capítulo 15 | Lucius Callahan

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A primeira vez que me tocaram. A primeira vez que estranhos me tocaram foi a primeira vez que eu fui abusado. Eu não tinha a menor ideia do que estava acontecendo, não tinha a menor ideia de porquê estavam fazendo, mas eles eram iguais aos meus pais, eles continuavam quando eu pedia para pararem, eles me batiam quando eu chorava e tornavam pior se eu implorasse para que acabassem.

Primeiro eu senti confusão e depois veio aquele medo com pânico, o desespero, e o que restava no fim era dor e o nojo, nojo deles mas acima de tudo eu sentia nojo de mim mesmo, anos e anos sentindo esses mesmos sentimentos. Era esse nojo que eu sentia sempre que me lembrava, me olhava no espelho, e agora era esse nojo que eu estou sentindo agora, em cada cédula do meu corpo.

Eu queria ter me esquecido de tudo isso. De todas as memoriais que eu tenho deles quando cresci, eu queria ter ficado tão traumatizado ao ponto em que a mente bloquearia todas as lembranças do horror que aquilo era, assim seria mais fácil. Mas as coisas não eram fáceis para mim desde antes de eu nascer que ao invés de esquecer eu me lembro, lembro de cada detalhe e cada sentimento. Lembro de tudo.

Coço a cabeça tentando afastar tudo isso mas essas merdas continuam voltando. Aquelas pessoas me tocando, sentindo prazer, gargalhando. Meus pais ali, assentindo, permitindo, concordando, debochando, me traumatizando. Faça ele chorar mais. Ele está gostando, olhe só para ele. É gostoso não é, Lucius? Bom garoto.

— Aqui. —

Ergo olhos e encontro Stephan com os pedidos nas mãos. Ele contorna o balcão e se põe ao meu lado. Eu me afasto um pouco e suspiro esfregando meu rosto mas o ruivo segura em meu ombro tentando se reaproximar.

— Lucius, converse comigo. Eu não falo nada, apenas me deixe te escutar para aliviar tudo que guarda no coração. — sussura.

— E se eu contar...e se você sentir o mesmo que eu estou sentindo quando eu terminar de falar? E se sentir pena de mim? E se sentir nojo? Eu não quero ver esse olhar em você. Não em você. Nem em meu tio. Em ninguém que importa para mim. —

— Você nunca vai ver esse olhar em mim. Jamais. De nenhum de nós. Da mesma forma que eu temia ver esse olhar em você quando contei sobre coisas que eu não contei e não conto para mais ninguém. Eu entendo o que está sentindo, mas, a única coisa que vai ver é alguém que se preocupa com você, ao seu lado. —

Stephan me assegura segurando meu rosto firme. Eu pego os pedidos dele e começo a separar as coisas com a ajuda do ruivo, calado, como havia falado que faria se eu concordasse em dialogar sobre. O barulho do bar cheio abafando nós dois.

— Meus pais começaram a me agredir acho que desde que eu era bebê. — começo, falo baixo para que apenas ele escute. Despejando a bebida nas taças e observando o que faço para não cometer erros. — Porque...desde que me lembro eles me agrediam, tapas, socos, agressões psicológicas como gritos, quebrando coisas, batendo na parede, gritos e mais gritos a minha infância e início da adolescência. Muitos gritos mesmo.

Ela sempre gritava comigo. E eles dois sempre gritavam entre si.

Stephan acrescenta a mistura na outra bebida como eu o ensinei ao longo do tempo embora ele realmente não gostasse nem um pouco de preparar nenhum tipo de bebida ou comida, eu continuava insistindo nesses traumas mesmo assim, apenas do mesmo jeito que ele insistia em mim. Bem diferente de mim o ruivo preferia lidar com o público, conversar, aconselhar e rir, e eu preferia mexer com as bebidas, os copos, frutas e qualquer coisa que não fosse viva. O único momento em que ao longo dos anos eu queria estar em contato com outras pessoas era quando estava socando e socando, apanhando e apanhando. Depois me dividi entre querer contato apenas para bater e em busca do prazer propriamente dito ao começar a me envolver fisicamente.

Heart ProblemsWhere stories live. Discover now