capítulo 64 | Lucius Callahan

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Levar aquela árvore de natal estupidamente grande que o meu tio comprou para dentro da casa foi o menor dos nossos problemas, o maior problema foi achar um lugar para colocar aquilo, acabamos derrubando alguns quadros e arranhando a parede com as pontas da árvore. E tinha tanto tempo que eu não entrava na casa do meu tio que até estranhei uma vez dentro daquele lugar imenso.

Eu cresci nessa casa, foi o único lugar que pude e ainda posso chamar de lar. E por isso foi estranho estar lá e perceber que senti falta daquele lugar e de momentos juntos com meu tio sem nem mesmo saber, me dando conta somente quando passamos essas últimas horas juntos carregando a árvore, arrumando um lugar para ela e limpando a zona que aquilo ficou, que esse lugar foi uma espécie de porto seguro quando criança e durante os anos seguintes porque Marcus fez com que eu me sentisse protegido aqui dentro com ele. Acho que independente do tempo, de quantos anos passassem, eu sempre me sentiria em casa aqui, e com ele.

— É, ficou legal — Marcus se alegrou ainda mais ao declarar aquilo, dando alguns passos para trás para observar a árvore na quina do canto direito da sala, do lado da grande parede de vidro com vista do gramado e da pequena floresta que eu costumava passar horas admirando, adorava olhar todas as árvores e o verde, e ficar lá fora, porque quando estava com eles, eu nem podia sair da casa, vivia trancado a sete chaves no escuro. A liberdade que meu tio me deu e me ensinou a apreciar foi algo que o Lucius que morava com aqueles crápulas nunca pôde sequer sonhar se existia.

A árvore de natal que meu tio comprou era falsa, mas olhando de longe poderia facilmente ser confundida com uma de verdade, especialmente pelo tamanho.

— Que cor? — Marcus me pergunta.

— Que cor do quê? — pergunto de volta, cenho franzido, parando de admirar aquela janela como se fosse a primeira vez que via ela.

— Para as bolas de natal. Que cor acha que vai combinar? — pergunta, me olhando.

— Prata? — pergunto, sem a menor ideia de como deveria "montar" uma árvore de natal e que cor ficaria melhor ali.

— Prata, dourado, vermelho, azul, verde...— ele foi anotando em um bloco de anotações, onde enxerguei várias outras anotações de itens natalinos que o mesmo pretendia comprar, na página anterior tinha o nome de alguns pratos de comida e eu fiquei pensando em quantos natais ele quis fazer tudo e não fez.

— Faz logo um arco-íris — murmurei, e ele riu.

— É capaz...— concordou.

— Vamos. Te deixo no bar, vou passar em uma loja para comprar mais algumas coisas — Marcus falou já andando em direção ao corredor de entrada, eu o segui, já ansioso para voltar.

— Qualquer coisa é só me chamar — Falo quando estamos dentro do carro, ele concorda e sorri antes de dar a partida e se afastar da frente da casa, descendo pelo caminho estreito da pequena estrada entre as árvores, esse caminho que eu nunca me cansei de trilhad. Todas aquelas árvores imensas ao redor. Os pássaros e borboletas.

Na primeira vez em que Marcus me trouxe para a sua casa eu não sabia para onde olhar, fiquei fascinado por ver tantas árvores, tantas cores e sentir um ar tão puro, um ar que não tinha o cheiro de podridão, ou do cigarro, maconha e todas aquelas drogas. Eu não conhecia nada do mundo, do mundo de verdade, só do mundo assustador que me fizeram acreditar que existia, não sabia ler nem escrever quando eles morreram, então tudo ao meu redor, tudo que vi pela primeira vez fora daquela prisão, ou me assustava ou me fascinava. As pessoas me assustavam, me apavoravam, mas o mundo me fascinava ao ponto de eu perder horas sozinho apenas admirando, contente por ter tantas coisas lindas para olhar sem que tirassem aquilo de mim.

Heart ProblemsWhere stories live. Discover now