Capítulo 35

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                             Marília.

Tomamos um banho breve, mas com todos os cuidados possíveis para não borrarmos a maquiagem. Maiara ainda está no banheiro, acabei vindo para os fundos porque o Murilo me ligou três vezes.

Suspiro fundo, com a mão massageando minha têmpora. Ouvi-lo, ultimamente, tem sido constrangedor.

— Sim, amor. Eu só quis me prevenir, a Marcela sempre se suja. - Estou olhando para o céu estrelado, pensando em mil e uma coisa, exceto em sua preocupação. — O pneu furou, eu tive que vir até a borracharia. Esse carro está insuportável de tão ruim. Precisamos trocá-lo. - É a única coisa que consigo falar para tentar justificar a minha demora.

Olho para trás, com a sensação de não estar sozinha, e realmente não estou. Maiara está com a cabeça apoiada na soleira da porta, me olhando como se tentasse entender algumas coisas. Meu coração se aperta ao vê-la, não queria que ela tivesse que lidar com isso.

Fico alguns segundos olhando-a, buscando acalentar seu olhar perdido. Às vezes queria ter o poder de não sentir nada, assim seria fácil dissipar algumas coisas.

— Em 10 minutos chego ai. - Desligo o celular e coloco-o na minha bolsa.

Me aproximo dela, colocando uma mecha do seu cabelo atrás da sua orelha. Será que sou um ser desprezível por fazê-la sofrer?

Seus olhos estão fixados aos meus, e eu não consigo formular nada, apenas sentir. Ela me olha misteriosamente, mas tão explicitamente que consigo captar tudo.

Eu te amo. - diz, transformando seu semblante em tristeza. Seus olhos antes misteriosos agora estão marejados. — Não queria te amar, mas eu amo. Eu amo você, Marília.

— Maiara… - Meus dedos deslizam sob seu rosto, sob sua pele tão macia. — Não diga que não queria me amar, isso me machuca.

— Me machuca amar alguém que não me pertence também, Marília.

— Por que eu não pertenceria a você? Eu posso ter mil defeitos, mas ainda sim sou sua.

— Porque você é dele. Porque você é casada. - Ela repete tanto isso, mas o meu coração mesmo assim se retrai todas as vezes em que escuto-a dizer.

Você me esperaria? - A pergunta a faz me olhar novamente.

— Não sei. O tempo é cruel. A possibilidade é mínima. São anos de relacionamento…

Você me esperaria se eu te afirmasse que eu te espero todos os dias mesmo sabendo que eu quem tenho que ir até você? - sussurro.

Eu te esperaria, mesmo sabendo que você não viria. Essa é a nossa diferença.

Recaio os meus olhos para os meus pés, sentindo a ardência em meus olhos. Passo por ela e sigo até a porta. Destravo o carro e agarro fortemente o volante em minhas mãos.

Que vontade cruel de largar tudo e viver o impossível. Porque é isso que somos: impossíveis. Não há probabilidade em tudo isso dar certo, não há. Sou mais velha do que ela, tenho uma filha de apenas quatro anos que tem dependência no pai. Sou casada. Como isso tudo aconteceria sem que eu arruinasse ao menos duas pessoas? Improvável.

O silêncio é o som mais gritante. Maiara não fala nada, apenas permanece com o olhar fixo na direção. Estaciono o carro e ela sai, sem ao menos falar comigo. Sem ao menos me beijar, mais uma vez. E era isso que eu queria agora, um beijo dela.

Espero alguns minutos até, por fim, entrar no salão de festa. Estão todos espalhados, as luzes baixas. Escorrego meu olhar pelas pessoas até encontrar a minha filha que vem correndo em minha direção. Me abaixo e pego-a no colo. E, inesperadamente, ela beija meu rosto, deixando os resquícios do provável bolo que ela estava comendo.

Na ponta do Salto - MAILILAWhere stories live. Discover now