Entardecer

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   Paulo deixou Raquel, completamente desconfiado e desagradado, esta sentia-se frágil e sem saber o que fazer por ter perdido a boleia, a calmaria do protesto foi seguida de uma algazarra devido ao público da palestra estar a sair do auditório.

"Saiam daqui escumalha, amantes de satanás, um pide há de tratar-vos do lombo suas putas!" um dos engravatados grita a uma das colegas de Francisca enquanto lhe tenta acertar com um escarro.

 Francisca corre para perto da rapariga para a proteger de mais ofensas.

"Isabel, não lhes ligues!" ela diz enquanto lhe tira o cartaz e o segura debaixo do braço.

Pela primeira vez Raquel sentiu medo de ser atacada publicamente por estar perto daquelas jovens mulheres no protesto, Francisca sussurra algo às outras e depois aproxima-se de Raquel.

"Vão começar a ser mais e mais, vamos ter que correr quando os médicos estiverem a sair do auditório, prepara-te já!" Francisca disse muito exaltada.

Raquel entra em pânico e sente o seu corpo a entrar em completa ansiedade.

"Mas não me disseste que me levavas para casa? eu não quero estar aqui metida nestas coisas, ainda somos detidas!" disse com alguma histeria.

"E levo, a minha tia vem buscar-me e leva-te a casa, ela já deve estar no sítio combinado!" ela disse tentado acalmar a moça.

A algazarra tornou-se cada vez maior, muitas pessoas saíam do auditório Gulbenkian, senhores e senhores, importantões, engravatados, alta sociedade, com certeza cansados de uma palestra que muito lhes interessava.

 "Putas assassinas!" grita um homem da multidão atirando uma garrafa de água ao rosto de Francisca.

Francisca enche-se de raiva e completa revolta.

"Antes puta que fascista!" gritou e obrigou as colegas a correrem consigo.

 As raparigas corriam entre a multidão, Francisca puxava o braço de Raquel, gritavam de medo e de exaustão, percorreram as ruas, os saltos altos das botas de Raquel e de Júlia ecoavam na rua ao entardecer, corriam entre suor e gritos com a respiração muito ofegante, Francisca ordenou que abrandassem quando chegaram à fachada do café "Girão" onde se encontrava uma mulher alta que devia ter por volta de 50 anos, com o cabelo grisalho num corte que lhe chegava aos ombros, vestia umas calças castanhas e um camiseiro branco, fumava um cigarro.

"Meninas, estão vivas!" gritou ao abraçar Francisca.

"Rosa Paula, que alívio" disse Isabel.

"Que merda tia, eles começaram a ser agressivos e a atirar objetos!" disse Francisca chateada.

"É sempre um risco meninas, sei bem o que é, entrem no carro e a convidada também, bem apertadas, mas cabemos todas" disse a mulher de meia-idade apontado para Raquel.

  Rosa Paula caminhou em direção ao Citroen 2cv que estava estacionado perto do café, Isabel e Júlia entraram no carro e sentaram-se no banco de trás.

"Senta-te ao lado delas, eu costumo ir à frente com a minha tia!" Francisca informou Raquel.

Raquel estava nervosa e desconfortável, sentia-se quase como num sonho mirabolante, a andar no carro de desconhecidos, a chegar a casa tão tarde, a andar no meio de protestos.

"Sei a morada de todas menos aqui da novata, ora diz-me lá onde é que te deixo e antes disso diz-me o teu nome" Rosa Paula disse rindo.

"Maria Raquel, tratem-me por Raquel" a moça respondeu com alguma timidez. 



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