se quebrarem. Peguei a garrafa que o mesmo havia soltado no chão instantes antes, e a quebrei no piso do estacionamento. Peguei o caco mais afiado que consegui, e me aproximei outra vez daquele homem.

-Não July! Não faça isso comigo! Se eu voltar ele não vai ter piedade de mim!

A fúria que me habitava estava tão intensa, que eu mal prestara atenção à aquelas palavras, e o fato de um total desconhecido saber quem eu era.

Quanto mais ele implorava e tentava fugir, mais eu gostava e ansiava por aquilo. Por fim, sentei me em seu corpo ferido, causando mais fraturas, e sem a menor piedade, perfurei seus olhos.

Os gritos estavam ecoando por todos os lados, espalhando o desespero daquela criatura. E mesmo com todas as suas incontáveis tentativas de fugir de mim, eu sempre o detia e o feria mais.

Quando o mesmo por fim desistira de lutar pela própria vida, a minha diversão se foi, e senti que já estava na hora de partir. Me livrando do caco, que também ferira minha mão, entrei em seu belo carro e o liguei.

O som do motor pareceu reviver suas esperanças, e outra vez ele voltou a se debater como um animal indefeso. Sentindo a excitação voltar, dei a partida, e comecei a dirigir em círculos ao redor dele. O pânico estava a mil, e a essa altura eu gargalhava descontroladamente. 

Em uma das minhas voltas, eu o esmaguei, e ploft! Virou geleia.

Com o fim da minha diversão, saí do estacionamento, e segui dirigindo por toda a cidade. Por não ter a menor ideia de onde estava,  as coisas se tornavam incrivelmente divertidas.

Não saberia dizer quanto tempo levei naquilo, e tão pouco me importava, pois outra coisa chamou muito mais a minha atenção. 

Eu estava com o carro parado de frente à uma vasta floresta, que me parecia muito familiar. Desci do carro sentindo a adrenalina sair, e a curiosidade consumir meu interior.

Cada vez mais longe das ruas, e adentrando o lugar, eu avistei aquilo de que eu tanto sofri para me livrar. A minha antiga casa.

Ela estava iluminada, e com a aparência melhor do que eu jamais vira. Senti a garganta secar e a relutância de meu corpo em me aproximar, mas eu precisava daquilo, precisava mesmo.

A entrada da casa que antes me causava pânico, agora parecia bem cuidada, e parecia abrigar em seu interior "felicidade", aquilo que eu jamais conhecera.

Bati três vezes com o batedor, mas não recebi nenhuma resposta. Girei a maçaneta e para minha surpresa a porta estava destrancada. Paralisei ao ver o interior de meu antigo lar.

Era tudo perfeitamente arrumado e limpo. O cheiro de limpeza se fazia presente em contraste com o cheiro da comida recém preparada.

-Olá?-Me arrepiei ao ouvir minha própria voz rouca pela insegurança.

Fui até a escada para me dirigir ao andar superior. A madeira sequer estava rangendo, e isso me encheu de boas sensações.

Ao adentrar o corredor, ouvi sussurros desesperados vindo de um dos banheiros. Havia alguém ali!

Segurei na maçaneta, mas dessa vez minha mão tremia, e a incerteza se eu queria encontrar seja lá quem quer que estivesse ali, parecia me impedir de fazer algo tão simples.

Ouvindo as batidas do meu próprio coração, eu finalmente consegui, e pelo impulso de minhas emoções a porta se escancarou com um baque, revelando quem eu jamais imaginara estar ali.


Continua...




A Filha do DiaboWhere stories live. Discover now