Farinha do mesmo saco

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Raquel POV

        Inacreditável é o facto de ter as pessoas que supostamente mais nos amam contra nós de uma forma tão agreste, o meu pai que tanto me apoia e tanto me ama ameaçou cortar-me a educação por chegar um pouco mais tarde a casa, obrigou-me a fazer as tarefas domésticas em vez de estudar mais umas horas e fez-me sentir culpada por algo que nem percebo, se eu fosse homem...

      "E se eu fosse um homem?" tem sido a pergunta que assombra a minha cabeça todas as noites, assombra-me pelo contraste, porque se eu fosse um homem não tinha todo este peso em cima dos meus comportamentos, das horas a que chego a casa, do comprimento da minha saia, se eu fosse um homem ninguém queria saber de quem me deu boleia, ninguém queria saber das minhas saídas, ninguém me ocultava o sexo.

    Ultimamente tenho refletido na luta da Francisca, sinto que me tem tocado particularmente porque a estou a sentir na pele, a minha mãe mal me fala, sinto-a desiludida, a minha avó apoia toda a austeridade, diz que tenho de fazer o que o meu pai manda, é ouvir e calar, a Sabrina também não tem voz.

  O meu primo Gonçalo engravidou uma moça e disso quase nem se fala, só ouvi o nome da moça a ser criticado à mesa das refeições, com adjectivos como impura e galdéria.

E se eu estivesse no lugar dessa rapariga? Levava uma sova do meu pai e outra da minha mãe eufemizada pelas mãos da minha avó "O teu pai com certeza sabe o que é melhor para ti!"

 Ando perdida nos meus pensamentos, sinto que talvez não seja tão diferente da Francisca, da Júlia, da Isabel e da Rosa Paula, ao fim ao cabo somos todas farinha do mesmo saco, nenhuma de nós tem voz, somos abafadas pelo governo, por chefes de família e até por professores.

   A minha avó nunca teve voz mas parece que se conforma com isso e a minha mãe segue-lhe o exemplo.

 A Francisca é corajosa, ela quer ter voz e arrisca tudo por isso, apesar de estar proibida de comunicar com ela espero que ela consiga ler o meu olhar, onde afirmo e digo "Sim, estou contigo nesta luta, somos farinha do mesmo saco, sou tão prisioneira quanto tu!".

A Liberdade de amarWhere stories live. Discover now