05 Razor

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Fióri Smirnov

Algumas recordações são como fantasmas que nos perseguem, e não importa o quanto tentemos, elas sempre voltam para nos assombrar. 

Essa é a sensação que toma conta de mim quando penso nas minhas próprias lembranças sombrias. Algumas são tão perturbadoras que me deixam sem dormir por dias a fio, enquanto outras me fazem sentir como se fosse um monstro.

Hoje, meu corpo parece estranho, quente e desconfortável. Há um caroço na minha garganta que me faz sentir como se tivesse algo entalado, e o embrulho no meu estômago só aumenta a sensação de desconforto. Tento levantar da cama, mas me sinto fraco e instável. A TV está ligada, e eu escuto o noticiário falando sobre o assassino em série que ataca homens comuns cortando a artéria femoral.

Decido me levantar e ir até o espelho. O reflexo que vejo é perturbador, e eu sinto um arrepio percorrer todo o meu corpo. Eu odeio meus olhos azuis, os mesmos da minha mãe. Odeio me lembrar dela e de todo o sofrimento que ela passou. As pessoas sempre me dizem que eu tenho os olhos dela, mas eu não quero nada que me lembre dela. Eu quero esquecer tudo.

De repente, minha visão começa a ficar turva, e minha pele começa a formigar. Sinto-me tonto e logo perco o equilíbrio, caindo no chão com força. Bato a cabeça no piso frio do banheiro e tudo fica escuro.

"Conforme abro meus olhos, a luz da manhã invade o quarto e aquece meu rosto. É uma sensação agradável, reconfortante. Quando meus olhos se abrem completamente, vejo minha mãe em pé ao lado da minha cama, me encarando com curiosidade. Seu sorriso me derrete por dentro.

— Mamãe! — Eu digo, emocionado.

Sem conter as lágrimas, a abraço com força. Talvez tudo não tenha passado de um pesadelo, talvez minha mãe não tenha sido machucada pelo meu pai. Talvez ela não tenha arrumado as malas para fugirmos dele. Talvez eu não tenha precisado defendê-la.

Mas quando tento me levantar, percebo que minhas pernas estão presas. Olho para baixo e vejo algemas em volta dos meus tornozelos, me prendendo à cama.

— Fique calmo, Fióri. — Minha mãe fala, acariciando meus cabelos castanhos claros.

Encaro-a, atordoado. O que uma criança de 07 anos poderia ter feito para ser acorrentada à cama dessa maneira?

— Me solte, por favor. — Eu imploro, encarando-a.

Seu olhar é abatido e cansado, de quem não dorme há dias.

— Você atacou seu pai, em um acesso de raiva e cortou sua irmã com uma navalha. — Ela fala com a voz carregada de emoção, mostrando a arma na cabeceira da cama.

Eu tento me lembrar da noite anterior, mas a última coisa que me recordo é de sair segurando a mão da minha mãe e depois apagar com uma pancada forte na cabeça. Eu nunca ameaçaria minha irmãzinha Sacha.

— Eu não fiz isso mamãe, eu juro. — Tento convencê-la.

— Fióri, você disse para seu pai que iria matar sua irmãzinha. — Ela sussurra com a voz embargada.

Fico em choque com suas palavras. Isso é impossível, não me lembro de ter dito algo assim.

De repente, meu pai, o grande líder dos Bratva, entra no quarto com um ar de desprezo. Seus olhos castanhos escuros parecem brilhar com escárnio e repúdio ao me ver acorrentado. Ao mesmo tempo em que desejo que ele pague por seus crimes, temo pela minha vida.

— É com isso que você me atacou, é com isso que ameaçou sua irmã? — Grita, mostrando a navalha que estava ao lado de minha cama. 

Sua voz é carregada de raiva e desprezo, como se realmente acreditasse que eu seria capaz de fazer algo tão terrível.

— Não, pai, eu nunca faria isso. Eu juro! — Tento me defender, mas ele não parece disposto a acreditar em mim. 

Em vez disso, ele ameaça me matar com a mesma navalha que dizem que usei para ameaçar minha irmã.

Meu corpo pequeno e frágil começa a tremer de medo e choque. Sinto o frio da navalha em meu pescoço e o sangue escorrendo pela minha pele. Antes de desmaiar, ouço meu pai sussurrar:

— É com isso que irei te matar...

Quando abro os olhos novamente, estou caído no chão do banheiro, com o corpo tremendo e suando frio. Vejo um pouco de sangue na minha cabeça pelo tombo, e na mesma hora sinto um imenso alívio de que tudo não passou de uma recordação de minha infância que preferia esquecer. 

Reunindo minhas forças preparo um banho, quando a água quente enche a banheira, eu entro lentamente e me deixo afundar na imensidão do líquido morno, tocando com as pontas dos dedos na cicatriz da navalha em minha garganta.

Alexei, meu impiedoso pai, não conseguiu me matar naquele dia, mas acabou destruindo a vida de minha mãe. Ela não aguentou a dor de pensar que eu poderia ser morto e acabou tirando a própria vida cortando os pulsos, sangrando até a morte ao meu lado.

Eu ainda me lembro do desespero em seus olhos azuis quando ela achou que ia perder o filho. Alexei tentou salvá-la, desesperado, levando-a às pressas para o hospital, mas ela já tinha desistido de viver.

Eu também pensei em me juntar a ela, cortando meus pulsos e deixando a vida escapar, mas algo me impediu. Quando acordei no hospital, depois de ter tentado suicídio, eu finalmente tive uma conversa definitiva com Alexei.

"Fiori, se tentar tirar sua vida novamente, levará a Sacha com você"

Jamais esquecerei essas palavras.

Minha irmã mais nova, Sacha, que perdeu a mãe sem nem ter tido a chance de conviver com ela, precisava de mim. Eu prometi a Alexei que não faria mais nada para prejudicar a mim mesmo ou a ela. Mas o desejo de vingança ainda queimava em meu peito, me consumindo dia após dia.

Eu saio do banho e vou até meu closet. Olho para cima e vejo a pequena maleta com meu moletom de capuz preto e minha navalha. É a minha arma, a ferramenta que uso para acabar com monstros como Alexei. Sinto a raiva queimar dentro de mim enquanto penso nele. O desejo de vingança é forte, mas eu sei que ainda não posso acabar com ele. Então, por enquanto, eu me contento em torturar e acabar com outros monstros.

Fecho meus olhos e tento esquecer o passado, mas a lembrança do sorriso de minha mãe antes de atacar minha próxima vítima volta à minha mente. Ser o assassino da navalha é a minha sina, e enquanto eu puder, conviverei com este tormento.


Continua...



Diário de uma garota morta: RAZOR = Navalha... Sua sombra obscurecia até a mais tenebrosa madrugada.

O ASSASSINO DA NAVALHATempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang