Capitulo 33

430 65 18
                                    

A noite caía lentamente, envolvendo a cidade em tons de azul profundo. Estava diante do espelho, delineando os olhos com um traço cuidadoso de delineador. O silêncio reinava na sala, apenas interrompido pelo sutil som dos meus passos enquanto eu me movimentava, nervosa, pelo cômodo.

A escolha do vestido era crucial. Optei por um tom discreto, mas elegante, algo que refletisse a seriedade da ocasião, embora meu coração pulasse descompassado, tumultuado pelos sentimentos que teimavam em se esconder sob a máscara da calma. Afinal, eu estava prestes a adentrar o universo acadêmico de Maiara.

Enquanto ajustava os últimos detalhes, meu olhar no espelho encontrou o retrato de uma mulher determinada, mas com uma pitada de incerteza nos olhos.

Minha filha, alheia aos meus preparativos secretos, estava concentrada em seus próprios rituais. Murmúrios de inquietação escapavam de sua boca, revelando a ansiedade que também a consumia.

- Titia Mama! - Marcela disse, balançando seu vestido, com as mãozinhas em cada lado da cintura. - Vou ver a laranjinha.

Sorri diante da citação, e lembrei-me do primeiro dia em que a vi. Seu cabelo ruivo, caído sob seus ombros, indicando a sua forte presença. Nunca confessei a ela, mas sempre achei a sua presença marcante e inconfundível. E, todas as vezes em que nos víamos, eu sentia meu estômago retrair, alertando-me da sensibilidade contínua que ela despertava em mim.

Ao finalizar a maquiagem, deslizei os olhos pelo retrato refletido. Aqueles mesmos olhos já haviam encontrado os de Maiara tantas vezes, mas agora, entre nós, pairava uma distância insuperável.

E eu não posso simplesmente condená-la, não. A situação é complicada, requer algo de mim que eu não consigo doar. E a certeza de que posso perdê-la a qualquer momento, me dói. Quebra-me em pedaços pequenos. Oras, como posso simplesmente me divorciar e assumir uma mulher? Sendo que, durante toda a minha vida eu fui hétero - até o momento em que a vi. Além do mais, ela é filha de um dos meus melhores amigos.

Como irei viver com a incerteza de não tê-la?

Caminhamos juntos em direção ao evento que selaria o destino das nossas relações. Ao entrar na sala, os murmúrios das conversas e risadas preenchiam o espaço, mas meu olhar buscava apenas um rosto. Os últimos bancos, estrategicamente escolhidos, proporcionam o distanciamento necessário.

Enquanto Maiara subia ao palco, meu coração batia descompassado, uma sinfonia nervosa que ecoava em meus ouvidos. Os olhos, fixos nela, viam não apenas a conquista acadêmica, mas um turbilhão de emoções que se desenhavam em sua expressão. Um nó se formou em minha garganta, apertando a cada passo que a aproximava do microfone.

Quando nossos olhares se cruzaram, foi como se o tempo congelasse. Uma mistura de surpresa e reconhecimento reluziu por um instante em seus olhos, mas a barreira entre nós permaneceu intacta. Senti o peso da distância que construímos em nossos corações.

O desconforto visível em Maiara era palpável. Seu olhar desviava, evitando uma conexão mais profunda, e eu lia a hesitação em seus gestos. Cada palavra pronunciada em seu discurso ecoava como um eco distante de momentos que compartilhamos e que agora pareciam tão distantes.

Ao mencionar agradecimentos, o nó em minha garganta apertava ainda mais. Maiara expressava gratidão à sua família, mencionando seu pai, irmã e, principalmente, o "atual". Uma sensação agridoce envolveu meu ser, um amargo sabor de resignação, misturado à doce lembrança de um passado que, por um breve momento, parecia se sobrepor ao presente.

— A meu pai, que sempre acreditou em mim quando eu duvidava de mim mesma. - continuou, um sorriso forçado nos lábios. Cada palavra era um fio tênue que conectava passado e presente. — E à minha irmã, cujo apoio inabalável foi meu refúgio nos momentos difíceis. - prosseguiu, a voz oscilando levemente. A lembrança de laços familiares apertava meu coração. — Agradeço também ao meu atual companheiro. Henrique, por estar sempre ao meu lado. - pronunciou com um olhar que, por um breve momento, cruzou o meu, criando uma ponte frágil entre duas realidades distintas.

Não conseguia pensar em nada se não na ideia de Maiara e Henrique juntos, novamente. O nó era sentido por mim, e nitidamente sentido por ela. Nossos olhares descreviam a dor, que transpassa através da linha invisível que nos interliga.

— Este é um marco não apenas na minha jornada acadêmica, mas na construção de quem sou. Agradeço a cada desafio que enfrentei, pois foram eles que moldaram minha resiliência. - disse, enquanto meu coração pulsava somente ao olhá-la. — Obrigada a todos que acreditaram em mim, mesmo quando eu mesma hesitei. Este é o resultado do esforço, perseverança e do apoio daqueles que amo. - concluiu, e os aplausos preencheram o espaço.

Mas a minha mente permanecia imersa nas palavras, emaranhada em uma teia de emoções não resolvidas.

Segurando a taça de champanhe entre os dedos, observei Maiara do outro lado da sala, conversando animadamente com Henrique. Cada gole parecia um esforço para afogar a inquietude que crescia dentro de mim. Seus olhos encontraram os meus por um instante, uma troca rápida de olhares carregada de significados não ditos.

A vontade de ir até ela crescia a cada segundo, mas uma barreira invisível me mantinha nos limites dos últimos bancos. Maiara, imersa na conversa com Henrique, parecia alheia à minha presença,e a cada riso trocado com ele era como um eco distante.

Inesperadamente, Maraisa surgiu ao meu lado, quebrando o silêncio tenso que me envolvia. Nossos olhares se cruzaram, e um sorriso forçado brotou em meus lábios enquanto tentava disfarçar a turbulência interna.

— Até que enfim te conheci. - disse Maraisa, apertando minha mão educadamente. — Sei da história de vocês.

Olho para ela, um pouco assustada, e engulo em seco. Depois, viro todo o champanhe na boca, sentindo em meu âmago todo o medo reprimido ao ouvir sua fala.

— Não se preocupe, sou boca de túmulo. - Ela acaricia meu ombro. E é estranho, afinal, nunca conversei com ela. — Maiara não ama o Henrique.

Por que está me dizendo estas coisas? - Encontro seus olhos. Estou realmente confusa com todas essas confissões.

— Porque somente os burros não notam a troca de olhares de vocês duas. - sussurra, me olhando fixamente. — Porque é nítido que vocês se gostam. Porque a Maiara ama você, Marília.

Meu coração, por zepto segundo, paralisa. Não consigo sentir nada além do formigamento que possui meu corpo. Estou paralisada. Tento engolir a saliva, mas não consigo. Estou petrificada diante do que ouvi. Meus olhos estão paralisados sobre a mulher que domina todos os meus sentimentos.

A ideia dela me amar é... incompreendida. Não acredito nesta possibilidade.

— Não fale besteiras, Maraisa. Maiara e eu... Não, impossível! - Dou de ombros, erguendo o olhar, enquanto sinto a dificuldade em engolir qualquer gota que seja. — Impossível! - Sussurro, diversas vezes.

— Um dia você irá perceber, Marília. Só espero que não se demore. - disse, me olhando fixamente.

De repente, Maiara, ao perceber que Maraisa estava conversando comigo, deixou Henrique e se dirigiu até nós. A tensão no ar era palpável quando as duas irmãs começaram a trocar palavras, uma conspiração silenciosa que não me cabia totalmente.

Num movimento inesperado, Maraisa, com um olhar cúmplice, afastou-se, deixando-me a sós com Maiara em um canto mais distante da festa. O silêncio entre nós era quase ensurdecedor, mas também carregado de uma eletricidade que indicava que algo, finalmente, estava prestes a ser revelado.

Na ponta do Salto - MAILILAOnde as histórias ganham vida. Descobre agora