Abrigo

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 Na pequena mercearia Raquel, Francisca e Miguel Mano falavam com algum secretismo.

"Eu quero muito ir contigo Francisca, tenho pena de deixar a minha mãe, a minha avó e a minha irmã, principalmente porque é Natal mas eu não aguento mais, só espero que não haja maneira possível de descobrirem onde eu estou!" Raquel disse entre o choro.

Francisca olhou-a com alegria.

"Anda comigo Raquel, vamos, vamos reconstruir tudo, obrigada Miguel, ajudaste-me muito hoje camarada, salvaste esta mulher!" agradeceu Francisca.

Miguel Mano acompanhou as raparigas até à paragem de elétrico menos visível, abraçou-as e ainda lhes deu um pequeno bolo rei que tinha sobrado, Francisca agradeceu-lhe com a voz e mil vezes com os olhos, Raquel estava apática, doente, mal falava, tinha pouca energia devido à greve de fome de semanas e semanas, como forma de resistência à violência do pai.

Uma viagem de elétrico onde ambas permaneceram caladas.

"Vai ser o Natal mais estranho da minha vida" disse Raquel sem força.

Francisca tocou-lhe no ombro, despertando em si uma reação há muito adormecida.

"Da minha também, não te preocupes, o que tu precisas é de sarar, daqui a uns dias vai doer menos, não estás sozinha, vou ajudar-te com tudo, a Rosa Paula está contigo, a Isabel, a Júlia, o camarada Miguel!"

Quando chegaram à paragem que se encontrava perto do bairro da Graça onde vivia Rosa Paula, Francisca ajudou Raquel a sair do elétrico.

**********

A casa de Rosa Paula era um apartamento acolhedor com chão de madeira, carpetes coloridas e muita luz, Francisca tinha ajudado Raquel a subir as escadas, esta encontrava-se sem força devido à greve de fome que fez como forma de resistência às atitudes do pai, Francisca abriu a porta de um  pequeno quarto ao fundo do corredor onde se exibia uma cama de solteiro completamente composta com lençóis de tamanha brancura e que cheiravam a sabão de marselha, um cobertor de papa e algumas almofadas, na mesa de cabeceira estava um pequeno candeeiro de luz amarelinha e uma pilha de livros.

"Sei que não é um quarto de hotel mas aqui estás segura!" disse Francisca colocando uma mão nas costas da moça para que esta entrasse no quarto.

"Está ótimo, preciso mesmo de descansar!" 

Sentou-se na cama, depois estendeu-se por cima do cobertor e tirou os sapatos.

"Vou deixar-te descansar!" Francisca sorriu e tapou a moça com uma manta.

Deixou Raquel adormecer e foi para a sala, conversou com a tia e ajudou-a a fazer o jantar, entre preocupação e medo, não conseguia esconder os sorrisos nem a fascinação, Rosa Paula não escondia a preocupação em relação ao estado da rapariga, deprimida, doente, esgotada.

"Francisca, está aqui o tabuleiro com o jantar da menina, ela deve estar muito cansada para se levantar!" disse Rosa Paula ao entregar um tabuleiro de madeira com um prato de canja fumegante com alguns pedaços de frango desfiado e uma pequena taça de vidro com uma maçã descascada e cortada em pequenos cubos.

Francisca tomou o tabuleiro nas suas mãos e caminhou em direção ao quarto onde se encontrava Raquel enfraquecida, abriu a porta de forma silenciosa e pousou o tabuleiro na mesa de cabeceira, acariciou o seu rosto para a acordar, esta gemeu ainda no sono e abriu os olhos lentamente,

"Aqui tens uma canja quentinha, um bocadinho de pão e uma maçã, a canja da minha tia cura tudo, acredita em mim!"

Raquel sentou-se na cama, o seu olhar permanecia vazio, o seu rosto sem cor.

"Não consigo comer, agradeço mas não consigo..."

"Raquel, tenta comer qualquer coisa, estar assim não te faz bem, estás a ceder ao que ele quer, vá lá, eu faço-te companhia!"




A Liberdade de amarWhere stories live. Discover now