O Grande dia

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A família Espada Gonçalves estava acordada desde as seis da manhã, Adelaide tinha dormido com os rolos no cabelo, Sabrina engomava o vestido e a avó preparava a gravata de Alberto, o casamento seria às 10h na igreja do santo condestável, seguia-se um almoço no palacete da família Vieira Azeredo em Alcântara.

 Sabrina maquilhava a irmã que não dizia uma palavra, a mãe penteava-lhe o cabelo e tentava fazer um rolo que se assemelhava a uma banana, Raquel chorava.

-Não estragues a pintura, já basta ires a nadar dentro do vestido!- ordenou a irmã.

Raquel não queria nada, nada daquilo, queria continuar na faculdade de letras, seguir os seus sonhos e estar com o amor da sua vida, Francisca.

As três mulheres da família ajudaram Raquel a vestir o vestido de noiva, religiosamente engomado, depois a avó colocou-lhe o véu no topo da cabeça e estendeu o mesmo.

-Que noiva tão bonita, filha!- disse a avó Mila.

Seguiram para o carro, Raquel mal vivia, mal comia, mal dormia e aquele seria com toda a certeza o seu fim. 

Alberto conduzia sem dizer uma palavra, tinha em si um sorriso de maldade.

-A partir de hoje podemos ficar descansados, as tuas inclinações perversas vão acabar, nunca mais vais ver a escumalha comuna!- proferiu.

-Ai graças a Deus, e ainda vais abençoar o teu pai com uns belos netinhos!- disse a avó.

Raquel encheu-se de raiva, vivia numa quase loucura.

-Para este carro, seu ser sem amor, estás a matar a tua filha!- gritava sem dó.

Saiu do carro disparada, sujando o vestido branco com alguma terra.

-Filha, o que é que estás a fazer? obedece ao teu pai!- gritou Adelaide.

Raquel sentou-se no chão, só conseguia chorar, Alberto caminhou em direção a ela de punhos cerrados.

-Ou entras no carro agora ou casas toda rebentada, tu escolhes a figura que queres fazer!- gritou enquanto puxou a filha pelo braço para a forçar a entrar no carro.

Quando chegaram ao largo da igreja depararam-se com flores frescas que enfeitavam a entrada, pessoas num burburinho, cheirava a perfume caro, as pessoas aguardavam ansiosamente a chegada da noiva mais triste do ano.

Alberto puxava Raquel pelo tapete vermelho, esta revelava uma expressão fria, as pessoas comentavam a sujidade do vestido e comentavam a expressão triste de Raquel, Vasco vestia um fato preto de aba de grilo, estava satisfeito com a sua noiva, na fila da frente encontrava-se a família Vieira Azeredo, os pais de Vasco e as suas quatro irmãs, todos aperaltados como se de um casamento real se tratasse.

Raquel chegou ao altar de olhos no chão, o órgão litúrgico soava a morte.

O padre fez o sinal da cruz e saudou os noivos e os presentes.

-Irmãos caríssimos,

renuímo-nos com alegria na casa do Senhor
para participarmos nesta celebração,
acompanhando Vasco Manuel Vieira Azeredo e Maria Raquel de Leça Espada Gonçalves.
no dia em que se propõem constituir o seu lar.
Esta hora é para eles de singular importância.
Acompanhemo-los com o nosso afeto e amizade
e com a nossa oração.
Juntamente com eles escutemos a Palavra
que Deus hoje nos vai dirigir.
Depois, em união com a Santa Igreja,
por Jesus Cristo, nosso Senhor,
supliquemos a Deus Pai
que acolha benignamente estes seus servos,
que desejam contrair Matrimónio,
os abençoe e os una para sempre.

Oremos.

Senhor nosso Deus,
que, desde a criação do género humano,
quereis a união do homem e da mulher,
uni pelo vínculo santo do amor estes vossos servos Vasco e Raquel.
que hoje se comprometem na aliança matrimonial
e fazei que, dando frutos de caridade,
sejam testemunhas do vosso amor na santa Igreja.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco, na unidade do Espírito Santo !

E todo o cântico soava a fim, Raquel queria morrer, o casamento decorria e Raquel não ouvia uma única palavra daquele sinistro ritual, sempre adormecida, expressou um tímido e vazio consentimento para terminar com aquela tortura.






A Liberdade de amarWhere stories live. Discover now