57. Letícia

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De volta ao meu sótão na casa da minha avó, depois de um banho e pelo menos dois relaxantes musculares para tentar aliviar a dor no meu pescoço, me deito na cama e me cubro, fingindo que vou conseguir dormir

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De volta ao meu sótão na casa da minha avó, depois de um banho e pelo menos dois relaxantes musculares para tentar aliviar a dor no meu pescoço, me deito na cama e me cubro, fingindo que vou conseguir dormir. Além do fuso diferente, minha cabeça está girando com os acontecimentos dos últimos dias. A confissão de Matias não sai dos meus ouvidos.

"Eu desisti".

O que ele quis dizer com isso?

Pelas coisas que ele me disse, a culpa em relação a Cecília é óbvia. Como aponta o diário, Matias é responsável pelos sentimentos da minha irmã... Mas essa frase vai contra o que eu esperava.

Já li e reli esse diário tantas vezes e, em todas elas, tive certeza de que a culpa de Matias era calcada em uma ação, algo que ele fez, o modo como ele a tratou, uma agressão, uma violência.

Desistir não é nada disso.

É justamente o contrário.

Desistir é a não-ação, é deixar livre, solto.

E não é isso que ela sentia quando escreveu as últimas páginas.

O celular vibra com uma mensagem e nem reparo quando um sorriso estampa meu rosto. É uma foto de Matias, também deitado na cama dele, sem camisa e com um braço casualmente atrás da cabeça.

"O que estou fazendo aqui sem você, Diabinha?"

Eu também não sei.

Tenho vontade de jogar esse diário no lixo, esquecer esse plano idiota e correr para os braços dele.

Mas me recuso.

Não posso esquecer quem eu sou. Posso não ter família além da minha avó, mas um dia eu tive. Meu pai, minha mãe e minha irmã viveram bem aqui nessa casa. E a falta que eles fazem dói até hoje no meu peito. Ninguém nunca pagou por todo o sofrimento que eu passei, que eles passaram...

E agora, mais do que nunca, eu preciso saber exatamente o que aconteceu, porque tudo o que Cecília escreveu aqui não tem nada a ver com o homem que está me mandando mensagem nesse exato momento.

Não pode ter.

Uma pessoa não conseguiria mudar tanto...

Vejo no MB que Cecília descreve traços do Matias de hoje. Vejo que ele se preocupa com ela, com o abuso das drogas, com a influência das companhias... No entanto, o que está no final do diário prova um MB totalmente diferente. Eu nunca tinha desconfiado dessa mudança. Sempre achei que, no início, estava lendo as palavras de uma adolescente iludida que ainda não tinha identificado as características de um agressor.

Mas, agora...

Merda.

Eu não sou uma adolescente iludida.

Sou uma mulher adulta, que se envolveu tendo os instintos bem alertas.

Eu estava procurando qualquer sinal de agressividade, seja por palavras, toque ou atitude.

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