and i may never open up the way i did for you

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— Tudo bem. – Autumn diz, compreensivamente, e imagino que ela esteja falando baixo porque acha que não estou ouvindo. De repente, me sinto o pior pai do mundo. — Obrigada por tentar, senhora Jenkins.

— O prazer foi todo meu, querida. – Ela suspira, e então abraça minha filha pelos ombros, ficando por um tempo ali quando finalmente a solta. De longe, finjo não ver, mas sinto uma tristeza implacável invadir o fundo do meu estômago. — Avise se mudar de ideia, está bem?

A minha garotinha de olhos azuis e cabelos loiros – iguais os da mãe dela, infelizmente para mim – assente, e então vira-se na minha direção com um sorriso forçado. Ela junta as coisas que retirou do armário com uma mão só, como faz todos os dias na hora em que aparece no carro, quando vou buscá-la, e caminha até onde estou, um pouco sobrecarregada demais com todas aquelas bolsas. Eu a ajudo sem pensar.

— Tudo bem? – Pergunto, quando saímos do ginásio, porque ela não esboça uma reação de animação sequer. — Pedi para Dana fazer mac and cheese para nós.

— Adoro mac and cheese. – Responde, sem muito entusiasmo.

O caminho do ginásio para a nossa casa é longo, mas, por incrível que pareça, naquele dia em específico acontece em silêncio. Aquilo é uma novidade; quando voltamos do treino, Autumn está sempre tagarelando sobre o que conseguiu ou não fazer durante aquela tarde, quem errou a coreografia e precisou pagar cinquenta flexões ao final dos exercícios e quem acertou mais desmontes nos aparelhos. Nada disso é pauta daquela vez, no entanto, e a quietude me deixa um pouco perturbado a ponto de puxar assunto.

— Você estava arrasando na trave de equilíbrio, hein?

— É.

Monossilábica, tudo bem. Essa é novidade. Limpo a garganta, pensando em quando tive que começar a lidar com uma pré-adolescente, e então respiro fundo, encorajado a tentar de novo.

— As tranças da sua amiga estavam bonitas hoje. Como é o nome dela? Nikayla?

— Nicole. – Autumn me faz uma careta irritada. — Foi a mãe dela que fez.

Pode ser coisa da minha cabeça – provavelmente é, uma vez que o assunto nunca foi exatamente um problema entre nós dois –, mas percebo uma ênfase na palavra "mãe" que me deixa levemente incomodado, como se o fato de eu não ter permitido que ela fosse naquele show idiota tivesse tudo a ver com a questão dela não conhecer a mãe. Bom, para ser sincero, até que tinha, mas Autumn não tinha como saber. Eu nunca havia contado para a minha filha sobre quem a mãe dela era de verdade. 

Provavelmente era melhor assim.

— Auts – Chamo pelo seu apelido carinhoso quando paramos num farol vermelho, voltando meus olhos para ela. —, o que está acontecendo? Quer me contar?

Ela hesita. Recosta-se no banco, e tenho a sensação de que está prestes a explodir em gritos, mas, ao invés disso, ela segura uma careta e, quando menos espero, está chorando. Não chorando do tipo, algumas lágrimas descendo, chorando copiosamente, com o rosto vermelho e uma cascata descendo de suas orbezinhas lindas.

Sinto como se pudesse morrer ali mesmo.

— Eu queria tanto ir com minhas amigas! Por que você não me deixa ir? A tia Lindsay é legal, e ela é responsável, e eu queria que ela pudesse me levar para um dia só de meninas porque...

Deus do céu. Acho que vou despedaçar. Lembro das palavras de Taylor naquela mensagem idiota e aperto o volante com força, amaldiçoando-a até a sua primeira geração. Por que ela tinha que ser a popstar mais famosa do mundo e estar na mira de garotinhas de dez anos? A minha vida já não era complicada o suficiente, porra?

— Filha – Limpo a garganta, tentando me concentrar em não bater o carro, em acalmar minha criança e em não ter um infarto fulminante ao mesmo tempo. —, Autumn, olha só... Um show é... Perigoso. E se você se machucar?

Ginástica é perigoso, pai. – Ela tem um ótimo argumento, e odeio Taylor só mais um pouquinho por ter claramente lhe fornecido os genes da inteligência. — Só quero ouvir música com as minhas amigas. Por favor, me deixe ir, elas têm o ingresso.

— A questão não é o ingresso, Autumn. – E não é mesmo, porque tenho certeza de que se Autumn pedisse, a julgar pela mensagem que ela havia enviado, Taylor faria um show extra em Kansas City se isso significasse fazê-la ir. — É que... Essa mulher é uma estranha, e eu não posso deixar que você saia para um estádio com mais de cinquenta mil pessoas com alguém que não conheço.

— Tia Lindsay não é uma estranha! – Minha filha parece ofendida. — Ela me conhece desde que tenho quatro anos, quando entrei na ginástica! Eu e Hailey estamos no mesmo time desde tipo, sempre.

É mesmo? Penso, e de repente me sinto um pai ainda pior por nunca ter me dado conta disso. Fico em silêncio, reflexivo, e é bem nesse momento que Autumn solta um suspiro, como se estivesse prestes a desistir.

Mas é a frase que ela murmura no segundo seguinte, sem muitas intenções, que se torna o golpe baixo. O final.

— Eu só queria que minhas amigas soubessem que também sou normal e que me divirto fazendo coisas de garota, mesmo que não tenha uma mãe.

Eu poderia lhe fazer um discurso sobre como, em pleno dois mil e vinte e três, não deveria mais existir aquele conceito divisionário de "coisas de garota" e "coisas de garoto" entre os jovens. Sabe, garotos também podem ir assistir ao show da sua mãe, eu gostaria de poder dizer. Mas a questão era exatamente essa: Autumn não tinha uma mãe, ou pelo menos achava que não tinha, e eu nunca poderia fazer a minha filha feliz se não consertasse isso parcialmente. Se ao menos não tentasse suprir as lacunas dessa ausência.

Como você deve imaginar, ela me convenceu. Naquela noite, liguei para Lindsay assim que cheguei em casa, me desculpando pela grosseria e perguntando se ela ainda estaria disponível para levar Autumn com Hailey ao show. Ao telefone, a mulher me pareceu animada, muito feliz por eu ter permitido que  a minha filha se divertisse, e combinamos de eu ir deixá-la em sua casa às nove da manhã, para que as garotas se arrumassem juntas no dia seguinte.

Naquela noite, fui obrigado a lidar com meus demônios. E, justamente por isso, tentando exorcizá-los eu mesmo, deletei a mensagem de Taylor antes de ir dormir.

Era melhor assim.

invisible string (taylor swift)Where stories live. Discover now