— Ei — meu primo cutucou meu ombro. — Olha que mulher gostosa. — Lucas pronunciou o adjetivo como se estivesse dizendo ao Barack Obama que odeia os Estados Unidos: rebelde e inseguro. Ele era um pouco mais alto e forte que eu, os cabelos castanhos precisavam de um corte, bagunçados em um ninho no alto da cabeça. Ao contrário dele, meus cabelos loiros e dentes brancos estavam perfeitamente alinhados, conforme a demanda do Senhor Almeida.

A mulher gostosa se levantou, exibindo peitos gostosos apertados muito gostosamente dentro de um decote gostoso. Ela apoiou os braços no balcão e sorriu para nós. Lucas cutucava minha cintura e retribuía o sorriso como se aquele fosse o melhor dia da vida dele.

— Bem-vindos ao Refúgio do Sossego! Vocês têm reserva? — meu pai colocou uns papéis sobre a mesa. A gostosa arrumou os cabelos e fez beicinho ao reparar nele. — Muito prazer, senhor... — ela analisou o nome do cartão de crédito — Julio Almeida. Eu sou Catarina, mas pode me chamar de Cat. E qual o nome dessas duas fofuras?

—Muito prazer, senhorita. — meu pai estendeu a mão e se posicionou diante do balcão de maneira que eu e meu primo não conseguíamos mais ver a Catarina Gostosa. — E os dois moleques já estão com doze anos de idade, não é preciso chamá-los "fofuras". — o aperto de mão durou até o fim da frase.

Montamos a barraca em meio a várias outras, meu pai xingava toda vez que algo dava errado e olhava para mim como se eu fosse culpado. Quando os nossos "aposentos" ficaram prontos, ele saiu caminhando à procura de algum canto onde o celular processasse os dados de internet. Não se contentou até descobrir a senha do wifi do chalé administrativo.

O colchão era fino e a grama pinicava minhas costas, mas eu estava tão cansado quando fomos dormir que não me incomodei. No meio da noite, acordei enquanto meu primo cutucava meus braços, eufórico.

O que você quer, porra? — resmunguei, encostando o rosto na poça de baba que eu deixara no travesseiro.

— Seu pai! Seu pai acabou de sair daqui. — abri os olhos e vi que o colchão dele estava desocupado e o zíper da barraca fechado até a metade.

— Ele deve ter ido checar as notificações do celular, Lucas. Vamos voltar a dormir.

— Claro que não! Ele foi fazer s-e-x-o com a gostosa. Você reparou em como eles se olharam? Parecia que os mamilos dela iam explodir para fora da blusa!

— Eu não me i-m-p-o-r-t-o.

— Vamos espiar. Vamos, Bernardo! — Lucas foi um pré-adolescente muito fogoso. Levava edições da Playboy escondidas para o colégio e se masturbava nos intervalos entre as aulas.

— Cale a boca, cara. Vamos dormir.

Não adiantou. Lucas estava acordado com a lanterna na mão e uma perna para fora da barraca. Bufei, estressado, mas o acompanhei. Atravessamos o campo gramado, em silêncio, até o chalé administrativo. Entre uma barraca e outra, escutávamos roncos, risadinhas e pedidos de silêncio. No chalé de Catarina, uma luz estava acesa. Conforme chegávamos mais perto da janela, descobri que meu primo estava c-e-r-t-o.

O primeiro capítulo da história de amor entre Julio Almeida e Catarina "Gostosa" começou sobre o balcão de madeira daquele chalé. Cinco anos depois, dormindo na praça de alimentação do Colégio São Dimas, sonhei que risquei um fósforo e queimei cada centímetro do Recanto do Sossego.

* *

Não haviam cortinas na praça de alimentação, então fomos acordados pela luz quente do sol (e também por Leôncio, que resmungava no alto-falante). Os alunos já estavam autorizados para voltar aos dormitórios e estudar. Enquanto eu transitava da praça para os quartos, escutei um "Psiu".

Olhei para o lado e lá estava Maia. Minhas pernas bambearam de alívio ao ver que estava tudo bem com ela. Mais bem do que nunca, pois ela estava radiante. Usava um vestido branco até os joelhos, os cabelos muito bem penteados e uma bolsa preta pendendo em seu ombro. Estendeu a mão e me arrastou até o corredor vazio entre a cozinha e a praça de alimentação.

— Minha mãe está vindo me buscar. Fui oficialmente expulsa. — Maia riu, exibindo seus dentes perfeitos, tão brancos quanto o vestido.

— O que? — meu coração acelerou. — Maia...

— Não fique triste. — ela pegou a minha mão, meus olhos já estavam marejados. — Eu sei que estávamos nos aproximando muito e... Você é um cara muito legal, Bernardo. Por favor, não chore.

— Eu só... não quero que você vá embora.

— Eu sempre odiei este colégio, Bernardo. — ela apertou minha mão com mais força, enquanto a primeira lágrima escorreu pela minha bochecha. — Não gosto de ser limitada. Eu não nasci para ser limitada às malditas grades deste local. Ou limitada à uma religião, à uma mãe famosa, à um quarto maldito. Ou... à um namorado. Eu me afastei de você nos últimos dias porque não queria que você sofresse quando eu fosse embora. Sei que nos conhecemos há pouco tempo, mas eu também me apeguei à você. Acho que minha mãe vai me matricular em algum colégio fora do país. Tenho outros sonhos, sabe? Fazer compras em Milão, em Barcelona. Beijar algum cantor do One Direction. Quem sabe, um dia, ter meu nome na calçada da fama? Sair da sombra da minha mãe! — os olhos de Maia também estavam marejados, mas ela sorria. — Por favor, diz alguma coisa.

— Eu acho que você está certa. Você tem que ir. — eu disse, controlando minha respiração — Você não disse "tipo" nenhuma vez neste discurso todo. Acho que... essa ausência de conjunção significa que você... Você tem certeza do que está falando. — enxuguei o olho com as costas da mão. — Eu vou ficar bem. Estou aqui há uma semana, farei outras amizades...

— Ficará com outras garotas...

— Tudo bem, ficarei com outras garotas. — respirei fundo e puxei Maia para perto. Beijei a boca dela com uma ternura que, até então, não tínhamos experimentado.

— Não precisamos chorar. Não é como se estivéssemos, tipo, apaixonados.

— Você não tem tanta certeza assim do que está falando. — sorri.

— Não mesmo. —nós rimos juntos. — Mas... Antes que eu vá embora. Há algo que eu preciso te dar. Pare de pensar besteira, babaca. — ela abriu a bolsa preta e retirou um caderno com uma capa marrom desgastada. — Felipe vai me odiar, mas encontrei isso durante a minha estadia no quarto 56. Acho que você vai se interessar. — peguei o objeto em minhas mãos e, antes que eu pudesse perceber o quera, Maia completou: — É o diário de Anita. 


A Última Gravata VermelhaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora