Era tudo mentira.

Todos sabem que o chefe da nossa família é um monstro.

Todos deixaram que eu amargasse a culpa da morte de Cecília.

Fui traído por aqueles em que mais confiava.

E nenhum deles está disposto a enfrentá-lo.

Meu pai.

Me viro num rompante, precisando extravasar essa energia caótica que corre pelas minhas veias. Meu punho encontra a parede de azulejos com força demais. E, apesar da dor, tenho vontade de dar mais dez socos contra essa parede até quebrar todos os ossos da minha mão.

Mas não posso.

Não posso sair desse quarto como se eu fosse um louco raivoso. Afinal, Letícia ainda está aqui. Me esperando. E a última coisa que eu preciso é que ela tenha medo de mim. Ainda mais depois de tudo o que ela descobriu sobre a minha família.

Saio do quarto usando uma calça de moletom e uma camiseta branca. Apesar de serem quase quatro horas da manhã, o apartamento está com um cheiro delicioso de café.

Depois que Letícia me contou tudo o que sabia, eu disse a ela que precisava de um tempo para pensar. Ela começou a recolher as fotos, o diário e pediu uma roupa para ir para casa, mas eu não a deixei ir. Pedi que ficasse.

Eu precisava mesmo organizar meus pensamentos sozinho, mas, ao mesmo tempo, não a queria distante de mim.

Não consigo explicar o motivo.

Deve ser porque a última garota que se envolveu com a minha família terminou no fundo de um lago.

Quando chego à sala, eu a encontro encolhida no sofá, com o diário sobre as pernas e uma xícara de café na mão. Os cabelos estão molhados, o rosto sem nenhum resquício da maquiagem da festa. Letícia veste uma calça de pijama minha e uma blusa de manga comprida preta. Me pergunto se está usando a cueca que deixei para ela no quarto de hóspedes. Esse não é o melhor momento para pensar nisso, muito menos para reparar que ela fica estranhamente sensual com as minhas roupas.

A noite nem terminou, mas parece que se passaram dias desde que saí desse apartamento achando que essa seria uma noite especial apenas porque eu iria apresentar a minha namorada à minha família.

Merda, eu não fazia ideia.

Os olhos azuis de Letícia me observam enquanto eu vou até a cozinha e me sirvo de uma xícara de café.

Quando retorno, ela parece concentrada no diário.

Ficamos em silêncio, apenas apreciando o café forte que ela fez. Gostaria de dizer algo que a reconfortasse, que organizasse o caos ao nosso redor, mas não faço ideia do que dizer.

Estou tão magoado e com tanta raiva que preciso me lembrar a todo instante que Letícia não me deve fidelidade.

Merda, ela não me deve nada.

Ela entrou nessa para me destruir e foi a única pessoa capaz de me contar alguma verdade.

Acendo um cigarro, algo que só faço quando estou a ponto de surtar, e vou para a varanda.

A lua se escondeu atrás das nuvens e mal consigo ver o lago.

Eu choraria agora, se não tivesse me sentindo tão vazio.

A sensação é de que experimentei todos os sentimentos de uma vez e, agora, nunca mais vou sentir mais nada.

Demoro a reagir quando sinto as mãos de Letícia ao redor da minha cintura. Ela apoia a testa contra as minhas costas. Ficamos assim por longos minutos, até que ela diz: – Eu sinto muito, Matias. Se eu soubesse o homem que você é, eu jamais teria... Revirado o seu passado dessa forma.

Por tudo o que você fezWhere stories live. Discover now