Sororidade

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  "O que se passa? estiveste tão distante na reunião do partido!" exclamou Rosa Paula enquanto pendurava o seu sobretudo no cabide do hall de entrada.

   Francisca tentava ao máximo não parecer vulnerável mas Rosa Paula já a conhecia demasiado bem, puxou a sobrinha pelo braço e fez com que se sentasse no sofá da sala, entregou-lhe um cigarro.

"Vá lá camarada, o que é que te apoquenta? andas tão distante, indiferente, amarga, conta aqui à tia!" aproximou-se da sobrinha para lhe acender o cigarro e de seguida acendeu o seu.

O olhar azul de Francisca estava vazio, entristecido, ao pensar em Raquel tudo ficava mais negro.

"Então tia, lembras-te da Maria Raquel? da noite do protesto?" perguntou num sopro de voz.

"Lembro pois, aquela miúda baixa de cabelos claros que vive naquela zona burguesa? eu tenho uma ideia, ela esteve na festa da associação, não esteve? o que é que se passa com ela?" Rosa Paula perguntou. 

Francisca fitava o chão.

"Esteve tia, eu e a Raquel criámos uma ligação, uma amizade muito profunda e eu estou a sofrer, sofro porque ela não está bem, a família da Raquel apoia o regime e é extremamente conservadora, cortaram-lhe tudo quando descobriram que ela andava conosco, ela respondeu-me à carta e fiquei a saber de que leva sovas de meia-noite do pai dela, foi proibida de ir à faculdade, isto é grave tia, ela está a sofrer de violência doméstica, passa os dias fechada naquela casa, a caminhar para a loucura, aquela família é completamente fascista e a Raquel está a ser torturada!" 

 Rosa Paula olhava para a sobrinha num misto de raiva e de choque, abraçou-a com ímpeto.

"Que coisa abominável, que nojo, que podridão, pobre rapariga!"

O coração de Francisca encheu-se de raiva.

"O Miguel Mano disse-me que a Raquel está completamente acabada, esquelética e cheia de nódoas negras, preciso de fazer alguma coisa tia, como pessoa, como feminista, eu quero tirar aquela mulher incrível daquele estado!" 

  Rosa Paula reflectia entre o seu cigarro, estava tão magoada quanto Francisca.

"Vamos lá ver Chica, nós podemos pensar em alguma coisa mas também não podemos fazer o impossível que seria chegar lá e confrontar o pai nojento dessa miúda, as forças de segurança não vão fazer nada em relação ao homem mas fariam em relação a nós, acredita em mim, mas eu quero ajudar-te!" disse com convicção.

  Francisca levantou-se agressivamente, raivosa.

"Vou convocar reunião com a Júlia e com a Isabel, precisamos de um plano, o Alberto Espada Gonçalves ainda a mata com as próprias mãos, ela está tão frágil..."

 A tia levantou-se para preparar duas canecas de chá de camomila, entregou à sobrinha uma caneca de chá quente e fumegante. 

"Mas diz-me Francisca, tens a certeza de que é só uma amizade profunda?"


A Liberdade de amarWhere stories live. Discover now